A Espada e o Raio
por Natalia Bolívar
Da Revista Cuba Encuentro en la Red Cubaencuentro

Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Santa Bárbara nasceu na Nicomédia, capital da Betânia, na Turquia asiática. Dióscoro, seu pai, de origem judia, militar de carreira, rico, orgulhoso e brutal, encerrou-a em uma torre que só tinha um fosso e duas janelas por onde entrava o sol, seu único privilégio.

Ao partir para a guerra, seu pai deixou-a rodeada de luxos e mestres famosos para que assim obtivesse uma educação como correspondia à sua posição social.

Com o tempo, Bárbara foi se apercebendo da falsidade da doutrina pagã e das suas divindades. Ainda que Roma dominasse o mundo, pôde fazer chegar uma mensagem ao sábio católico Orígenes, que lhe enviou um de seus discípulos, Valêncio, quem a instruiu nos livros sagrados, a fé cristã e a batizou.

Ao regressar da guerra, seu pai encontrou-a mudada e instou que lhe dissesse a causa da sua mudança, ao que Bárbara se confessou cristã. Dióscoro tratou de dissuadi-la, mas ela continuava confessando-se cristã. Foi entregue à justiça do pretor Marciano, quem mandou que fosse açoitada durante três dias. Deitaram-na sobre pedaços de vidro e pontas de lança, abriram suas feridas com sal e vinagre e lançaram-na num calabouço escuro. Ali se lhe apareceu Jesus, quem curou suas feridas e alimentou sua fé cristã. Ao vê-la o pretor com forças e intuindo o milagre, mandou que a torturassem novamente, enquanto ela seguia sorrindo, orando, firme em sua fé cristã. Foi então, que a expuseram nua por toda a cidade lhe dando açoites. Uma vez humilhada e sem lograr que negasse Jesus, foi sentenciada à morte. Seu pai foi o verdugo, sacou sua espada e degolou-a.

De volta a casa, Dióscoro, em companhia do pretor Marciano, foram mortos por um raio, ante um céu sereno e sem nuvens. Isto ocorreu ao redor do ano 238.

A festa patronal desta virgem-mártir celebra-se em 4 de dezembro, ainda que em 1969 tenha desaparecido do calendário romano.

Por sua parte, Changó chega a Cuba nos barcos negreiros que transportavam grandes cargas de escravos para trabalhar nas plantações do novo continente. Com os escravos veio este orixá, seu culto, seus relatos, sua vitalidade e colorido; a partir de então, foi transmitindo-se de pais a filhos a través da memória oral. Foi assim como se assentou em nossa terra.

Changó é um orixá ou divindade maior. É deus do fogo, do raio, do trovão, da guerra, dos ilú-batá, da dança, da música e da beleza viril. É padroeiro dos guerreiros e dos artilheiros. Este orixá é filho de Ibaíbo e de Yemmú.

A Changó se lhe atribuem muitas virtudes e defeitos dos homens. É bom trabalhador, muito valente, amigo digno de se apreciar, adivinho; também é algo mentiroso, mulherengo, em algumas ocasiões briguento, jactancioso e jogador. Como pai, se ocupa do filho enquanto este lhe obedeça, mas não o admite covarde. Os Ibeyis são seus filhos. Changó também possui inumeráveis amantes, o que não lhe impede de ter suas próprias mulheres: Oyá, Obba Yurú e Ochún.

Este orixá é muito respeitoso com os egguns. Às vezes, se lhe representa a cavalo como um soldado. Na terra ioruba, Nigéria, esta divindade era rei da cidade de Oyó; diz-se que cometeu suicídio e a partir de então se converteu em orixá.

Existem diversas lendas ou pattakíes em Cuba que se referem à história de Changó, muitas delas encontram-se plasmadas em antigas livretas, ordenadas segundo os odus do sistema divinatório de Ifá em que esta divindade fala, e outras delas, recolhidas pela tradição oral do nosso povo; uma delas conta:

Changó desafiava Oggún ao transformar Oyá em sua mulher. Estando o amante na casa de Oyá, dona dos relâmpagos e dos temporais, de pronto, inteirado, apareceu Oggún; rodeou a casa com um exército formado por todo tipo de armas feitas na sua frágua; interpelava bruscamente Changó para que saísse e o enfrentasse em batalha.

Oyá, muito respeitada e querida em seu povo, e sob a influência do seu amor por Changó, cortou suas longas tranças; tirou também a sua saia de nove cores e seu lenço. Vestiu Changó com tudo isto. Logo, abriu a porta da sua casa e Changó, vestido com a indumentária de sua amante, abriu passo entre a multidão, imitando o majestoso passo de Oyá. Vestido assim conseguiu escapar da ira de Oggún, seu eterno rival no amor.

Seria muito extenso narrar as múltiplas facetas da vida de Changó.

Este orixá é capaz de resumir em si mesmo todas as virtudes e defeitos e, como pode se observar, nem a história, nem o relato sobre a origem de Santa Bárbara e de Changó guardam algo em comum, mais bem se trata de duas histórias que mostram um certo paralelismo até que a própria vida os põe em solo cubano e se unificam as duas tradições das culturas africana e européia.

por Natalia Bolívar
De la Revista Cuba Encuentro en la Red Cubaencuentro

Santa Bárbara nació en Nicomedia, capital de Bitinia, en la Turquía asiática. Dióscoro, su padre, de origen judío, militar de carrera, rico, orgulloso y brutal, la encerró en una torre que sólo tenía una poceta y dos ventanas por donde entraba el sol, su único privilegio.

Al partir a la guerra, su padre la dejó rodeada de lujos y maestros famosos para que así obtuviera una educación como correspondía a su rango social.

Con el tiempo, Bárbara se fue percatando de la falsedad de la doctrina pagana y de sus deidades. Aunque Roma dominaba al mundo, pudo hacer llegar un mensaje al sabio católico Orígenes, quien le envió a un discípulo suyo, Valencio, quien la instruyó en los libros sagrados, la fe cristiana y la bautizó.

Al regresar de la guerra, su padre la encontró cambiada y le instó a que le dijera la causa de su cambio, a lo que Bárbara se confesó cristiana. Dióscoro trató de disuadirla, pero ella continuaba confesándose cristiana. Fue entregada a la justicia del pretor Marciano quien mandó a que la azotaran durante tres días. La acostaron sobre pedazos de vidrios y puntas de lanza, abrieron sus heridas con sal y vinagre y la arrojaron a un calabozo oscuro. Allí se le apareció Jesús, quien curó sus heridas y alimentó su fe cristiana. Al verla el pretor con fuerza e intuir el milagro, mandó a que la torturaran nuevamente, mientras ella seguía sonriendo, orando, firme en su fe cristiana. Fue entonces que la expusieron desnuda por toda la ciudad dándole latigazos. Una vez humillada y sin lograr que negara a Jesús, fue sentenciada a muerte. Su padre fue el verdugo, sacó su espada y la degolló.

De regreso a su casa Dióscoro, en compañía del pretor Marciano, una centella de rayo los mató, ante un cielo sereno y sin nubes. Esto sucedió alrededor del año 238.

La fiesta patronal de esta virgen-mártir se celebra el 4 de diciembre, aunque en 1969 desapareció del calendario romano.

Por su parte, Changó llega a Cuba en los barcos negreros que transportaban grandes cargamentos de esclavos para trabajar en las plantaciones del nuevo continente. Con los esclavos vino este orisha, su culto, sus relatos, su vitalidad y colorido; a partir de entonces, se fue transmitiendo de padres a hijos a través de la memoria oral. Fue así como se asentó en nuestra tierra.

Changó es un orisha o deidad mayor. Es dios del fuego, del rayo, del trueno, de la guerra, de los ilú-batá, del baile, la música y la belleza viril. Es patrón de los guerreros y los artilleros. Este orisha es hijo de Ibaíbo y de Yemmú.

A Changó se le atribuyen muchas virtudes y defectos de los hombres. Es buen trabajador, muy valiente, amigo digno de apreciar, adivino; también es algo mentiroso, mujeriego, en algunas ocasiones, pendenciero, jactancioso y jugador. Como padre se ocupa del hijo mientras éste le obedece, mas no lo admite cobarde. Los Ibeyis son sus hijos. Changó posee también innumerables amantes; ello no le impide tener sus propias mujeres: Oyá, Obba Yurú y Ochún.

Este orisha es muy respetuoso de los egguns. A veces se le representa a caballo como un soldado. En la tierra yoruba, Nigeria, esta deidad era rey de la ciudad de Oyó; se dice que cometió suicidio y, a partir de entonces, se convirtió en orisha.

Existen diversas leyendas o pattakíes en Cuba que refieren la historia de Changó, muchas de ellas se encuentran plasmadas en antiguas libretas, ordenadas según los oddunes del sistema adivinatorio de Ifá en que habla esta deidad, y otras de ellas recogidas por la tradición oral de nuestro pueblo, una de ellas cuenta:

Changó desafiaba a Oggún al convertir a Oyá en su mujer. Estando el amante en casa de Oyá, dueña de las centellas y los temporales, de pronto, enterado, se apareció Oggún; rodeó la casa con un ejército formado por todo tipo de armas hechas en su fragua; interpelaba bruscamente a Changó a que saliera y le enfrentase batalla.

Oyá, muy respetada y querida en su pueblo, y bajo la influencia de su amor por Changó, se cortó sus largas trenzas; se quitó también su saya de nueve colores y su pañuelo. Vistió a Changó con todo esto. Luego abrió la puerta de su casa y Changó, vestido con la indumentaria de su amante, se abrió paso entre la multitud, imitando el majestuoso paso de Oyá. Vestido así, logró escapar de la ira de Oggún, su eterno rival en el amor.

Sería demasiado extenso narrar las múltiples facetas de la vida de Changó.

Este orisha es capaz de resumir en sí todas las virtudes y defectos y, como se puede observar, ni la historia ni el relato sobre el origen de Santa Bárbara y de Changó guardan algo en común, más bien se trata de dos historias que muestran un cierto paralelismo hasta que la misma vida los pone en suelo cubano y se unifican las dos tradiciones de las culturas africana y europea.

A Espada e o Raio
por Natalia Bolívar
Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.
Da Revista Cuba Encuentro en la Red Cubaencuentro

Santa Bárbara nasceu na Nicomédia, capital da Betânia, na Turquia asiática. Dióscoro, seu pai, de origem judia, militar de carreira, rico, orgulhoso e brutal, encerrou-a em uma torre que só tinha um fosso e duas janelas por onde entrava o sol, seu único privilégio.

Ao partir para a guerra, seu pai deixou-a rodeada de luxos e mestres famosos para que assim obtivesse uma educação como correspondia à sua posição social.

Com o tempo, Bárbara foi se apercebendo da falsidade da doutrina pagã e das suas divindades. Ainda que Roma dominasse o mundo, pôde fazer chegar uma mensagem ao sábio católico Orígenes, que lhe enviou um de seus discípulos, Valêncio, quem a instruiu nos livros sagrados, a fé cristã e a batizou.

Ao regressar da guerra, seu pai encontrou-a mudada e instou que lhe dissesse a causa da sua mudança, ao que Bárbara se confessou cristã. Dióscoro tratou de dissuadi-la, mas ela continuava confessando-se cristã. Foi entregue à justiça do pretor Marciano, quem mandou que fosse açoitada durante três dias. Deitaram-na sobre pedaços de vidro e pontas de lança, abriram suas feridas com sal e vinagre e lançaram-na num calabouço escuro. Ali se lhe apareceu Jesus, quem curou suas feridas e alimentou sua fé cristã. Ao vê-la o pretor com forças e intuindo o milagre, mandou que a torturassem novamente, enquanto ela seguia sorrindo, orando, firme em sua fé cristã. Foi então, que a expuseram nua por toda a cidade lhe dando açoites. Uma vez humilhada e sem lograr que negasse Jesus, foi sentenciada à morte. Seu pai foi o verdugo, sacou sua espada e degolou-a.

De volta a casa, Dióscoro, em companhia do pretor Marciano, foram mortos por um raio, ante um céu sereno e sem nuvens. Isto ocorreu ao redor do ano 238.

A festa patronal desta virgem-mártir celebra-se em 4 de dezembro, ainda que em 1969 tenha desaparecido do calendário romano.

Por sua parte, Changó chega a Cuba nos barcos negreiros que transportavam grandes cargas de escravos para trabalhar nas plantações do novo continente. Com os escravos veio este orixá, seu culto, seus relatos, sua vitalidade e colorido; a partir de então, foi transmitindo-se de pais a filhos a través da memória oral. Foi assim como se assentou em nossa terra.

Changó é um orixá ou divindade maior. É deus do fogo, do raio, do trovão, da guerra, dos ilú-batá, da dança, da música e da beleza viril. É padroeiro dos guerreiros e dos artilheiros. Este orixá é filho de Ibaíbo e de Yemmú.

A Changó se lhe atribuem muitas virtudes e defeitos dos homens. É bom trabalhador, muito valente, amigo digno de se apreciar, adivinho; também é algo mentiroso, mulherengo, em algumas ocasiões briguento, jactancioso e jogador. Como pai, se ocupa do filho enquanto este lhe obedeça, mas não o admite covarde. Os Ibeyis são seus filhos. Changó também possui inumeráveis amantes, o que não lhe impede de ter suas próprias mulheres: Oyá, Obba Yurú e Ochún.

Este orixá é muito respeitoso com os egguns. Às vezes, se lhe representa a cavalo como um soldado. Na terra ioruba, Nigéria, esta divindade era rei da cidade de Oyó; diz-se que cometeu suicídio e a partir de então se converteu em orixá.

Existem diversas lendas ou pattakíes em Cuba que se referem à história de Changó, muitas delas encontram-se plasmadas em antigas livretas, ordenadas segundo os odus do sistema divinatório de Ifá em que esta divindade fala, e outras delas, recolhidas pela tradição oral do nosso povo; uma delas conta:

Changó desafiava Oggún ao transformar Oyá em sua mulher. Estando o amante na casa de Oyá, dona dos relâmpagos e dos temporais, de pronto, inteirado, apareceu Oggún; rodeou a casa com um exército formado por todo tipo de armas feitas na sua frágua; interpelava bruscamente Changó para que saísse e o enfrentasse em batalha.

Oyá, muito respeitada e querida em seu povo, e sob a influência do seu amor por Changó, cortou suas longas tranças; tirou também a sua saia de nove cores e seu lenço. Vestiu Changó com tudo isto. Logo, abriu a porta da sua casa e Changó, vestido com a indumentária de sua amante, abriu passo entre a multidão, imitando o majestoso passo de Oyá. Vestido assim conseguiu escapar da ira de Oggún, seu eterno rival no amor.

Seria muito extenso narrar as múltiplas facetas da vida de Changó.

Este orixá é capaz de resumir em si mesmo todas as virtudes e defeitos e, como pode se observar, nem a história, nem o relato sobre a origem de Santa Bárbara e de Changó guardam algo em comum, mais bem se trata de duas histórias que mostram um certo paralelismo até que a própria vida os põe em solo cubano e se unificam as duas tradições das culturas africana e européia.

Um santuário para Babalú Ayé
por Natalia Bolívar
Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.
Da Revista Cuba Encuentro en la Red Cubaencuentro

Um ancião coxo esconde um Deus,
Que cruza a morte
Com cães congelados,
Onde nasceu o proibido.
Em sua armadura de lepra
Move-se a vida perfeita.

San Lázaro No povoado de Pedro Betancourt, em Matanzas, existe um santuário para honrar a São Lázaro ou Babalú Ayé, como muitos o chamam.

“Recorrendo suas ruas na manhã ardorosa de um verão, topamos com um pequeno santuário que faz alguns anos um modesto devoto construiu com suas próprias mãos para o culto de São Lázaro”, escreveu Lydia Cabrera.

Anos depois, numa despejada manhã de dezembro, as ruas de Pedro Betancourt, com seu asfalto pegajoso acabado de estender, nos adentram nos mistérios deste povoado enfeitiçado. Povoado de recordações fundidas nas pedras, nas canas que penetram a terra para sua fecundação e regeneração, nas cercanias das águas sagradas das lagoas poéticas de Pedro Betancourt ou Corral Falso de Macurijes.

Hoje, com passos parcimoniosos caminhamos até o cemitério e atravessamos sua porta, lugar repouso dos ancestrais e das lembranças. Ali nos espera silencioso em suas evocações, Chiqui Piloto, afilhado de batismo de Julio García, quem nos conduziu até o lugar em que se encontra atualmente sepultado seu padrinho, cujo cadáver foi trasladado por temor de que alguém possa ultrajar seu sepulcro e para que pudesse descansar em paz no eterno país dos ausentes.

Julio García era um dos mais prestigiosos mayomberos da região, pertencente ao ramo Yamba Cuaba. Contam os que o conheceram, que Julio era um mulato achinesado que vivia na mais completa solidão por um malefício que fez à única filha de Dolores Ibáñez, a venerável Francisquilla, informante e grande amiga de Josefina Tarafa, a quem “roubou uma guia” da sua nganga.

Julio encomendou em 1952 ao escultor Roberto Ojeda, a confecção de uma una escultura de seu querido São Lázaro, o Babalú Ayé dos iorubas; o Ayanu ou Agróniga, Chakuana ou Sakpata dos ararás, gangás e congos.

Ojeda, o escultor, agbeugui do milagre, nos comentou: “Comecei a trabalhar muito rápido, pois a idéia me emocionou. Lembro que sentei diante de um enorme tronco, de uma dessa madeiras duras de verdade, e com a goiva na mão empreendi minha tarefa”.

Roberto, com sua mão experiente, segurou a goiva para que o instrumento não tremesse nem partisse ante a resistente madeira que moldava lentamente, dando-lhe forma para se transformar em escultura, donde surge o poema ao sofrimento. Ojeda culmina sua obra. A capela se adorna. A figura de São Lázaro, Babalú, Omolú, Kobayende suou sem parar pelos poros da madeira. Isto durou três dias e se converteu em milagre ao sanar enfermos e paralíticos. Julio e Ojeda, seguidos de uma mística procissão de adoradores, levaram o São Lázaro para batizá-lo na igreja do povoado.

Narram os habitantes do povoado, que logo após terem batizado a escultura de São Lázaro, Julio García, introduziu na sua base a carga mágica de um gomo da sua prenda chamada: Siete Brillumba Yamba Cuaba. Nele estavam fundidas a Regla de Ocha, o catolicismo e as Reglas de Palo Monte, dando-lhe a fortaleza da espiritualidade do nosso povo criativo. A escultura encomendada já tinha seu santuário.

“Há que se desenterrar a história”, diz Chiqui Piloto no jardim da sua casa. Fala, com recolhimento e respeito, do venerável ancião de todas as crenças “…todos os anos viajam de lugares longínquos, muitos devotos para pagar seus oferecimentos. Do dinheiro que se arrecada destas promessas, uma parte está destinada para a manutenção do templo e da estátua…”.

Quando perguntamos ao escultor do milagre, Roberto Ojeda, sobre a sua obra, nos disse: “Essa estátua não é minha, não é de ninguém em particular, pertence ao povo de Pedro Betancourt, que para isso o senhor Julio a mandou construir, para que os habitantes deste lugar não tivessem que ir até o Lazareto, em la Habana, no dia 16 de dezembro, a adorá-lo ou a pagar suas promessas”.

E recordamos as notas de Lydia quando transcreve suas extensas tertúlias no jardim da casa de moradia de Josefina Tarafa, no central Cuba, entre os olores das flores de laranjeira e de ylang ylang, com o sussurro da brisa e rodeada de suas queridas informantes Francisquilla, Ña Petrona, Conga Mariate, Ña Merced La Mayor e muitas vivências ancestrais da mística africana, entre goles de café criollo e fumaça de tabaco, aspergindo sua loquacidade e conversando alegremente sobre suas experiências com Babalú Ayé, o senhor das enfermidades, a lepra e a sífilis.

Hoje, neste povoado, suas lembranças têm desabado com o passar do tempo. Ouvem-se as vozes do passado em um presente implacável que tem borrado seu esplendor. Só fica um santuário, onde a imagem de São Lázaro, Babalú Ayé, Omolú ou Kobayende sua, chora e ainda respira pelos poros da dura madeira.

Moforibale
porque honrar, honra
Reflexiones de un realizador
Jorge Luis Sánchez
De la revista Internet Caiman Barbudo
Tecle aquí para visitar la revista Caimán Barbudo

A Olofi y a Martí

He ido a muchas casas para recopilar datos y fotos. Ahora lo hago en mejores condiciones, pero los dos primeros años lo hice a pie, en guagua o en bicicleta. Lo mismo a Guanabacoa que a Párraga. Una vez, bajo el tremendo sol de agosto y con escaso alimento en el estómago, me cuestioné el sentido de esta obsesión. Pero reconforta saber que jamás alguien me ha dejado de atender, aún cuando, generalmente, llego sin previo aviso.

He visto lágrimas por viajar al recuerdo, otrora viril y hoy condenado al olvido. He visto a María Eugenia Pérez, una nonagenaria que se consagró en 1923, tal vez la más Alagbás de todas las Alágbás vivas, engrasar su bendito cerebro y producir asombrosos recuerdos para mí. Adorables conversadores que me piden regresar para echar otra conversaita porque en un santiamén se han recuperado de la soledad y el aburrimiento. Gente humilde con necesidades materiales, pero con una fe en sus Orishas aleccionadora.

Nadie jamás me ha pedido un centavo por un conocimiento en forma de recuerdo. Ciertos investigadores, venidos de otras tierras con mayores recursos y bajo el amparo de famosas universidades, a cambio de información, pagan. Yo sólo puedo ofrecer honestidad mientras me inclino y les rindo moforibale. Mis viejos santeros, agradecidos, estrujan su orí para satisfacer mis lagunas.

Cualquier preconcebida hermeticidad cede porque ellos y sus recuerdos, saben bien, formarán parte de un destino vital: la memoria de la Regla de Ocha, de la Cultura cubana, de la Nación. Entonces, ante cada cortesía de sus memorias, me pregunto cómo podré recompensar tanto recuerdo.

En 1999 había terminado Culto a los Orishas, una serie audiovisual de veinte capítulos sobre la Regla de Ocha. Uno de mis productores, entusiasmado con el resultado, comienza a alentarme para realizar una segunda parte que involucraría a varios Orishas ausentes en la primera. Me puse a escribirla, pero bajo la premisa de una mayor implicación social del fenómeno religioso.

Dentro de uno de los nuevos capítulos concebí un modesto homenaje a la memoria de ilustres santeros sin los que hoy no se podría hablar de herencia lucumí, como decía mi abuela, —aunque hoy sabemos que se dice y es, yorubá.

Cuatro o cinco nombres de santeros imprescindibles se han convertido en cerca de quinientos. Una gran parte de estos, casi olvidados por ese costado resbaloso que también tiene la memoria y la oralidad.

Fecha de nacimiento y muerte, orisha asentado, padrinos, rama religiosa, aportes fundamentales, entre otros datos, reconstruyen el perfil de un grupo de fundadores llegados aquí como esclavos, hasta los primeros cubanos asentados en las últimas décadas del siglo XIX y las primeras del XX, sin detenerme hasta los consagrados en los años 70. Mi investigación se apoya fundamentalmente en la memoria y en la oralidad de los más viejos de la comunidad practicante y en los documentos escritos por los santeros.

Con emoción inenarrable he visto un documento de más de cien años que desmiente que la eximia Timotea Albear, más conocida por Latuá, llegó a Cuba en 1887 cuando se había acabado la esclavitud. Excepto su descendencia filiar, nadie más sabía que fue apresada en una expedición de esclavos en 1867. Por ser emancipada se le concedió la libertad en 1870, para luego ser una de las más inteligentes e ilustres Oriatesas que junto con Lorenzo Samá, conocido por Obbadimeyi (su nombre en la Ocha), contribuyó a modelar lo que hoy se conoce como Santería.

A semejanza de la tradición africana que le otorga a la mujer la responsabilidad por la crianza y la educación, pocos saben que en el siglo XIX las oriatesas fueron las mujeres lucumí, quienes llevaban el peso del conocimiento y la dirección en las consagraciones. A ellas le debemos todo.

Con la llegada del siglo XX, envejecidas las fundadoras y superada la desconfianza hacia los cubanos, cedieron el cetro a los primeros criollos y criollas; entre estos, el antes mencionado Lorenzo Samá, Genaro Gómez (Oshún Gumí), José Roche (Oshún Kayoddé) y Fernando Cantera (Changó Larí). Entre las mujeres, la primera que pudo haber ejercido tan importante responsabilidad, fue una mulata hija de Oshún llamada Guillermina Castell (Oshún Laibó). Luego le siguieron Josefina Aguirre (Oshún Guere) hasta Carmen Miró (Egüín Bi). En nuestros días son los hombres los que ocupan este cargo. Alguna vez habrá que encontrar la causa de por qué las mujeres abandonaron esa jerarquía.

¿Quiénes pudieron ser los primeros criollos asentados por los lucumí? ¿Quién llevó la Regla de Ocha al oriente del país, a Venezuela o a Europa? ¿Cuándo salen de Cuba por primera vez los batá? ¿Quiénes fueron algunas de las personas asentadas que vivieron más años? ¿Quiénes fueron, y son, las personalidades sociales, políticas, científicas y artísticas consagradas en la Regla de Ocha y que han dejado una huella insustituible dentro de la forja de nuestra identidad? ¿Cómo es que la Regla de Ocha comienza a devolverle la autoestima a cientos de personas marginadas de la sociedad cubana de los primeros veinticinco años de República en el pasado siglo XX? ¿Cuándo entra el blanco? Estas y muchas preguntas podrían quedar parcial, o totalmente esclarecidas.

Igualmente los hitos que recoge la historia nuestra y las diferentes recomendaciones que, según el oráculo de Ifá, ofrecieron las letras del año, vista esta como una de las maneras de la santería, uno de los cultos más democráticos que se practicaron y se practican en Cuba, donde tienen cabida los hombres y las mujeres sin distinción de raza, credo político e inclinación sexual, de implicarse socialmente con la realidad del país.

Cuando se estudian estos hitos se aprecia con claridad que el desarrollo científico y cultural no han sido negados por la Regla de Ocha, todo lo contrario, se ha enriquecido con los avances, de ahí uno de los esenciales secretos de su supervivencia en la era de la biotecnología y la cibernética.

En la Santería, los practicantes una vez consagrados, obtienen otro nombre en yorubá. Pero también esa especial manera de nuestro choteo hace que a no pocos santeros le sustituyan el nombre por un apodo. Rescatar los verdaderos nombres ha sido un trabajo complicado, lo mismo que organizar las casas de santo por ramas partiendo desde los fundadores; aquellas mujeres Lucumí a las que antes hice mención, a las que, dicho sea de paso, alguna vez la nación cubana deberá erigir un monumento de agradecimiento por lo que con sudor, desarraigo y sangre sembraron en esta tierra. Porque si bien hay que agradecer al África parte de lo que somos, África también agradece a Cuba, particularmente Nigeria, lo que hemos hecho por el sostenimiento de la cultura Yorubá, no sólo aquí, sino en el mundo.

Me ha sucedido que he llegado a una casa y la única persona capaz de darme un dato, o confirmarlo, recién ha fallecido, o por la avanzada edad ha perdido la capacidad de hablar, de recordar, de saber quién es. Triste, porque nunca más se sabrá algo importante, he deseado, idealmente, haber nacido antes para no llegar tarde. Reacciono y culpo a otros que no se preocuparon en recoger y escribir. Leo y releo a Fernando Ortiz, a Lidia Cabrera, a Rómulo Lachantañeré, a Teodoro Díaz Fabelo, a Natalia Bolívar, a Martínez Furé y a otros autores, que por cuestiones no superadas en sus épocas, ocultaron y protegieron a innumerables practicantes e informantes. Pero como estoy haciendo todo lo contrario, me consuela entender que tal vez antes fuera imposible.

Mi propósito también es recuperar la imagen de aquellos Alagbás. Lamentablemente, muchas fotos se han perdido, pero la mayoría, gracias a las técnicas de restauración digital se salvarán definitivamente. Otros viejos santeros permanecen anónimos dentro de un documental que nada tiene que ver con el asunto religioso u olvidados en las páginas de alguna prensa escrita, como el memorable artículo “Eshú Bi ha muerto”, publicado en Bohemia cuando falleció la gran santera, Josefa Herrera, jefa de uno de los dos Cabildos, (del otro lo era Susana Cantero) que estremecía de gozo y devoción a su querida Regla los 9 de septiembre.

En uno de esos artículos veo marchar delante, tímidas y solemnes, a La Virgen de Regla, La Caridad del Cobre, La Virgen de Las Mercedes y Santa Bárbara, que por primera vez y para siempre, en esta tierra cubana serán también Yemayá, Oshún, Obbatalá y Changó, pero que ahora, y muchas más, van secundadas, no por cánticos gregorianos, sino por los cantos nasales yorubas a golpe de los fabulosos tambores batá. Negros, blancos, chinos y mulatos bailan, sudan y repiten los coros anudados a un cordón invisible, de fuerza mayor: la identidad cubana.

0 Pepa, como le llamaban a aquella humilde hija de Elegguá, era inconsciente de su aporte, no sólo a la liturgia religiosa, si no a la identidad nacional, pues allí se refundaban límites aparentemente imposibles de mezclarse. Hoy tendría todo el derecho a ganarse algo parecido a la medalla por la Cultura Cubana.

Porque la Regla de Ocha, y creo que las otras religiones de origen africano, tienen la virtud de que mientras mayor es la implicación ritual y litúrgica, más rápido conquista y se derrama como componente cultural. No sólo Pepa, otros ilustres Olochas merecerían un reconocimiento, —social, sería mucho mejor— por haber contribuido, junto a la arista española, a que este archipiélago, de tan breve tiempo como nación, pueda ofrecer prontamente al mundo un universo religioso propio, auténtico y delineador de su rostro nacional.

Es de mi gusto que los santeros preserven su memoria. En la dimensión en que están, esos grandes Olochas no se merecen el anonimato. Humildes semillas fueron: colocarlos donde toca es justicia histórica posible.

Estas pesquisas van ensanchado mi autoestima como cubano y como apasionado defensor de este culto del que desde niño he sido testigo. Cuando alguna vez dé por terminadas estas búsquedas, espero que el resultado tenga un alto valor para mis compatriotas; sean practicantes, ateos, laicos, antropólogos, etnólogos o sencillos lectores ávidos de conocer.

Moforibale – por que honrar, honra
Reflexões de um realizador
Por Jorge Luis Sánchez
Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá
Interessante artigo sobre a investigação que leva a cabo cineasta cubano que busca as raízes da religião lukumí e seus progenitores em Cuba.
Reproduzido aqui do original que aparece na revista Internet Caimán Barbudo

A Olofi e a Martí

Tenho ido a muitas casas para recopilar dados e fotos. Agora o faço em melhores condições, mas, nos primeiros dois anos o fiz a pé, em guagua ou em bicicleta. O mesmo a Guanabacoa que a Párraga. Uma vez, sob o tremendo sol de agosto e com escasso alimento no estômago, questionei-me o sentido desta obsessão. Porém, reconforta saber que jamais alguém deixou de atender-me, mesmo quando, geralmente, chego sem prévio aviso.

Tenho visto lágrimas por viajar à recordação, outrora viril e hoje condenada ao olvido. Tenho visto a María Eugenia Pérez, una nonagenária que se consagrou em 1923, talvez a mais Alagbás de todas as Alágbás vivas, lubrificar seu bendito cérebro e produzir assombrosas lembranças para mim. Adoráveis conversadores que pedem que volte para ter outra conversaita (conversinha) porque num piscar de olhos se recuperaram da solidão e do tédio. Gente humilde com necessidades materiais, mas com uma fé exemplar em seus Orixás.

Ninguém jamais me pediu um centavo por um conhecimento em forma de lembrança. Certos investigadores, vindos de outras terras com maiores recursos e sob o amparo de famosas universidades, em troca de informação, pagam. Eu só posso oferecer honestidade enquanto me inclino e lhes rendo moforibale. Meus velhos santeros, agradecidos, espremem seu orí para satisfazer minhas lacunas.

Qualquer hermetismo pré-concebido cede, porque eles e suas lembranças, bem sabem, formarão parte de um destino vital: a memória da Regla de Ocha, da Cultura cubana, da Nação. Então, diante de cada cortesia de suas memórias, pergunto-me como poderei recompensar tanta recordação.

Em 1999 tinha terminado Culto a los Orishas, um seriado audiovisual de vinte capítulos sobre a Regla de Ocha. Um dos meus produtores, entusiasmado com o resultado, começou a alentar-me para realizar uma segunda parte que compreenderia vários Orishas ausentes na primeira. Comecei a escrevê-la, mas sob a premissa de uma maior implicação social do fenômeno religioso.

Dentro de um dos novos capítulos concebi uma modesta homenagem à memória de ilustres santeros, sem os que hoje não se poderia falar de herança lucumi, como dizia a minha avó, —ainda que hoje saibamos que se diz y é, ioruba.

Quatro ou cinco nomes de santeros imprescindíveis, têm-se convertido em cerca de quinhentos. Una grande parte destes, quase esquecidos por esse lado escorregadio que também têm a memória e a oralidade.

Data de nascimento e morte, orixá assentado, padrinhos, ramo religioso, aportes fundamentais, entre outros dados, reconstroem o perfil de um grupo de fundadores chegados aqui como escravos, até os primeiros cubanos assentados nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do XX, sem me deter até os consagrados nos anos 70. Mi investigação apóia-se fundamentalmente na memória e na oralidade dos mais velhos da comunidade praticante e nos documentos escritos pelos santeros.

Com emoção inenarrável tenho visto um documento de mais de cem anos que desmente que la exímia Timotea Albear, mais conhecida por Latuá, chegou a Cuba em 1867, quando a escravidão tinha acabado. Exceto sua descendência filial, ninguém mais sabia que foi aprisionada numa expedição de escravos em 1867. Por ser emancipada se lhe concedeu a liberdade em 1870, para logo ser uma das mais inteligentes e ilustres Oriatesas que junto a Lorenzo Samá, conhecido por Obbadimeyi (seu nome na Ocha), contribuiu para modelar o que hoje se conhece como Santería.

À semelhança da tradição africana que outorga à mulher a responsabilidade pela criação e a educação, poucos sabem que no século XIX as oriatesas foram mulheres lucumis que levaram o peso do conhecimento e a direção das consagrações. A elas devemos tudo.

Com a chegada do século XX, envelhecidas as fundadoras e superada a desconfiança pelos cubanos, cederam o cetro aos primeiros criollos e criollas; entre estes, o antes mencionado Lorenzo Samá, Genaro Gómez (Oshún Gumí), José Roche (Oshún Kayoddé) e Fernando Cantero (Changó Larí). Entre as mulheres, a primeira que pôde ter exercido tão importante responsabilidade, foi uma mulata filha de Oxum, chamada Guillermina Castell (Oshún Laibó). Logo lhe seguiram Josefina Aguirre (Oshún Guere) até Carmen Miró (Egüín Bi). Nos nossos dias, são os homens os que ocupam este cargo. Alguma vez haverá de se encontrar a causa de por quê as mulheres abandonaram essa hierarquia.

Quem puderam ser os primeiros criollos assentados pelos lucumis? Quem levou a Regla de Ocha ao oriente do país, à Venezuela ou à Europa? Quando saem de Cuba por primeira vez os batás? Quem foram algumas das pessoas assentadas que viveram mais anos? Quem foram e são as personalidades sociais, políticas, científicas e artísticas consagradas na Regla de Ocha que têm deixado uma marca insubstituível dentro da forja da nossa identidade? Como é que a Regla de Ocha começa a devolver a auto-estima a centos de pessoas marginadas da sociedade cubana dos primeiros vinte e cinco anos de República no passado século XX? Quando entra o branco? Estas e muitas perguntas poderiam ficar parcialmente, ou totalmente esclarecidas.

Igualmente, os fatos que recolhe nossa história e as diferentes recomendações que, segundo o oráculo de Ifá, ofereceram las letras del año, vista esta como uma das maneiras da santería, um dos cultos mais democráticos que se praticaram e se praticam em Cuba, onde têm cabida os homens e as mulheres sem distinção de raça, credo político e inclinação sexual, de se implicar socialmente com a realidade do país.

Quando se estudam estes fatos, se aprecia com claridade que o desenvolvimento científico e cultural não têm sido negados pela Regla de Ocha, tudo o contrário, tem se enriquecido com os avances, daí um dos essenciais segredos da sua sobrevivência na era da biotecnologia e da cibernética.

Na Santería, os praticantes uma vez consagrados, obtêm outro nome em ioruba. Porém, também essa especial maneira nossa de designar, faz com que a não poucos santeros lhe substituam o nome por um apelido. Resgatar os verdadeiros nomes tem sido um trabalho complicado, o mesmo que organizar as casas de santo por ramos, partindo desde os fundadores; aquelas mulheres Lucumis às que antes fiz menção, às que, diga-se de passo, alguma vez a nação cubana deverá erigir um monumento de agradecimento pelo o que com suor, desarraigo e sangue, semearam nesta terra. Porque, se bem há que se agradecer à África parte do que somos, África também agradece a Cuba, particularmente Nigéria, o que temos feito pela sustentação da cultura Ioruba, não só aqui, senão no mundo.

Tem sucedido que tenho chegado a uma casa e a única pessoa capaz de me dar um dado, ou confirmá-lo, recém tem falecido, ou pela idade avançada tem perdido a capacidade de falar, de recordar, de saber quem é. Triste, porque nunca mais se saberá algo importante, tenho desejado, idealmente, ter nascido antes para não chegar tarde. Reajo e culpo a outros que não se preocuparam em recolher e escrever. Leio e releio Fernando Ortiz, Lydia Cabrera, Rómulo Lachantañeré, Teodoro Díaz Fabelo, Natalia Bolívar, Martínez Furé e outros autores, que por questões não superadas em suas épocas, ocultaram e protegeram inumeráveis praticantes e informantes. Mas, como estou fazendo tudo o contrário, me consola entender que antes, talvez fosse impossível.

Meu propósito também é recuperar a imagem daqueles Alagbás. Lamentavelmente muitas fotos têm-se perdido, mas a maioria, graça às técnicas de restauração digital haverão de se salvar definitivamente. Outros velhos santeros permanecem anônimos dentro de um documentário que nada tem a ver com o assunto religioso ou esquecidos nas páginas de alguma prensa escrita, como o memorável artigo “Eshú Bi ha muerto”, publicado em Bohemia quando faleceu a grande santera, Josefa Herrera, chefe de um dos dois Cabildos, (do outro, o era Susana Cantero) que estremecia de gozo e devoção à sua querida Regla nos 9 de setembro.

Em um desses artigos vejo marchar à frente, tímidas e solenes, a Virgem de Regla, a La Caridad del Cobre, a Virgem de Las Mercedes e a Santa Bárbara, que por primeira vez e para sempre, nesta terra cubana serão também Yemayá, Oshún, Obbatalá e Changó, mas que agora, e muitas mais, vão secundadas, não por cânticos gregorianos, senão pelos cantos nasalados iorubas a golpe dos fabulosos tambores batás. Negros, brancos, chineses e mulatos dançam, suam e repetem os coros atados por nós a um cordão invisível, de força maior: a identidade cubana.

0 Pepa, como chamavam àquela humilde filha de Elegguá, era inconsciente do seu aporte, não só à liturgia religiosa, senão à identidade nacional, pois ali se re-fundavam limites aparentemente impossíveis de se misturar. Hoje teria todo o direito de ganhar algo parecido à medalha pela Cultura Cubana.

Porque a Regla de Ocha, e creio que as outras religiões de origem africana, tem a virtude de quanto maior for a implicação ritual e litúrgica, mais rápido conquista e se derrama como componente cultural. Não só Pepa, outros ilustres Olochas mereceriam um reconhecimento —social, seria muito melhor— por ter contribuído, junto à aresta espanhola, a que este arquipélago, de tão breve tempo como nação, possa oferecer prontamente ao mundo um universo religioso próprio, autêntico e delineador de seu rosto nacional.

É do meu agrado que os santeros preservem sua memória. Na dimensão em que estão, esses grandes Olochas não merecem o anonimato. Humildes sementes foram: coloca-los onde cabe é justiça histórica possível.

Estas pesquisas vão ampliando minha auto-estima como cubano e como apaixonado defensor deste culto do qual desde menino tenho sido testemunha. Quando alguma vez der por terminadas estas buscas, espero que o resultado tenha um alto valor para os meus compatriotas; sejam praticantes, ateus, laicos, antropólogos, etnólogos ou simples leitores ávidos de conhecer.

Peter Standring
National Geographic On Assignment
National Geographic Explorer’s Voodoo Photo Gallery

National Geographic on Assignment, spent two weeks criss-crossing the West African nations of Benin and Togo with Wade Davis, an anthropologist and National Geographic Society Explorer-In-Residence, and Chris Rainier, a National Geographic photographer and co-director of the Society’s Ethnosphere Project. Their quest: to explore the roots of the voodoo religion in the cradle of its origin.

There’s a small village called Zooti in southern Togo known for its fierce warriors, and their big, bold, bloody voodoo rituals. We’re told about the fearless tribesmen and decide to travel off the beaten path to see them for ourselves.

We understand that it will be like nothing we have ever witnessed—a bizarre marriage of religious fervor and ancient tradition. I’m not sure exactly what to expect, but I expect I’ll be amazed by whatever spectacle unfolds. Despite the sensational and frightening aspects of this ancient religion, we are going to try to make sense out of what we see.

Zooti is about a two-hour drive east of the Togolese capital, Lome. It’s fortunate we’re travelling in a big four-wheel-drive truck because we soon find ourselves off the highway and on unpaved dirt roads. We bump along past stretches of gorgeous tropical coastline and snake through acres of farmland. Goats and pigs scramble out of our way, seeking safety on the shoulder of the road. There are no signs to direct us to Zooti, but our driver Rafiou knows the way.

When the long, thin ribbon of reddish dirt ends, a cluster of mud homes topped with straw roofs appears. It is Zooti. Like many of the villages we’ve visited, Zooti has no electricity, no phone lines, no running water. The people here grow their own fruits and vegetables, fetch water from a community well, and raise their own livestock. The children who race out to greet us look healthy and happy and crowd around with a mix of excitement and fear. They scream when they catch sight of our big video camera. It is not often they have such strange looking visitors.

I’m introduced to a local man named Sowada Atto. He’s not sure of his exact age, but reckons it’s around 45. He has two wives and seven children. Keeping them all fed, he tells me, isn’t easy. So Sowada works two jobs, in the fields as a farmer and in the village as a mason. The money he makes from building homes and fixing walls helps him to buy seeds and hire farmhands. While he deals with life’s daily struggles, he finds comfort and strength in his religion and its traditions.

“When I have a need,” Sowada says, “I express it to the gods and the gods will help me, especially when I have a big problem. I call on the gods, and they answer my prayers.”

In this village, the gods are called on and prayers issued during special ceremonies. On this day a half dozen men sit together in the shade of a thick tree enthusiastically pounding their drums, beckoning their voodoo god Koku to arrive. A crowd quickly gathers in a circle around them in anticipation of the approaching divine event. We squeeze past the kids and secure “front row seats.”

The incessant beat intensifies, and suddenly, one by one, men leap up, shouting and spinning out of control. I see that Sowada is one of them. Collectively, they have become possessed by the spirit of Koku and, while in trance, will embody his strength and courage.

“When they are taken by the god,” Wade Davis explains, “they are no longer human. They are the god. It’s not magical, it’s very real. It shows you the power of belief!”

With eyes wide, and sweat pouring off them, the warriors dance and shout, stumbling into the crowd, and bowing down in front of the village elders. On their knees they also pay homage to Koku, represented by a gnarled chunk of wood placed in the dirt. The men carry strange metal knives and hold them up for all to see.

Then, as if heeding some unspoken cue, the warriors begin raking their weapons across their arms. Blood pours from their wounds. It is unbelievable, but I learn that it is designed to show the strength of their faith and the mightiness of their god.

Koku guarantees the men protection in battle and invincibility in combat. When the men of Zooti went to war, they wouldn’t be afraid. Even if they were wounded they wouldn’t feel any pain. Or so I’m told. Regardless, it is more than a little disturbing to watch these men intentionally cut themselves, and spill their own blood. But like voodoo itself, it is an ancient tradition, performed by these people for hundreds if not thousands of years.

Hours later, I meet up again with Sowada, who is once again calm and gentle and apparently no worse for his self-inflicted mauling. I try not to stare at the rows of deep scars running up and down his arms. He tries to explain.

“The rituals and my beliefs save me from evil spirits and protect me,” Sowada says, “and if I am to live a long time it will be because of my voodoo god.”

Looking at this easy-going, smiling man I can hardly believe he’s the same person I saw taking part in the frenetic ritual. But I guess that shows the depth and appeal of voodoo. Ordinary people do extraordinary things when they harness the strength and power of their convictions. Nowhere is that more apparent to me than in the tiny Togolese village of Zooti.

lajiribilla.cu

Tomás Fernández Robaina| La Habana

I

A modo de introducción: En el presente capítulo se analiza la valoración de las culturas y religiones africanas efectuadas por Juan René Betancourt, Gustavo Urrutia, y Fernando Ortiz, entre otros, con la finalidad de hallar semejanzas, diferencias y la vigencia de algunas de esas consideraciones. Para ello he rastreado fuentes documentográficas: periódicas, libros, folletos y realizado encuestas e investigaciones de terreno entre santeros, babalaos y aleyos para intentar precisar la africanidad o cubanidad de la santería, o al menos determinar los elementos característicos que la pueden calificar como un fenómeno eminentemente cubano. Con ese propósito arribamos a conclusiones que permitirán enjuiciar mis puntos de vista sobre este apasionante y debatible tema.

II

En 1955 Juan René Betancourt publicó su “Doctrina Negra”(1), el cual no es mencionado en la mayoría de los libros que estudian los movimientos sociales como tampoco aparece en los que tratan sobre la cultura y la historia del negro en Cuba(2).

En 1959 circuló su “El negro: ciudadano del futuro”(3) en donde consolida su pensamiento y señala la estrategia que debía seguirse para lograr el tan necesario desarrollo del sector de la población cubana más urgido de reivindicaciones sociales, políticas y culturales. En este título incluyó algunos artículos escritos en las primeras semanas de ese año; en ellos expresaba su apoyo a la Revolución triunfante; a la vez llamaba la atención sobre la necesidad de que el nuevo gobierno hiciera saber la posición que asumiría para combatir la discriminación y los prejuicios raciales(4).

La omisión de tales obras, tanto como de análisis de su pensamiento en los textos que han abordado el estudio de las relaciones raciales en Cuba, ha obedecido a su doctrina, clasificada de racista por Elías Entralgo(5) en el prólogo de la edición de 1959; También ha contribuido a este general desconocimiento de sus ideas, el haberse radicado en el extranjero y no haber continuado, aparentemente, con la misma intensidad que en la Isla, su lucha en pro de los derechos del negro(6).

III

Un caso similar, en cuanto al desconocimiento que existe acerca de su obra y pensamiento, lo tenemos con Gustavo Urrutia(1881-1958)(7), a pesar que El Poeta Nacional de Cuba, Nicolás Guillén (1902-1989?) declaró en cierta ocasión que él le debía mucho a Urrutia en cuanto a su formación y a la divulgación de su obra(8). Urrutia ejerció el periodismo por más de treinta años y fue el creador de la columna y de la página dominical “Ideales de una Raza” que apareció desde abril de 1928 hasta 1931(9); a partir de entonces continuó sus colaboraciones desde la columna “Armonías”, una de las secciones dominicales de los “Ideales de una raza”.

A diferencia de Betancourt, Urrutia no publicó un libro con sus ideas en los que expresaba sus conceptos para encauzar la lucha social del negro cubano. Solo se cuenta con los folletos: “Cuatro charlas radiofónicas”(10) (1935), “Puntos de Vista del Nuevo Negro”(11)(1937) y el” Problema Negro en Cuba”(1936?)(12), los cuales son una rareza bibliográfica. Después de su muerte, Gastón Baquero(13) comenzó a preparar la publicación de los escritos más importantes de Urrutia, pero el triunfo revolucionario, y la salida también del país de Baquero ocasionaron que Urrutia fuera olvidado, y apenas conocido entre los que se han interesado en la investigación de la historia del negro en Cuba. Pero a él sí se le cita en algunos textos, como los de: Rosalie Schwarz(14), Isabel y Jorge Castellano(15), entre otros, pero no se abordan sus ideas esenciales, sobre todo en cuanto al fenómeno de la cultura afrocubana, expresados de manera muy clara en sus “Cuatro Charlas Radiofónicas”, en donde señala que:

Y puesto que a la rama negra del pueblo de Cuba es a quien se le suele imputar insidiosamente un ancestro salvaje y bárbaro; y como es al afrocubano a quien se pretende abochornar, coaccionar, con supuestas herencias de inferioridad, con taras raciales denigrantes, por lo mismo, es al afrocubano a quien más perentoriamente le incumbe conocer a ciencia cierta, dar a conocer y explicar los valores religiosos, morales y artísticos de sus abuelos negros, que nada tienen que envidiar en moralidad ni en refinamiento espiritual a los de sus abuelos blancos, y que , por lo contrario, viene nutriendo muy generosamente la cultura blanca sin que el blanco se haya dignado a enterarse, reconocerlo y agradecerlo hasta fecha bien reciente y en los países más avanzados del mundo.(16)

Por supuesto, la posición de Urrutia hay que analizarla en el momento en el cual él la formula; entre la mayoría de los negros ilustrados prevalecía el criterio de que había que integrarse completamente en la sociedad cubana, y una de las condiciones para esa integración radicaba en aprehender, e interiorizar los códigos culturales y sociales impuestos por los colonizadores durante los siglos anteriores y heredados por la República nacida en 1902. El olvidarse de la herencia africana, enterrar el tambor, eran frases pronunciadas que reflejaban la actitud de determinados negros y mulatos que en su afán por avanzar dentro de las estructuras sociales de aquellos tiempos, habían decidido asumir tal posición para barrer los esquemas discriminatorios. Urrutia tiene a su favor el reconocer la herencia africana, su importancia y por eso dice:

Trabajamos para que la mayoría de los negros recobre su propia estimación. El afrocubano que vive sinceramente avergonzado de una herencia racial africana que, en realidad merece tanta consideración como la española, es más esclavo, más ignorante y más infeliz que sus progenitores africanos. …no puede considerarse perfectamente instruido el ciudadano de un país negroide que solo conoce la rama blanca de su pueblo (17).

Pero él consideraba que con el tiempo, y a medida que el negro avanzara culturalmente, las manifestaciones de la cultura tradicional africana y afrocubana se irían reduciendo poco a poco, conservadas como fenómenos puramente folklóricos de suma importancia. Por eso rebate la acusación de que hacía propaganda nociva del siguiente modo:

No fomentamos ni extirpamos el ñañiguismo y la santería africanos. Nos limitamos a presentarlos y explicarlos como fenómenos sociales y religiosos existentes entre nosotros, que no son denigrantes, sino morales, y que no se pueden desarraigar de nuestras costumbres y nuestros hábitos por decretos.

No hay ambiente para reanimar esas instituciones y esas ideas, pero queremos decir a los que todavía las practican, que no tienen por qué abochornarse de ellas. Y a los coloreados que no las conocen, les decimos que tampoco tienen de qué abochornarse, puesto que son instituciones tan cultas y morales como las de sus abuelos blancos. Solo que son distintas. (18)

Lo más importante para mí de la posición de Urrutia en este sentido es que plantea la relevancia de esa huella, de tanto valor, como la europea, y de la cual, todos los negros y cubanos en general debían sentirse orgullosos. Pero él no vio la dinámica, no vislumbró que lejos de disminuir, se sumaban cada vez más personas a las prácticas de esas creencias. Pero este hecho tampoco fue visto por Rómulo Lachatañeré (19), ni por el propio Fernando Ortiz(20) y otros que continuaron esta línea investigativa con la aparente convicción que a medida que todos los cubanos se superaran dentro de los esquemas de la enseñanza y educación eurocéntrica las nuevas generaciones se irían apartando de tales creencias, y que serían cultivadas solo por aquellos, blancos y negros, que seguirían apegados a esas tradiciones, los que irían disminuyendo paulatinamente.

En este punto radica una de las diferencias entre las actitudes de Urrutia y Betancourt. Quince años después de las cuatro charlas de Urrutia en defensa de la cultura afrocubana, Betancourt escribió sobre la cultura y la religión de origen africano, en su: “Doctrina Negra”:

“Los hombres de color conocen su religión tradicional muy superficialmente y sin razón se avergüenzan de ella, cuando la complejidad de su dogma, el sentimiento de su música y el lenguaje de sus símbolos y su mimetismo denotan que es el producto de un pueblo altamente cultivado y excepcionalmente dotado. En estos aspectos los griegos no superaron los lucumíes” (21)

IV

Justamente, el mérito indiscutible de Fernando Ortiz radica en haber llamado la atención sobre los valores de la cultura de origen africana, de su importancia en la historia y en la formación de algunas de las características de Cuba como nación. Como bien lo señala en su conferencia “Por la integración cubana de blancos y negros”(22) al expresar que:

Apenas regresé de mis años universitarios en el extranjero, me puse a escudriñar la vida cubana y enseguida me salió al paso el negro. Era natural que así fuera. Sin el negro Cuba no sería Cuba. No podía, pues, ser ignorado. Era preciso estudiar ese factor integrante de Cuba; pues nadie lo había estudiado y hasta parecía como si nadie lo quisiera estudiar. Para unos, ello no merecía la pena; para otros era evocar culpas inconfesadas y castigar la conciencia; cuando menos, el estudio del negro era tarea harto trabajosa, propicia a las burlas y no daba dinero. Había literatura abundante acerca de la esclavitud y de su abolición y mucha polémica en torno a ese trágico tema, pero embebida de odios, mitos, políticas, cálculos y romanticismos; había también algunos escritos de encomio acerca de Aponte1, de Manzano2, de Plácido 3, de Maceo4 y de otros hombres de color que habían logrado gran relieve nacional en las letras o en las luchas por la libertad; pero del negro como ser humano, de su espíritu, de su historia, de sus antepasados, de sus lenguajes, de sus artes, de sus valores positivos y de sus posibilidades sociales… nada. Hasta hablar en público del negro era cosa peligrosa, que solo podía hacerse a hurtadillas y con rebozo, como tratar de la sífilis o de un nefando pecado de familia. Hasta parecía que el mismo negro, especialmente el mulato, quería olvidarse de sí mismo y renegar de su raza, para no recordar sus martirios y frustraciones, como a veces el leproso oculta a todos la desgracia de sus lacerías. (22)

En esa misma conferencia, pronunciada en diciembre de 1942, Ortiz comentó las diferentes fases por las cuales había pasado esa integración, destacando entonces que dicha integración se hallaba en la fase en la cual ya el negro no se sentía avergonzado de su pasado histórico y cultural. Ortiz hacía una afirmación de modo muy absoluto, partiendo de la actitud intelectual de un muy reducido número de negros ilustrados, que compartían la postura de Gustavo Urrutia; no se tomaba en cuenta la política oficial existente en cuanto a la consideración de la herencia africana en nuestra cultura. En aquellos tiempos no se estudiaba la historia de África del mismo modo que la historia de Cuba, o de España. De la cultura africana o afrocubana nada aparecía en nuestros programas de enseñanza primaria y secundaria, aunque se estudiaba la civilización griega y romana.

V

Trece años después de las palabras de Fernando Ortiz Betancourt expresaba que:

Modernamente se está hablando mucho de “integración” y sería bueno plantearnos qué cosa se entiende por tal. Parece que la sola palabra todo lo explica: integración de integrar, formar parte o pasar a formar parte de algo. La idea no es mala en sí misma y daría magníficos resultados si se buscaran los puntos comunes, la identificación de intereses entre los dos núcleos que forman nuestra nacionalidad. Pero si en vez de esto se trata de disolver un núcleo en otro, haciéndole perder a aquel todos los aristas que le dieron su historia y su tradición; huyendo con espanto de todo lo negrista” hasta el punto de no atreverse a conmemorar solos sus muertos ni a honrar con dignidad a sus dioses, entonces no estamos en presencia de una integración, sino de un suicidio colectivo: de una raza que renuncia a ser para dejarle el campo a su antagonista.y esto es traición o cobardía. La ciencia está en armonizar cuanto haya de armonizable entre ambos grupos sin desfigurar a ninguno de ellos y menos hacerlo desaparecer.(23)

1. Evidentemente la actitud de Betancourt es totalmente en contra de la política de deculturación impuesta en Cuba durante tres siglos por el colonialismo español, política que sobrevivió, consciente o no con el advenimiento de la República en 1902.

Sus palabras son un alerta a la pretendida integración si la misma no tiene la finalidad de buscar:

“…los puntos comunes, la identificación de intereses entre los dos núcleos que forman nuestra nacionalidad.”(24)

Estimo muy conveniente recordar sus palabras, sobre todo en estos momentos en que tiene lugar un interesante debate, no solo en Cuba, sino también en el extranjero acerca de la africanización, más concretamente, de la yorubización de las religiones traídas al continente americano por los esclavos denominados anagós o lucumíes, nombres con los cuales fueron conocidos los procedentes de los territorios yorubás que en la actualidad integran parte de los Estados de Nigeria y de Benin, antiguo Dahomey.

Considero que Betancourt es el primer intelectual cubano y negro de la Cuba prerrevolucionaria que asume una posición consciente y de plena identificación con las culturas traídas por los bisabuelos y abuelos africanos. Él expresó ideas que parecen escritas en el presente, pues dijo en su ya citada “Doctrina negra”.

“En el trasplante la religión ha perdido, convirtiéndose en lo que llaman santería, donde una serie de divinidades católicas tratan en vano de representar los primitivos orichas de la africanía, pero de todos modos, aunque adulterada y desfigurada, algo se conserva de las sagradas tradiciones negras, y algo es algo, que mucho peor sería nada.(25)

En este punto parece que Betancourt no vio o no conocía que ese sincretismo, en cierta medida, operaba solamente a un nivel muy superficial, epidérmico. Además, la distancia, el tiempo contribuyeron a cambios en las tradiciones, en los rituales, no obstante, se tratara de realizarse dentro de una ortodoxia y de un respeto a la tradición de las formas como eran ejecutadas en los primeros tiempos.

Es necesario subrayar algunas consideraciones para una mejor comprensión del llamado fenómeno del sincretismo afrorreligioso. La denominación de los santos africanos, de los orishas, no se operó como parte de una política de deculturación planificada, aunque algunos puedan considerarla, independientemente de este hecho, como uno de sus resultados. Más bien, en mi opinión, formó parte de una respuesta espontánea, popular, por parte de los primeros africanos que se enfrentaron a ese fenómeno, para preservar sus creencias; fue, en buena medida, el surgimiento de la doble moral, de la que era impuesta por la fuerza del conquistador, del colonizador, y de la que aparentemente asumía el conquistado, el colonizado, como un modo de salvar, preservar y continuar adorando a sus orishas detrás de las imágenes de los santos y vírgenes católicos.

Los que defienden las posiciones ortodoxas, de una pureza total, no se percatan que con el tiempo, y al no estar las prácticas religiosas de los africanos en contacto directo con las fuentes nutricias originales, no obstante, los buenos deseos, y el mantenerse en la liturgia de iniciación de la Regla de Ocha la lengua yoruba, esta tuvo que sufrir cambios fonéticos, entre otros posibles, como en los materiales, donde no siempre podían usarse las mismas yerbas que se empleaban en África. El tiempo y la expansión de la santería, primeramente entre los sectores de los esclavos y los negros libres apegados a estas tradiciones, sobre todo, entre los negros criollos, pudo haber ocasionado el identificar como uno solo al santo católico y al orisha. Este fenómeno se palpa en la actualidad, aún entre babalochas e iyalochas, que intelectualmente saben que no existe conexión entre uno y otro, pero que en determinados rituales y miradas, consultas de adivinación, se refieren a los orishas como la virgen de la Caridad, de Regla, Santa Bárbara, San Lázaro, entre otros.

VI

En 1992, durante el primer Taller Internacional Sobre los Problemas de la Cultura Yoruba en Cuba (26) el cual fue patrocinado por la Asociación de la Cultural Yoruba de Cuba y la Academia de Ciencias de Cuba, se plantearon ideas que desde hacía mucho se venían discutiendo entre algunos santeros, entre los babalaos y entre santeros y babalaos, acerca de la conveniencia de lograr cierto consenso con la finalidad de intentar una practica religiosa más uniforme, al menos en aquello rituales en los cuales su implantación no lesionaba las formas ritualísticas peculiares de cada casa de santo. Con ese objetivo se informó que habría una reunión especial de los santeros y babalaos con el propósito de debatirse esas cuestiones, pero dicha reunión no se dio, al menos no se informó a todos los santeros y babalaos de su celebración. Sin embargo, algunas de esas ideas se dieron como resoluciones que el Taller sugería debían aplicarse por los babalaos, iyalochas y babalochas. Entre ellas estaban: a) no denominar a los orishas con los nombres de los santos católicos. b) tratar de usar los nombres de babalochas e iyalochas en lugar de santeros o santeras c) no referirse a la religión con el término de santería, sino de. Regla de Ocha. d) mantener la tradición de que todo iniciado debe dar un tambor de reglamento al orisha del padrino para poder tocar después en su propia casa.

Los comentarios fueron muchos, a nivel de pasillo, acerca de las incidencias del congreso, de la asistencia de los religiosos cubanos y extranjeros, de los resultados y de los trabajos presentados. Realmente el Taller tuvo un saldo, para mí altamente, positivo, pues por primera vez profesionales blancos y negros, mayoritariamente babalaos y santeros, se reunían para hablar sobre la santería y se presentaban como tales en el evento, independientemente de sus títulos universitarios, de los cuales hicieron gala aquellos que los mencionaron.

¿Fueron esas resoluciones o sugerencias las más importantes o las que debieron hacerse? Las respuestas pueden abordarse desde diferentes perspectivas, dando como resultado diversos debates, acerca de lo que se dijo, de lo que no se dijo, de lo que debió decirse, pero lo que afloró en ese primer taller fue la existencia de una tendencia, posible movimiento entre nosotros, de un fenómeno, que desde hace ya años se viene operando en los Estados Unidos y en otros países de América y del Caribe en cuanto a la africanización no solo de la santería, sino de aquellas religiones traídas por los africanos y que en virtud de las nuevas condiciones sociales, económicas, geográficas, lingüísticas y culturales impuestas a los esclavos sufrieron reformas, adaptaciones, para poder perdurar y sobrevivir bajo los nuevos contextos a que el sistema esclavista sumió a los africanos y a sus descendientes, independiente de la condición de esclavo o negro libre.

Me parece lógico, que en virtud de la expansión de las religiones africanas, y del contacto de los babalochas, iyalochas y babalaos con algunos de sus homólogos en África, exista cierto interés entre ellos por rescatar cierta pureza, cierta ortodoxia, en la manera de efectuarse determinados rituales; por supuesto, dicha pureza posee un valor relativo, pues ni en África ni en las Américas las religiones africanas se mantuvieron estáticas; también fueron influenciadas por la condiciones materiales y espirituales de las sociedades a las cuales sus practicantes, fueron forzados a vivir.

Por esas razones no estoy muy convencido de la afirmación de mi amiga y colega, la profesora Lázara Menéndez en su artículo “¿Un cake para Obatala!?(27), cuando en una de sus partes afirma:

“El discurso de la yorubización de la santería se inscribe en lo que un segmento reducido de esta población opina que debiera hacerse, porque lo que ellos creen que en realidad se hace es favorecer la distorsión y con ella el descrédito del ejercicio santero.

Obviamente el anterior criterio se produce como una respuesta ante las invenciones y modificaciones que han sido creadas por personas pocas escrupulosas, quienes por lucrar, han llevado las practicas y rituales de la santería a unos niveles de comercialización sorprendentes. Algunos creyentes o religiosos han considerado la búsqueda de una ortodoxia, como una forma de salir al paso de dicha tendencia, de detenerla. Por supuesto, esa actitud provoca una muy variada y múltiple reacción asumida por babalochas, iyalochas y babalaos. Ante tantas irregularidades, ¿qué es lo más correcto? ¿Volver a una supuesta práctica ortodoxa africana, o retomar las formas autóctonas surgidas en Cuba como consecuencias de los cambios lógicos que toda religión o cultura sufre al ser trasplantadas de sus fuentes originales? Por otra parte es casi imposible que algunos de sus practicantes no se sientan atraídos por el rescate de ciertos rituales, de orishas, de valores que se perdieron en Cuba y se mantuvieron en otras regiones; fenómeno este que se palpa también en otros países caribeños y de América y que motiva la llegada a Cuba de religiosos deseosos de estudiar y de rescatar los rituales y los orishas que no llegaron a ellos, e incluso en el caso contrario, con el fin de comparar y analizar las formas divergentes y convergentes de manifestarse tales rituales.

Más adelante señala:

“El énfasis en el eje africano, por encima de los rasgos que cualifican el fenómeno como cubano, tiende a agudizar el distanciamiento, desde la perspectiva sociocultural con el universo santero, a entorpecer la asunción intelectual de dicho fenómeno más allá de las relaciones modales y volitivas que individualmente se establezcan con él, y a dificultar su reconocimiento como expresión cultural autónoma, bien diferenciada de sus antecedentes y de otras prácticas contemporáneas a ella. (28)

Me parece muy interesante la asunción de la santería como un fenómeno religioso eminentemente cubano ¿no podría decirse lo mismo del candomblé, entre muchas otras manifestaciones religiosas de origen africano? Es innegable que todas estas influencias, todo este tomar y dar elementos materiales y espirituales de diferentes culturas han producido nuevos fenómenos, no podría decirse esto del vodú y de la umbanda(29) en particular, no se ha expresado de manera(30) muy clara por Jesús Fuentes los aportes cubanos en la creación de deidades en la Regla de Palo, no se manifiestan estas incorporaciones también en el candomblé(31), entre otras expresiones religiosas de origen africano. Del mismo modo que tenemos que aceptar como hechos objetivos esas realidades, tenemos que apreciar en igual medida la posibilidad del surgimiento de tendencias ortodoxas; calificables de fundamentalistas por las ideas que propugnan, similar a la forma de manifestarse estas tendencias en otras religiones. Características de ese fenómeno entre otras creencias. No es menos cierto que este hecho puede ser manipulado con intenciones extrarreligiosas, pero no podemos considerarla como la verdadera causa que origina esa posición; es más bien un objetivo superpuesto, una manipulación, sin duda alguna de un fenómeno que se proyecta y tiene lugar no solo en Cuba(32). Por eso considero que se debe ser muy cauteloso a la hora de analizar y estudiar dichas manifestaciones para no caer en errores que sí podrían acarrear tristes experiencias.

VII

Ya se ha visto las posiciones de Urrutia ante la existencia y valoración de la herencia africana en la cultura y la historia de Cuba; Juan René Betancourt, aparentemente con una posición más intuitiva y empírica, que la asumida como el resultado de un análisis de fuentes documentográficas o testimoniales señaló en la década del cincuenta una actitud, sin duda alguna ortodoxa, que bien puede ser considerado como un antecedente, de la actual tendencia promovida por la Sociedad Cultural Yoruba. Pero no es solo esta sociedad la que promueve esta línea de acción ritual; otros grupos(33), que no siempre aceptan la autoridad de dicha sociedad, asumen posiciones similares o diferentes; las divergencias se basan en regresar a una ortoxia, o pureza al viejo estilo cubano o a introducir variantes no conocidas o no practicadas ampliamente en Cuba; una de las características esenciales, si no es realmente la fundamental, radica en el papel y relevancia de los babalaos; en los intentos de recuperar viejas practicas y rituales que por muy diversas razones los babalaos dejaron de hacer y fueron asumidas por los santeros. No cuesta mucho adivinar que detrás de estas contradicciones, se perfila una lucha por el poder, por el intento de controlar las actividades religiosas por parte de los babalaos o de los santeros, incentivadas estas contradicciones por las causas de origen económicos que se han acentuado y que están indisolublemente unidas al poder o control que se quiere ejercer de las actividades de la santería o Regla de Ocha.

No es difícil pensar en la probabilidad que este fenómeno o alguno similar también aflore en la Regla de Palo y en otras religiones afrocubanas, pero no se hace tan visible por no ser las tensiones tan fuertes como ocurre en la Regla de Ocha.

Segunda parte

VIII

Teniendo presente el ya debatido asunto de la yorubización de la santería, me enfrasqué en la realización de una encuesta encaminada a precisar la cubanía o africanía de la santería mediante entrevistas a babalochas, iyalochas, babalaos y aleyos. (ver nota no.(40)) Para mi empeño seleccioné una muestra de cien personas, aunque en realidad, entrevisté o hablé con muchos más. Estuve en contactos con ellos, asistiendo a fiestas de diferentes clases, por más de un año, desde abril de 1995 hasta mayo de 1996, cuando comencé a procesar la información.

La muestra se divide en: 50 santeros, 30 babalaos, y 20 aleyos, pero creyentes en la santería. De ellos 64 eran hombres y 36 mujeres. De los treinta babalaos 16 aparecen comprendidos entre los 40 y 60 años de edad; el resto están entre los 20 y l0as 39 años. De ellos seis habían sido iniciados antes de 1959; el resto se inició entre los sesenta y los noventa. Se observa un incremento gradual a partir de la década del setenta, con seis, nueve en la del ochenta y siete en la del noventa que aún no ha concluido. Desde el punto vista racial se observa un cierto equilibrio en la muestra escogida, pues hay 11 negros, 9 blancos y 10 mulatos.

De los cincuenta santeros, 11 habían sido consagrados antes de 1959, siendo el mayor uno consagrado en l943; de los restantes, 6 habían sido coronados en los sesenta, 15 en la del setenta, 9 en la del ochenta y 9 también en la del noventa, aún no finalizada. 1969 y la década del setenta; 6 en la del ochenta y los demás en la década de los noventa. Por las edades, 13 tenían más de sesenta años de edad, 10 estaban entre los 40 y los 59 y 27 entre los 20 y los 39. Desde el punto de vista racial la muestra refleja cierta similitud entre las cantidades de negros y blancos, no así la cantidad de los mulatos que aparece con la mitad de la cifra de los blancos e inferior en 3 unidades a la mitad del total de los negros.

De los veinte aleyos 11 eran hombres y 9 mujeres; de ellos 18 presentaban edades entre 20 y 39; solo dos tenían más de 40 años. Racialmente la mayoría eran negros, 9 estando bastante equilibrada la representatividad de la muestra entre blancos y mulatos, 5 y 6, respectivamente. Llama la atención que el acercamiento a la santería en ellos se produce de manera gradual desde finales de la década del setenta, observándose un aumento en la del noventa. Es conveniente señalar la ausencia de niños y de jóvenes menores de 20 años. No fue que se hubiera programado su omisión, sino que se piensa escribir un estudio específicamente sobre la iniciación de los menores de edad en la santería, como un fenómeno que se hace cada vez más visible en el presente, pero que siempre se mantuvo durante todos estos años, no obstante las prohibiciones legales de iniciar a los muchachos en estos cultos.

La interrogante sobre la manifestación de elementos católicos en los rituales de iniciación, de preparación de los omieros, entre otros, obtuvo una respuesta unánime entre santeros y babalaos: todo el ritual se hace mayoritariamente en lengua en sus aspectos fundamentales; en ninguna coronación se hacen las evocaciones nombrando los nombres de los santos católicos sincretizados con los de los orishas. Tampoco dijeron observar características que les hicieran pensar que estaban en ceremonias religiosas no africanas.

Ante la conveniencia de llamar a los orishas solo por sus nombres africanos, hubo una mayoría entre santeros y babalaos que coincidieron que eso era lo más deseable (100% de los babalaos, 95% de los santeros, 75% de los aleyos); un buen número de ellos plantearon que no sería una tarea fácil la de convencer a los creyentes para que no designen a los orishas con otros nombres que no sean los africanos, pues estaba muy enraizado en la mente popular ese uso, e incluso, babalochas que sabían perfectamente que nada había de sincretismo en las esencias de la santería, se referían a los orishas con los otros nombres; algunos subrayaron la necesidad de precisar, que aunque los santeros muy frecuentemente utilizaban los nombre católico, se iba a la iglesia y se hacían altares con las imágenes del santoral romano, lo que prevalecía en la mente de los babalochas no era tanto las virtudes de las deidades católicas sino las de los orishas.

En cuanto a la costumbre de llevar a los iyawós a la iglesia más del 80% reconoció que era una muestra de la imposición de códigos de la sociedad durante la colonia, donde todos los practicantes de las religiones afrocubanas tenían que asistir a misa. Algunos expresaron que por primera vez pensaban en ese acto, que en realidad nada tenia que ver con la Ocha. Hubo criterios acerca de lo difícil de erradicar esa costumbre, como otras ya mencionadas; también se manifestó que este acto era uno de los que podría erradicarse más fácilmente.

Todos estuvieron de acuerdo en que era correcto que se diera a conocer estas peculiaridades de la santería, porque con ellas no se estaban divulgando ningún secreto, sino por el contrario, se elevaba también el conocimiento de los creyentes de la Regla de Ocha y el de todos los interesados en el estudio de las religiones de origen africano.

Donde hubo reacciones diferentes fue en cuanto a la forma tradicional de iniciación. No cabe duda que, en Cuba, la pretendida tierra de los orishas en el Nuevo Mundo, se operó un cambio fundamental, no en la esencia del ritual de la coronación, pero sí en cuanto al número de orishas que se entregan conjuntamente con el asentamiento del orisha principal. En este sentido, el candomblé está más cerca de la forma africana que la santería, porque sólo acompañan al principal, aquellos que según la tradición deben recibirse.

Por supuesto, lo anterior no significa que siempre haya sido así en Cuba; realmente han coexistido estas dos formas, pero la más arcaica, la más tradicional no gozó de la popularidad y de la expansión del modo o estilo cubano. Los santeros y babalaos mayores dijeron conocer casas en La Habana y en Matanzas donde los santos se hacían de esa manera; otros solo conocían de tales casas por referencias. Se mencionó la existencia de un babalocha que argumentaba que sólo un orisha podía ser coronado y presentado a la cabeza, al ori de cada individuo. Cuando se trató de precisar detalles de este ritual, nada más que se obtuvieron palabras evasivas. De nada valió explicar que había libros que enseñaban o describían como era que se hacía un santo. Ante esta fundamentación alegaban: bien, utilízalo en tu investigación.

Acerca de las críticas que se hacían a los que en Cuba se estaban iniciando únicamente con “pata y cabeza” el 80% de los santeros, incluyendo a los babalaos dijeron que había que precisar cuándo se hacía “pata y cabeza” por razones económicas, o por la urgencia del iniciado en coronarse ante una situación crítica de salud o de otra índole. En este caso el iyawó está obligado a entrar los otros orishas sacrificando las aves, “animales de pluma”, como se dice comúnmente, pero una vez que su situación mejore desde el punto de vista financiero, debe pagar la deuda contraída, es decir sacrificar los animales reglamentarios de los orishas recibidos. Todos coincidieron que no era una práctica muy usual; parece que este fenómeno se hizo algo más visible, como consecuencia de la crisis económica que sufrió el país y que llevó a algunos santeros a buscar fórmulas para que la iniciación no fuera tan costosa, sobre todo para los que no tenían suficientes recursos monetarios para sufragar todos los gastos. Una de estas medidas consistió en hacer más de una iniciación, pues de este modo, aunque hay que entrar con los animales reglamentarios para cada iniciado, los costos de la comida se reducen considerablemente.

La otra “pata y cabeza”, la preconizaba por los que desean volver a las formas más antiguas de la religión recibieron los siguientes calificativos: es una “invención de los babalaos”, “no conozco a nadie que se haya iniciado de esa forma”, hay que ir a Matanzas para encontrar santeros iniciados de esa manera”, si en Brasil se hace así, bien para los brasileños, pero nosotros tenemos una forma distinta”, “hasta ahora la santería ha funcionado así, ¿por qué cambiar?”

En este punto, todos se mostraron muy cautelosos, para no dar detalles del ritual de la coronación, del sacrificio de los animales para cada orisha, pero sí dijeron que la cantidad de orisha a recibir dependía de la tradición de la casa. Aquí citaron ejemplos, de casas donde al hacerse Changó se entrega también a Oyá, o en otras en las cuales al coronarse a un iniciado con uno de los orichas conocidos como los guerreros: Ogún, Eleguá y Ochosi, deben recibirse con animales de cuatro patas a los otros.

El 80% de los santeros y de los aleyos (50+20=70×80=56) consideraron que la causa general de esas reformas, de la tendencia general de volver a las formas antiguas, más ortodoxas, se debía al interés de los babalaos por tener una posición de mayor poder y control sobre los creyentes; por desear recuperar el espacio que por muy diversas razones habían dejado de hacer, como matar los animales. El 20% se mostró cauteloso. Algunos hicieron referencias a que en tiempos muy antiguos los hijos de Ogún podían hacer la matanza.

IX

Todos opinaron que este fenómeno se había hecho más evidente algunos años después del éxodo de cientos de santeros y babalaos por el Mariel; sobre todo en la Isla con la llegada de muchos de ellos acompañados de sus ahijados quienes contaron sus experiencias y el contacto directo con otros babalochas e iyalochas, cubanos, estadounidenses, y africanos. Algunos afirmaron de manera muy generalizada que por ese medio fue que los babalaos comenzaron a ser más populares; sobre todo por venir extranjeros a hacerse santos o a iniciarse en Ifá, tanto como recibir santos que no suelen ser muy conocidos en los Estados Unidos. La mayoría de los que han venido a Cuba, a La Habana, y Matanzas por los anteriores motivos, practican la santería al estilo cubano. El conocer formas más apegadas a la religión yoruba que se cultivan en tierras africanas, provocó la aparición de interrogantes en muchos de los babalochas, iyalochas y babalaos, que determinaron actitudes como la del Oba Oesijeman Adefunmi I , que fundó el pueblo yoruba Oyontunji, en Carolina de Sur, EE.UU.(34)…

Este redescubrimiento, o búsqueda de la africanidad de las religiones afrolatinoamericanas, particularmente de la santería, ganó un buen espacio en los Estados Unidos y en otros países , como un afán e interés por conocer más profundamente la religión y tratar de profesarla de la forma más pura u ortodoxa, tanto como ampliar y adquirir el conocimiento sobre determinados rituales y otros que fueron practicados, pero que se perdieron por no haberse transmitido la forma de hacerlo, así como los especificidades o peculiares de algunos orishas que fueron traídos pero que no fueron muy cultivados y al morirse los que dominaban ese conocimiento, se perdió el contacto ritualístico con ellos. Ejemplos de lo expresado los tenemos con Yewá, Olokun, Agayú, entre otros, que en algunas partes se reciben, en otras se hacen directamente, de forma principal en el primer caso por no haberse divulgado entre los propios santeros las formas de hacerlos, mientras que en algunas regiones donde la religión yorubá se asentó ocurrió el mismo proceso, pero conservándose algunos orishas de los que no llegaron a otros territorios, o haciéndose más populares cultos que no alcanzaron ese nivel en Cuba. En el caso específico de Cuba, de acuerdo con algunos de nuestros testimoniantes, hay muchos nombres de santos que se mencionan en las letras u odun a través de los cuales hablan los orishas y que no se sabe cómo recibirlos. Observándose, en este sentido una tendencia que parece nueva entre nosotros, y por supuesto, dentro de esta línea de búsqueda, no tanto de una ortoxia, porque me parece imposible que todos esos cultos se hayan mantenido inalterables un ciento por ciento, pero sí de un completamiento, de una profundización y ampliación del potencial cognoscitivo de la religión yorubá, santería o Regla de Ocha.

Este último aspecto tiene una singular relevancia para la praxis de la santería en Cuba y que está reñida con lo que parece ser una característica propia de la religión de origen yorubá: su dialéctica interna, su estrategia de lucha, sin duda alguna dictada por la necesidad de sobrevivencia.

Ayer, en el pasado horrendo, monstruoso que significó la esclavitud, la religión se cultivó de manera clandestina, secreta; al hacerse pública, se adaptó a las exigencias de las culturas eurocéntricas de las metrópolis y ha luchado de forma ejemplificante contra los intentos de los que han pretendido destruirla con medidas represivas judiciales o educativas como partes de la política de deculturación impuesta a los africanos en todos los territorios de nuestro continente donde fueron forzados a vivir.

Por eso me parece oportuno llamar la atención sobre el hecho de considerar a la santería como una religión eminentemente cubana, divorciada y ajena a la propia dialéctica que la ha hecho sobrevivir hasta el presente.

Los elementos africanos son los predominantes en el culto, en los rituales básicos: cantos, evocaciones, coronación, entre otros. Lo no africano puede definirse como el idioma que se utiliza entre los creyentes para su comunicación social y con los orishas mediante la interpretación del dilogún, del ekuele o del coco. No africanos son también los receptáculos donde viven los orishas(35), algunos de sus símbolos, o los sitios donde se le suele guardar, como el canastillero. Creo más justo hablar de la santería como religión afrocubana, que como religión puramente africana o cubana, pues no hay duda que en ella están presentes elementos de ambas, probablemente una en mayor numero que otra, pero no exenta la primera de influencias no solo debido a los contextos materiales en los cuales tuvo que sobrevivir, sino por las influencias, débiles o fuertes, de otras culturas africanas asentadas también en Cuba.

X

Fernando Ortiz, Lidia Cabrera, Rómulo Lachatañeré, Gustavo Urrutia fueron los que primero abrieron el camino intelectual para la comprensión y valoración objetiva de la importancia de los africanos y de sus descendientes en la formación de nuestra nación, de nuestra historia, de nuestra cultura, señalando los aportes históricos, musicales, danzarios y religiosos de las diferentes culturas africanas existentes entre nosotros. No importa que la mayoría de ellos asumieran esa valoración con una perspectiva prejuiciada y la consideración generalizada que a medida que el negro cubano se educara, se iría apartando de esas manifestaciones, relevantes en cuanto a que habían contribuido a nuestra formación, y que, por lo tanto, había que estudiarlas como fenómenos folklóricos, para mantener vivo el recuerdo de algo que con el tiempo desaparecería, de lo cual todos, pero en particular los negros, debían sentirse orgulloso.

Juan René Betancourt, Walterio Carbonell y Carlos Moore, entre otros, abordaron la defensa de la cultura y de los derechos sociales y políticos de los negros desde otras perspectivas, posiciones, y en momentos históricos diferentes. La asunción de una conciencia negra, de la identificación primaria con el fenómeno racial no se había proyectado objetivamente en forma de programa o doctrina y menos aun asumiendo de manera desenfadada la existencia y los valores de una cultura negra o afrocubanas, que a pesar de todos los esfuerzos de Fernando Ortiz, Lidia Cabrera, Rómulo Lachatañeré, y de Gustavo Urrutia seguían negadas por la cultura eurocéntrica dominante en la Isla, la cual era asumida también por los negros asimilados total o parcialmente por esa cultura. Por ello es tan importante el estudio objetivo de los textos de Juan René Betancourt: Doctrina Negra, EL Negro Ciudadano del Futuro y el de Carbonell, su interesante: “Crítica: como surgió la cultura nacional”.

A la vez, hay que ir al estudio de nuestra historia afrocubana libre de paternalismo, pero si reconociendo de modo objetivo el papel y la contribución de los negros a nuestra historia y a la lucha social, desde las propias filas del movimiento negro o desde los otros movimientos en los cuales tuvieron un lugar destacado de forma colectiva o de manera individual; empezando ese estudio e historia desde el cimarronaje, los apalencamientos, las sublevaciones y conspiraciones de los negros libres y esclavos contra el sistema colonial. Hay que explicar diáfanamente como el sentido de pertenencia a un país, a una nación, fue un proceso mucho más complejo entre los negros que entre la población blanca. No puede pasarse por alto que para los negros, el blanco, criollo o español, era el amo, el poseedor de las riquezas más importantes del país, y quienes frenaban el desarrollo de los negros libres mediante las leyes y estructuras coloniales. Eso explica la incorporación de los esclavos a las guerras sostenidas en Cuba desde las filas mambisas como entre las españolas, atraídos por el deseo y la posibilidad de emanciparse, de acuerdo con las promesas de los bandos beligerantes.

Por supuesto lo anterior no niega la existencia de un sentimiento patriótico, nacionalista, entre algunos negros libres, como los que integraban la familia Maceo y Grajales, entre muchas más, y el papel de las gestas mambisas: La Guerra de los Diez Años, la Guerra Chiquita, y la Guerra de Independencia de 1895. Pero como bien dice Betancourt:

“Negarle toda eficacia a las guerras independentistas en su aspecto reivindicador de los negros es un error tan grande como concederle más de la debida.” (36)

Sin embargo, de la aparentemente sorda, pero pertinaz y perdurable resistencia de los negros que no se plegaron totalmente a la política de deculturación muy poco se ha escrito, no solo descriptivamente, sin que se subraye el hecho del modo debido, que gracias a ellos, en Cuba y en Brasil, principalmente, hoy las versiones o adaptaciones de las originales religiones africanas, en particular, las de origen yorubá, son una fuerza dinámica de las sociedades en donde ellas han sido preservadas. La defensa de esas culturas, por parte de los negros ilustrados, aculturados, no la vamos a encontrar en la colonia; y en la república, Gustavo Urrutia es el primer negro que aborda la cultura de origen africano de forma excepcional, como ya hemos visto en las citas de su pensamiento y acción divulgativa en este sentido. Son varias las referencias acerca de los enjuiciamientos de los negros deculturados, asimilados a la cultura del colonizador, los que de acuerdo con la valoración que Fran Fanon(37) hacía de ellos, no eran otra cosa que negros alienados de su propia cultural. Recordemos el debate que se produjo a favor y en contra en 1937, cuando se planteó la posibilidad de autorizar el desfile en los paseos carnavalescos de La Habana de las tradicionales comparsas. En consideración de algunas sociedades negras, porque era algo denigrante para la raza de color(38). Algo similar provocó, muchos años antes, la salida de:

Vergonzante caravana que hacía sonar por todos los lugares, los malditos y punibles tambores que tanto desdicen de la cultura y de la moral de este nación(39).

XI

Por todo lo expresado considero que se debe tomar una posición más objetiva, desapasionada; ver los fenómenos, sin dejar de ser creyentes, sin dejar de ser científicos, sin dejar de ser cubanos, negros, blancos o mulatos.

La yorubización o africanización de la santería es un fenómeno lógico. Coherente con ese movimiento que ocurre en otros países y al cual los santeros y babalaos cubanos no pueden estar de espalda. Es necesario destacar como este fenómeno alcanza proporciones sorprendente después de la diáspora de la santería cubana, porque esta es la que llega a países donde esa religión y otras de origen también afrocubanas no eran conocidas. Este hecho hizo considerar a Cuba como la tierra de los orishas, y convertirse el venir a Cuba, entrar en contacto con nuestros ancestros, en algo muy importante. En cierta medida el ir a África y a Brasil o a cualquier otro sitio donde la religión yoruba ha sobrevivido con diferentes nombres, con la finalidad de buscar lo común, y lo que por razones muy concretas, algunas ya explicadas, fueron olvidadas, o no se reprodujeron en todas las regiones, se ha convertido en casi una obsesión, entre los que buscan revivir la religión de la forma idílicamente considerada o pura, sin percatarse que la huella del tiempo es inalterable, y aún más en esta clase de procesos religiosos, culturales e ideológicos cultivados por hombres y mujeres que fueron sometidos a una despiadada política de deculturación. La lucha en contra de ella, por lograr sobrevivir y mantener sus culturas tradicionales, los llevó a ciertas concesiones, a pérdidas de costumbres, o readaptación de ellas, teniendo en cuenta los nuevos contextos impuestos por los conquistadores.

No es el momento de cerrar los ojos ante esta nueva realidad internacional que esta presentando la religión yorubá en todos los países donde se cultiva, no importa el nombre que se le dé; debemos subrayar la importancia y movilidad de la santería como factor influyente en este movimiento.

Independientemente de las posiciones ortodoxas, de la mayor o menor comercialización de las prácticas religiosas, considero que la santería, el candomblé, el culto a Shangó en Trinidad, son exponentes de la fuerza y riqueza de la religión yorubá, que ha sobrevivido a pesar de todas las represiones a las cuales se vio sometida; pruebas también elocuentes de su poder de comprensión, de entender y ayudar a solucionar los problemas espirituales y materiales, y por lo tanto, su alto nivel de convencimiento, de captar adeptos, aún en los momentos de mayor hostigamiento. Todos esos elementos inciden, para que la santería o regla de Ocha, en el caso particular nuestro, se continúe expandiendo en la propia Isla y allende los mares.

XI

CONCLUSIONES: No cabe duda que son muchas las conclusiones a las que se podrían arribar, pero solo destacaremos las que consideramos más interesantes de apuntar:

1.- La consideración de la santería como una religión afrocubana permite acentuar precisamente las peculiaridades que hacen que esta religión de origen africano no pueda ser consideradamente totalmente africana

2.- En Cuba han coexistido formas muy antiguas de iniciación y de rituales que se han mantenido cultivadas en círculos muy cerrados, familiares. La iniciación, coronándose solo el orisha fundamental, o dueño de la cabeza del iniciado no es un fenómeno nuevo en nuestro país.

3.-No es posible ignorar el movimiento que pretende volver a una supuesta ortodoxia, la cual parece que nunca existió totalmente en Cuba, teniendo en cuenta las reformas sufridas por las religiones africanas, y en particular, la readaptación a los nuevos contextos geográficos, económicos y sociales del culto a los orishas. Esto último conllevó a diferencias, probablemente no en las esencias, pero sí en las formas, de practicarse dicho culto en las casas de santos, acordes, con las ramas de las cuales estos ilés de ochá pertenecían.

4.- El resultado de la encuesta evidencia, además, del análisis efectuado de muchas más entrevistas, conversaciones, investigación directa en las casas de santos, mediante convivencia con santeros, asistencias a iniciaciones, bembés, que no hay muchos santeros que simpatizan con la idea de abandonar la forma tradicional de practicarse la santería a la cubana, sobre todo en aquellos que llevan más de veinte años de iniciados; tal vez, en el futuro, y dictado por la propia dinámica de las prácticas santeras, esta tendencia vaya ganando un espacio mayor que el que tiene en la actualidad.

5.- Este fenómeno hay que ubicarlo dentro del contexto internacional en el cual tiene lugar, y no sobrevalorar o subvalorar los propósitos extrarreligiosos que pueden acompañar o yuxtaponerse a este movimiento que en sus esencias es religioso y económico.

6.- Ha quedado demostrado que el movimiento por la autoestima del negro desde el punto de vista histórico, artístico, musical, cultural, en ese sentido más amplio, tuvo en la figura de Gustavo Urrutia su figura pionera, sobre todo, en una época en la cual la historia del negro y de su cultura se abordaba desde posiciones muy intelectuales, a veces, puramente filantrópicas.

7.- No cabe duda de que Juan René Betancourt fue el primer negro que planteó la necesidad de una ortodoxia en las prácticas de la santería.

8.- La mayoría de los que se acercaron al fenómeno de la santería no vieron que era una religión en constante crecimiento, con una dinámica muy propia, pero existente también en buena medida en las prácticas religiosas de la Regla de Palo Monte o la Sociedad Secreta Abakuá. Lo anterior es una de las causas que explican la vigencia de las creencias afrocubanas.

XII

RECOMENDACIONES: Sería muy conveniente impartir seminarios o cursos sobre las historias de las religiones africanas asentadas en América, en particular en Cuba, debiendo subrayarse las reformas, las adaptaciones que sufrieron, así como las influencias sufridas entre ellas, y entre cada una de esas creencias y la Iglesia Católica.

Notas y Bibliografía:

1.-Doctrina negra. La única teoría certera contra la discriminación racial en Cuba. Juan René Betancourt.– La Habana: P. Fernández, 1955 .– ix, 80 p.. F.323,17291 Bet D (BNJM)

2.- Ejemplo de lo que se plantea se tiene en el siguiente título: Procesos etnoculturales de Cuba/ Jesús Guanche. –La Habana : Editorial Letras Cubanas, 1983.– 503 p.

3.- Estudios Afrocubanos: Selección de Lecturas./comp. Lázara Menéndez. — La Habana: Universidad de la Habana: Facultad de Arte y Letras, 1990. — tomos, 1,2.

Estos dos tomos recogen artículos y ensayos sobre aspectos teóricos, metodológicos prácticos de los estudios afrocubanos.

El negro: el ciudadano del futuro/ Juan René Betancourt. — La Habana: Cárdenas, 1960. — F.323.17291 Bet N (BNJM)

4.- Fidel Castro y la integración nacional/Juan René Betancourt. BOHEMIA (La Habana) 51(7) Ñ66, 122-123;17 en. 1959.

5. – Prólogo/Elías Entralgo.– En: El negro ciudadano del futuro /Juan René Betancourt.– La Habana : Cárdenas, 1960.–

6. – En la Biblioteca del Centro Schomburg de New York existe un microfilm que parece ser la edición aumentada y corregida de sus ideas acerca del problema racial que publicó en forma de libro en la Argentina.

7.- Sobre esta figura cimera del periodismo y del movimiento negro en Cuba existe poco conocimiento por parte de las generaciones nacidas después de 1959. No se estudia su obra ni siquiera en la Facultad de ciencias de la comunicación de nuestra Universidad de La Habana.

8.- Entrevista a Nicolás Guillén. En : Recopilación de textos sobre Nicolás Guillén./ Nancy Morejón, comp.– La Habana : Casa de las Américas, 1974. pp. 42-44

9.-Comenzó a publicarse el 8 de abril de 1928. La historia de como inició sus colaboraciones en el Diario de La marina fue escrita por él como prólogo del folleto que contenía las cuatro charlas radiofónicas. Ver nota:10

10.- Cuarto(sic) charlas radiofónicas/Gustavo G.Urrutia.– La Habana : , 1935.– 20 p.

11.- Punto de vista del nuevo negro Gustavo G. Urrutia. — La Habana : El Score,1937.– 38 p.

Conferencia inaugural del ciclo de conferencias de carácter social, científico y educacional. Ofrecido por el Instituto Nacional de Previsión y Reformas Sociales de la República de Cuba en su Centro de Estudios, pronunciada el día 8 de julio de 1937.

12.- El problema del negro en Cuba/ Gustavo G. Urrutia CUADERNOS DE LA UNIVERSIDAD DEL AIRE (La Habana) (27): <193>-200; 22 jul. 1933.
1936.

13.- Gastón Baquero, poeta, periodista y escritor recientemente fallecido en España; se marchó del país por no simpatizar con la ideología abrazada por la Revolución Cubana. En los últimos años efectuó un acercamiento a escritores y figuras jóvenes surgidas con la Revolución. Se llegó a comentar la posibilidad de su visita a Cuba. Es considerado una de las voces más importantes de la lírica cubana.

14.- El movimiento intelectual en Cuba en la década del veinte Rosalie Schwarz.– San Diego : University of California, 1977.– 272 hojas.

Se trata de su trabajo para el doctorado. El texto en inglés. El ejemplar consultado carece de la hoja título. En los capítulos VII. Black Cuba, a challenge to National Consolidation, p.165. VIII. Afrocuban identity: forging a collective conscience, p. 190 y en el IX, The Dilemma of color and class, cita y menciona ampliamente a Gustavo Urrutia.

15.- Cultura afrocubana Jorge e Isabel Castellanos.– Miami: Ediciones Universal, 1988-1994.– 4 tomos. En el tomo 2 se menciona de manera destacada la figura de Urrutia.

16.- Cuatro charlas radiofónicas p.20

17.- Op.cit.p.20

18.- Op.cit.p.20

19.- Rómulo Lachatañeré, uno de los seguidores de la labor emprendida por Fernando Ortiz; poseía una formación comunista y se aproximó con esa concepción a los estudios afrocubanos; realizó significativas investigaciones, no exentas de limitaciones y errores teniendo en cuenta que en ocasiones los propios testimoniantes o entrevistados no decían realmente todo lo que sabían. Corrigió el error de considerar brujeros a los santeros y a la santería brujería. Tuvo que salir de Cuba por sus ideas comunistas a finales de la década del treinta. Se radicó en los Estados Unidos donde continuó escribiendo sobre nuestra cultura afrocubana. Toda su producción publicada en Cuba y en los Estados Unidos fue recogida en el libro: Los orígenes de los afrocubanos. Murió en un accidente de aviación en 1951.

20.- Fernando Ortiz, llamado el tercer descubridor de Cuba. La relevancia de su labor en pro del rescate de la huella africana crece con el tiempo; se concentró más en los aspectos musicales y teatrales de la herencia africana, así como de la historia de la esclavitud y de los abakuás que en los problemas sociales, económicos y culturales ante los cuales los afrocubanos se tenían que enfrentar.

21.- Doctrina Negra. p.71

22.- Por la integración cubana de blancos y negros/Fernando Ortiz. REVISTA BIMESTRE CUBANA (2): 256-272; mar-abr.1942. ESTUDIOS AFROCUBANOS (La Habana) 5: 216-229: 1945-1946. También en: Etnia y sociedad/Fernando Ortiz. –La Habana : Editorial Ciencias Sociales, 1993.– pp.136-143.

23.- Doctrina negra, p.71

24.- op. cit. p.71

25.- op.cit. p.71

26.- Taller Internacional sobre los Problemas de la Cultura Yorubá en Cuba, auspiciado por la Sociedad de la Cultura Yorubá de Cuba y la Academia de Ciencias de Cuba. Esta sociedad es un buen intento para la organización de los babalaos y santeros, pero no goza del apoyo de todos los babalochas e iyalochas, y los paleros y creyentes de otras religiones de origen africano se sintieron marginados, pues en lugar de organizarse una sociedad que la representara a todos, el propio nombre de la que se había fundado excluía la participación de las otras. En este sentido considero que los abakuás eran realmente los únicos que si estaban en condiciones de fundar una sociedad o unión de las tierras abakúas que fuera realmente el representante de todos ellos; lo anterior era y es posible gracias a la organización histórica que los diferentes juegos abakúas han tenido desde la colonia hasta el presente.

27.- ¿¡un cake para Obatalá?¡/ Lázara Menéndez.TEMAS (La Habana) (4):29; oct.-dic.1995.

28.- op. cit.

29.- En este sentido me parece muy conveniente recordar las palabras que utiliza Robert Farris Thompson para describir el vodu: ” …is one of the signal achievements of people of African descent in the western hemisphere: a vibrant, sophisticated synthesis of the traditional religions of Dahomey, Yorubaland, and Kongo with an infusion of roman catholicism. En su:Flash of the spiri:African & Afro-American Art & Philosophy. Robert Farris Thompson–New York : Vintage Books, 1984.–p.163.

30.-Cultos afrocubanos: un estudio etnolinguísitico/ Jesús Fuentes y Grisel Gómez.– La Habana : Editorial de Ciencias Sociales,1994.
De Jesús Fuentes es también el título: Raíces bantú en la Regla de Palo Monte: una aproximación histórica, religiosa y linguística./Jesús Fuentes Guerra. — Cienfuegos : Ediciones Mecenas, 1996.80 p.

31.- Para ampliar sobre estos aspectos pueden consultarse los siguientes textos:

Las Américas negras./Roger Bastide.– Madrid : Alianza, 1969. — 207 p.

Religioes africanas no Brasil./Roger Bastide. — Sao Paulo : Pioneira, 1971.

Umbanda: uma religiao brasileira./Maria Helena Vilas Boas Concone. –Sao Paulo : Universidad de Sao Paulo. Facultad de Filosofía, Letras e Ciencias Humanas, — 1987. –156 p.

The faces of the god : vodu and roman catholiicism in Haiti./ Leslie G. Desmangles.– Chapel Hil & London : The Univiersity of North Carolina Press, 1992. — 218 p.

Vodú./Alfred Mertraux.– Buenos Aires : SUR, 1963.– 341 p.

Es el vodú religión? El vodú dominicano./Manuel Marino Miniño M.L.– Santo Domingo, Rep. Dom. : Editora Libros y Textos, 1985.– 74 p.

Se trata de un folleto interesante que permite apreciar la influencia o presencia del vudú fuera de Haití.

32.- La historia de las religiones nos ofrece los cismas, las . divisiones ocurridas, dentro de una religión debido a diferencias en cuanto a la interpretación y aceptación de determinados principios o dogmas. Lo anterior originó, en el cristianismo, la aparición de las diferentes iglesias que no aceptan al Papa de Roma como representante de todos los cristianos. Dentro de estos abundan grupos o sectas que pretenden o proclaman llevar la religión del modo más puro, ortodoxo, llegando algunas de ellas a posiciones verdaderamente extremistas y muy peligrosas. Este mismo fenómeno aflora en otras religiones, como en el islamismo.

33.- Pueden señalarse que históricamente han habido grupos de santeros y paleros que se han nucleado en sociedades como la Asociación o Sociedad de San Antonio, fundada por el difunto Arcadio o por la de Enriquito Armenteros, la Sociedad San Lázaro.

Más recientemente otros babalaos o santeros se han agrupados y han solicitado sus inscripciones en el registro de asociaciones. Una de ellas es la dirigida por el babalao Víctor Betancourt, uno, si no el principal promotor de las practicas de los cultos a los orishas de una forma más ortodoxa y tradicional a partir de los presupuestos que él enarbola.

34.- El Oba Oseijema Adefunmi, destacado activista del movimiento por los derechos civiles, conocido entonces con el nombre de Walter Serge King, se inició en el culto de las creencias afrocubana; tiempo después al conocer las formas africanas de la religión y compararlas con las practicadas en Cuba, abandonó el estilo afrocubano y comenzó las prácticas ortodoxas del culto a los orishas. ver entre otros: Black critics & kings: the hermenutics of power in Yoruba society|Andrew Apter. — Chicago : The University of Chicago Press, 1992. — p.2

35.- No he oído preconizar el abandono de las soperas y de los otros receptáculos en los cuales modernamente se depositan las piedras de los orishas, o de los canastilleros, para volver a las antiguas jícaras y colocarlas sobre esteras en el suelo.

36.- Doctrina negra. p.

37.-Fanon dice al respecto: “Este acontecimiento llamado comúnmente enajenación es desde luego muy importante. Se le encuentra en los textos oficiales bajo el nombre de asimilación.

“Racismo y cultura” En su: Por la Revolución Africana.

Franz Fanon.– La Habana : Edición Revolucionaria, 1965. p.46

38.- El editorial de la entrega no. 22.de la revista ADELANTE, órgano de la sociedad de igual nombre, que representaba los intereses de algunos sectores de la poblaciòn negra de Cuba, manifestaba el criterio de no ver como provechoso para la comunidad negra la solicitud presentada al gobierno para que se autorizara el desfile de las comparsas.

Las comparsas. ADELANTE 2(22): 3-4 mar.1937.

Otros expresaron sus criterios a favor y en contra como en los siguientes artículos:

Un ¡hurra¡ para Adelante. Alberto Arredondo. ADELANTE 224): 7-8; mayo 1937.

Apoya la posición asumida por la revista y a la sociedad Atenas y a la Sociedad de Estudios Afrocubanos por ser promotoras de la reaparición de las comparsas.

Las comparsas/Salvador García Aguero. JUVENTUD 1(1):20; mar. 1937.

Señala la actitud en contra de las comparsas como una huella de los prejuicios existentes en la Cuba de entonces.

39.- Corromper a los negros. LA ANTORCHA 9 nov.1919:1

* Lidia Cabrera (1902-1994). Realizó una obra investigativa en Cuba y desde los Estados Unidos sobre las religiones y culturas afrocubanas, que en cierta manera llega a niveles a los cuales no llegó el propio Fernando Ortiz. Profundizó y amplió áreas que ya había abordado en sus investigaciones en la Isla. Al morir dejó su herencia para sufragar y estimular investigaciones sobre nuestra historia y cultura desde el descubrimiento hasta el inicio de la guerra de 1868.

** Walterio Carbonell. Fue miembro de la Juventud Socialista de Cuba, de la cual fue expulsado por demostrar su solidaridad y simpatía con Fidel Castro al salir ileso del Asalto al cuartel Moncada. Se asiló en Francia desde donde regresó cuando la Revolución Cubana triunfó en 1959.Publicó el libro ya citado Ñ Crítica : cómo surgió la cultura nacional.– La Habana: s.n., 1960.– Posteriormente publicó un texto que empleaba en sus clases de filosofía marxista, así como artículos sobre la política contemporánea africana, aparecidos principalmente en el diario Revolución. Más recientemente estuvo dedicado al estudio de la Conspiración de la Escalera y al estudio de la filosofía de la Regla de Palo. Actualmente se encuentra laborando en la Biblioteca Nacional José Martí.

*** Carlos Moore. Fue el autor del polémico artículo: Le peuple noir a-t-il sa place dans la révolution cubaine? PRESENCE AFRICAINE (Paris) 52: 1964. En dicho texto se preguntaba acerca del verdadero lugar que tenían los negros en Cuba. Fue, después de Juan René Betancourt el primero que dejó constancia escrita sobre la problemática racial en los primeros años de la Revolución. Se considera alumno de Walterio Carbonell, a quién conoció al regresar a Cuba después de haber residido desde 1957 en los Estados Unidos, a donde retornó años después. En 1988 dio a conocer su libro: Castro, the blacks and Africa. Ha mantenido una posición coherente ante el racismo, y la presencia de ese prejuicio tanto en Cuba, en los Estados Unidos o en cualquier sitio donde exista; ha reconocido en la actualidad los avances que el negro cubano ha tenido en nuestro país y ha alertado sobre lo que ocurriría si la derecha de Miami llegara a radicarse en nuestra islas. Recientemente visitó La Habana con un grupo de estudiantes de la Universidad de las Indias Occidentales, donde labora como profesor.

40.- Algunos datos de la encuesta:

SANTEROS 50 50% 25 H 25 M
BABALAOS 30 30% 30 H
ALEYOS 20 20% 09 H 11 M
SANTEROS: FECHAS DE INICIACIÓN
Antes del 59 1960-1969 1970-1979 1980-1989 1990-1996
>MUJERES 05 02 07 06 05
HOMBRES 06 04 08 03 04
SANTEROS: EDADES APROXIMADAS ENTRE:
20-39 40-59 +DE 60
HOMBRES 14 05 06
MUJERES 13 0 07
SANTEROS: RAZA
NEGROS BLANCOS MULATOS
HOMBRES 11 10 04
MUJERES 12 08 05
BABALAOS: FECHAS DE INICIACIÓN
Antes del 59 1960-1969 1970-1979 1980-1989 1990-1996
06 02 06 09 07
BABALAOS: RAZA
NEGROS BLANCOS MULATOS
11 09 10
BABALAOS: EDADES APROXIMADAS ENTRE:
20-39 40-59 + DE 60
14 10 06
ALEYOS: FECHAS APROXIMADAS EN LAS CUALES SE ACERCARON A LA SANTERIA:
Antes del 59 1960-1969 1970-1979 1980-1989 1990-1996
MUJERES 00 01 02 01 05
HOMBRES 00 00 03 02 06
ALEYOS: EDADES APROXIMADAS ENTRE:
20-39 40-59 +DE 60
HOMBRES 07 02 00
MUJERES 11 00 00
ALEYOS: RAZA
NEGROS BLANCOS MULATOS
HOMBRES 03 04 02
MUJERES 06 01 04

From Lydia Cabrera’s “El Monte,” the chapter titled “La Ceiba-Sus leyendas. Culto. Su importancia en la Magia y en la superstición del pueblo cubano. Los malos ojos. Los mayomberos y la ceiba. Jueves, Viernes Santo y Sábado de Gloria. El árbol sagrado por excelencia.”

The article is in Spanish.

View the article.

Este artigo apareceu na revista “La Jiribilla
Reproduzido aqui com o consentimento da autora.

“Un Cake Para Obatalá”
Lázara Menéndez Vázquez
Professora. Universidade de La Habana.
Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Na Primeira Oficina Internacional sobre os problemas da cultura ioruba em Cuba[1] organizada pela Asociación Cultural Yoruba de Cuba e a Academia de Ciências, em 1992, constatou-se a existência de uma tendência que coloquialmente se denominou “iorubização da Santeria”. Indaguei sobre a questão e explicaram-me que o que se pretendia era a recuperação do que se denominou “ortodoxia ritual”; o que significava um retorno à África, em especial à liturgia reconhecível no culto aos orixás praticada na Nigéria e implicava conceitualmente a re-apropriação do corpus de Ifá. Alguns iyalochás (iyalorixás), babalochás (babalorixás) e babalaos (babalawôs) [2] comentaram-me que lá estavam as nossas raízes e nossas verdades; que o culto aos orixás era anterior ao cristianismo e que por isso se fazia muito significativo o re-apropriar-se da historia e também da língua ioruba – da que ainda restam pessoas que podem falá-la em Cuba.

No dizer de outros religiosos, a Regla de Ocha-Ifá deveria reger-se pelos ditames do Ooni de Ifé. Um dos ganhos que se esperava obter com a recuperação da ortodoxia ritual era a eliminação do sincretismo; o retorno às origens suprimiria a mistura ou o que se considerava como tal. Desapareceria, no dizer dos religiosos, a errônea equiparação entre Changó (Xangô) e Santa Bárbara ou entre Ochún (Oxum) e a Virgem de la Caridad del Cobre. Aspirava-se também à criação e consolidação de uma hierarquia eclesiástica que regrasse institucionalmente o exercício santero e deste modo evitar as transgressões perversas e as modificações profanadoras à tradição.

O assunto interessou-me porque, tanto nos atos de criação -e a Santeria é um deles- como nas “ciências de realização”, aquelas nas que os fatos não podem repetir-se à vontade em um laboratório porque este é a própria vida, não há ocasião para desandar os caminhos que construíram as historias e chegar ao ponto de partida; primeiro, porque o princípio não é mais do que a metade de todas as coisas; segundo, porque como se afirma em um velho bolero “ontem não é hoje”, e terceiro, porque não é certo que qualquer tempo passado foi melhor.

As outras razões que despertaram meu interesse guardam relação com o fato de a África, no imaginário popular cubano, não se manifestar como terra de promissão e identidade; tampouco tem existido historicamente uma consciência de retorno e, por último, a Santeria mantém como norma, a re-interpretação de seus preceitos em prol da re-atualização do legado que assume como sendo tradicional.

Não é habitual que o cubano mediano -ou inclusive aquele que não o é – possa mencionar e localizar mais do que três rios africanos; conheça sobre impérios tão importantes como o de Ghana (700-1200), Mali (1200-1500), Kanen-Bornu (800-1200), Monomotapa (1450-1800), sobre as façanhas de Mansa Musa ou sobre uma cidade tão extraordinária como Tumbuctu. Entre 1886, ano da abolição total da escravidão em Cuba, e o início da colaboração entre Cuba e Angola, transcorreram anos de desconexão popular com o continente africano, ainda que não carecemos de uma pertinaz e distorcida garoa informativa que incentivou, também por anos, uma imagem da África ligada a Tarzã, Jane e à macaca Chita, transmitida principalmente através do radio, o cinema e as estórias em quadrinhos.

Na Regla de Ocha-Ifá, a imagem que se vislumbra da África também é fraca; praticamente se reduz a mencioná-la como lugar de uma remota origem. Muitos poucos religiosos conhecem os hábitos, costumes, normas éticas, educativas, filosóficas e o protocolo ritual pertencentes à cultura ioruba-nigeriana. Ao final de contas, existe um conhecimento muito reduzido e em não poucas ocasiões tergiversado da cultura da que aceitam descender. Historicamente não temos contado com uma abundante e acessível informação sobre a população ioruba e sua cultura. É oportuno recordar que há anos, para ir às bibliotecas tinha-se que saber ler, e a alguns menos, para se ter acesso a essa literatura, há que se poder ler em inglês. É óbvio que a reciclagem informativa tem dependido, nos últimos tempos, de estudos especializados que se escreveram sobre a Santeria e dos que se desenvolvem atualmente no país.

Na interioridade da prática santera não tenho detectado, dentre os indicadores empregados pelos religiosos para prestigiar o labor de um igboro (iniciado na religião), o conhecimento que sobre a África, a cultura e a religião ioruba, possa ter uma iyalochá, um babalochá ou um babalao. Importa a sua eficácia na solução de problemas diversos, porque se privilegia o caráter instrumental do exercício religioso; prioriza-se o saber ativo ligado ao conhecimento e ao domínio de “tratados” – fórmulas mágicas ou não – empregados para conseguir a solução buscada. É significativo o valor da “decência”, entendida como a ausência de intenção lucrativa no exercício religioso, a observância de certas normas de convivência e o cumprimento de preceitos éticos emanados da prática ritual, em virtude da função normativa e de regulamentação da projeção individual do sujeito.

A que causa poderia atribuir-se este empenho em iorubizar ou africanizar a Santeria? Pode-se considerá-la como o início de uma corrente de revitalização das culturas africanas por uma necessidade de legitimação sócio-cultural? São esses critérios a evidência de uma influência do exercício santero procedente de Porto Rico e dos Estados Unidos, lugares nos quais alguns omo-ocha (filhos-de-santo) têm voltado seus olhos para a Àfrica com a intenção de obter informação, legitimação e algumas coisinhas mais para as práticas que realizam? Pode ser este, por acaso, o tentáculo de um “polvinho” que adota um perfil religioso, mas que no fundo obedece a uma manifestação de natureza discriminatória? Era uma expressão de preocupação pelas mudanças que se avizinhavam em virtude da “despenalização” da consciência religiosa?

Alguns destes problemas reconhecem-se nos critérios que ainda hoje se expressam acerca deste assunto; mas, favorecer um deles não seria prudente pela falta de consenso nas posições e juízos emitidos pelos religiosos. No meu modo de ver, o eixo deste conflito é movido pela vontade de câmbio que articula a prática santera, que em ocasiões se manifesta como uma ação premeditada e em outras não; assim, o alcance desta, varia de acordo com os objetivos que se perseguem.

Ainda que a Santeria careça de um sistema de relações sócio-culturais verticalista a nível nacional, é possível reconhecer a existência de um discurso que, ao modo de um pano de fundo, unifica horizontalmente a prática santera em seus aspectos vertebrais. Isto permite estabelecer distinções entre o que o santero crê que se deveria fazer, o que crê que se faça na realidade e o que sucede realmente. O discurso da iorubização da Santeria inscreve-se dentro do que um segmento reduzido desta população opina que se deveria fazer, porque acreditam que o que realmente é feito favorece a distorsão e com ela, o descrédito do exercício santero.

As considerações de alguns santeros com os que mantive diálogos mais prolongados e a dinâmica que demanda o assunto, revelaram-me que o complicado não se baseava na expressão de uma vontade de câmbio, a não ser em sua direção e nas ações que isto implicasse. Por estas razões, decidi elaborar uma reflexão desde uma perspectiva teórico-metodológica plural que favorecesse uma re-leitura da história da tradição cultural ioruba sem privilegiar modelos de equilíbrio para a análise da Santeria e que ao mesmo tempo permitisse o reconhecimento e a presença do conflito nela contido.

A única intenção que persigo com este estudo é a de chamar a atenção a respeito do fato de a vontade de mudança, que tanto preocupa alguns religiosos, ser consubstancial à prática santera, eis que a transgressão dos limites constitui também um modo particular de se relacionar com o sagrado. A inovação e a transgressão não constituem uma exceção à norma, mas a articulação necessária para a re-definição dos limites. A ortodoxia funciona enquanto promove e garante a possibilidade da heterodoxia ritual que anula a existência de discursos autoritários. “Cada macaco no seu galho” ou “na minha casa mando eu” são enunciados de um discurso que se sustenta sobre um exercício individualizado, flexível, ativo, conversacional, da prática ritual, que inter-atúa sistematicamente com o cotidiano e que nem sempre resulta tão autoritário quanto parece.

Fazendo abstração da complexa tipologia que respalda os estudos de câmbio sócio-cultural, adscrevo-me ao que Raymond Firth chama de “câmbio na organização”[3] De acordo com as suas consideracões, estes são câmbios na maneira de fazer as coisas, as quais continuam se realizando, e “cambios na extensão”: aquelas variacões nos alcances de determinados complexos de relações sócio-culturais que permanecem formalmente inalteráveis.

Tenho dividido o estudo em três partes: a primeira, chama a atenção sobre a necessidade de observar o processo de transculturação na evolução dos elementos das culturas matrizes e as características daquelas culturas em seus contextos originários; a segunda reflexão aproxima-se à reconstrução do componente ioruba em Cuba e da criação de uma nova organização, que hoje conhecemos como Santeria ou Regla de Ocha-Ifá; a terceira se centra na análise de una “moyuba” (mo jubá) ou invocação destinada aos orixás e antepassados como um exemplo da dinâmica de câmbio, onde continuidade e discontinuidade formam parte da re-interpretação do legado e, ao mesmo tempo, são expoentes da confluência de heranças.

Uma pretensão ingênua

O discurso racionalista moderno trasladou-nos sua vocação por um absurdo e anti-histórico conceito de pureza e levou-nos a olhar para nossas mescladas e heterogêneas culturas como um signo de inferioridade, exclusivo dos povos latino-americanos e caribenhos. Com isto, tendeu-se a acentuar a exaltação da noção de raça (“voz de mau berço e de má vida”) e os preconceitos raciais, dos quais disse Fernando Ortiz que não eram “ciências de brancos, mas, superstições de barbárie que fazem sacrifícios humanos a ídolos de cores diversas” [4]. Não escapa destas considerações, a produção simbólica gerada nas culturas africanas e transplantadas a Cuba.

Fazer descansar a caracterização e o valor da Santeria somente na conservação de seus antecedentes africanos sem uma valorização histórica, sistemática e sistêmica daqueles, é uma pretensão ingênua. A tácita ou explícita negação do fenômeno transculturativo pode converter-se em um problema ontológico.

Se nada se houvesse modificado desde a introdução dos primeiros africanos em Cuba; se o meio sócio-cultural, criollo primeiro, cubano depois, não tivesse conseguido influenciar e capturar na sua órbita àqueles e a seus descendentes, -sobretudo a estes últimos-; se os descendentes das primeira e segunda gerações não tivessem sentido como seus os valores que foram se criando no novo contexto e não se tivessem definido como cubanos por consciência e vontade, como afirma Ortiz, haveria que se aceitar a imobilidade da história, negar a existência de nossa cultura, a concepção orticiana de transculturação e queimar numa pira os que subscrevem que a cultura é um fenômeno dinâmico.

A substantivação indiscriminada e acrítica do componente ioruba e sua pretensa demostração por cima dos mecanismos de descontinuidade que operaram nas transformações culturais, tende a bloquear a ação cognoscitiva e a negar a estratégica ação des-sacralizadora e revitalizadora, que propõem os mesmos padrões cristalizados dentro do universo santero.

A ênfase no eixo africano, por cima dos rasgos que qualificam o fenômeno como cubano, tende a aguçar o distanciamento, desde a perspectiva sócio-cultural, com o universo santero, a entorpecer a assunção intelectual de dito fenômeno além das relações modais e volitivas que individualmente se estabeleçam com ele, e a dificultar seu reconhecimento como expressão cultural autônoma, bem diferenciada de seus antecedentes e de outras práticas contemporâneas a ela.

A cosmovisão santera não depende na atualidade – assim como não dependeu na época em que Fernando Ortiz e Lydia Cabrera publicaram obras mestras como “Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar” e “El monte”, respectivamente- somente do núcleo africano, senão que esta peculiar cosmovisão participa -por direito legítimo- na órbita do cubano. Não se trata de negar ou de menoscabar o antecedente ioruba, mas sim de insistir no fato de que “um negro cubano típico se parece mais com um branco cubano típico do que a um negro da África”[5].

Um aparte necessário

A reconstrução do sistema de pensamento ioruba e a análise de suas práticas culturais entre os séculos XII e XIX, segundo os dados aportados pelos próprios especialistas nigerianos, põe de manifesto a interpenetração das funções religiosas, sociais, comunicativo-memoriais, educativas, ideológicas, cognoscitivas e estéticas entre os diversos ramos do saber, que não se manifestam como diferenciadas en suas concretizações específicas.

As estruturas sócio-econômicas e culturais as que se viu submetido o africano no novo contexto colonial cubano, o deslocamento de valores e mecanismos culturais autóctones, sua redução à condição de escravo, implicaram e determinaram mudanças nas ações e significados.

Sofreram modificações as relações econômicas, as instituições rituais, as formas de agrupação, as relações de parentesco, o intercâmbio de bens e serviços, as formas de vida doméstica, a instituição do matrimônio, o valor tradicional da hospitalidade, sustentada freqüentemente no matrimônio polígamo e nas descendências unilineais.

A identificação tradicional da riqueza baseada na consideração de que o mais rico também é o de maior poder simbólico representativo, viu-se modificada pela inserção do africano numa estrutura econômica definida pelo valor do dinheiro, pelo desenvolvimento do comércio, pela significação do mercado afastado da consideração tradicional; a ênfase na autonomia individual foi um dos fatores que entorpeceram, não só a recriação das estruturas autocráticas e patriarcais tradicionais, porém, também modificou a relação indivíduo-coletivo e indivíduo-sociedade.

Se o chegado à América como clandestino, somente por cruzar o Atlântico já deixava de ser o mísero camponês, o vilão pobretão, o criminal fugitivo, o pícaro aventureiro, o clérigo vagante ou o fidalgo sem algo, para se converter ipso facto em um “branco”, com privilégios leucocráticos sobre grandes massas de gente de “cor”; o negro trazido à força como escravo, só por entrar no barco negreiro e logo após no barracão, já não era um típico negro mandinga, guinéu ou congo tal como os seus co-nacionais, senão um “negro” mutilado pelo profundo trauma psíquico do violento arranque e um oprimido pela servidão que o deformava, quando não o destruía […] E uns e outros, brancos e negros, submersos em um ambiente estranho para todos e dissociador, com leis que se acatavam, mas não se cumpriam, com ordenanças para o proveito exclusivo daqueles que as acordavam, com morais escorregadias, próprias das sociedades improvisadas com elementos heterogêneos e todos exóticos, com posições interinas, convivências provisionais, tensões constantes, codícias sem freio, frustrações desesperadas; todos “de passo”, em fricção, em ódio, em medo e em desleixo [6].

É óbvio que a estruturação qualificadora de um novo produto não pressupõe o desaparecimento dos componentes originários, mas sim a diferenciação daquele com respeito aos que lhe são coetâneos e a conseqüente negação dialética de seus antecessores; ainda que não englobe uma paralização do processo, uma vez aparecido o novo modelo.

Entre os iorubas, o pensamento religioso não se qualifica como um discurso autônomo até já bem entrado o século XX. Falar no século XIX, e nos que o precedem, da existência de uma manifestação de tal natureza é não compreender o transcendental caráter sincrético desta cultura e o profundo trauma que deveu representar, para o homem ioruba em particular e para o africano em geral, sua inserção em um contexto de valores econômicos, sociais, políticos e religiosos diferentes.

Em “Reinos africanos”, de Basil Davidson, e em “África negra” de Suret-Canale, os autores coincidem em destacar a lógica dos sistemas de crenças tradicionais apoiados em uma imagem de totalidade cambiante, mutável e viva. Não reconhecem una dicotomia entre o sagrado e o profano, entre normas e prescrições morais, sociais, filosóficas e o caráter sobrenatural de certos fenômenos. Estes se misturam em um todo sincrético[7]. Um exemplo disto se observa na interação entre iwápèlé, orí/eledá e Eshu/Ajogún, contidos todos no corpus de Ifá, núcleo dos princípios éticos, filosóficos, morais e literários que referendam a tradição oficial em Ifé, cidade santa e sede dos deuses criadores e das famílias fundadoras.

Davidson considera que as religiões nas sociedades tradicionais davam uma visão total do mundo, incluídos o sensorial e o supra-sensorial, dirigida tanto à explicação quanto à prescrição. Obatalá foi enviado para criar o homem, embebedou-se e criou corcundas e albinos; desta ação deriva a proibição de beber vinho de palma para todos aqueles que se consagram à adoração deste oricha (orixá) [8].

Berta Sharevskaya assegura não ter encontrado nas línguas africanas sequer uma palavra que corresponda às expressões Ser Supremo, Deus Todo-poderoso, Demiurgo, Primeira Causa, etc. Nyame, Nzambi no Congo, Leza na Rhodesia, Olorun entre os iorubas são, em sentido geral, divinizações de antepassados e forças da natureza. A adoração de um ser supremo não adota as características e atributos da adoração monoteísta. A autora considera que “o objeto de veneração nas religiões africanas era toda uma hierarquia de altos seres e espíritos sobrenaturais, mais do que só um ser supremo”, pois a “adoração não se satisfaz somente com um deus”[9]

Uma tese interessante e que nos parece conveniente inserir neste contexto é a de Pierre Verger em “Flux et reflux de la traite des nègres entre le Golfe de Benin et Bahia de Todos os Santos du XVIIe au XIXe Siècle”, onde assinala que:

[…] apesar da multiplicidade de deuses, tem-se a impressão de que não se trata de politeísmos, senão de monoteísmos múltiplos justapostos, onde cada crente não está consagrado mais do que a um só deus e não reverencia mais do que a este, guardando vis a vis para as divindades vizinhas, sentimentos que não vão além do simples respeito” [10].

A definição de oricha é uma noção importante na conceituação e operacionalidade da prática religiosa ioruba. O orixá, além de um ancestre divinizado, é, como afirma Pierre Verger em “Orixás”, “uma forma pura, axé imaterial que só se faz perceptível aos seres humanos incorporando-se a um deles”[11].

No etnos ioruba existe uma tradição oficial e autônoma; assim, certos orixás alcançam uma posição dominante em algumas cidades: Xangô em Oyó, Oxum em Ijexá e Oxogbo, Yemonjá em Egba, Olodumarê e Oduduwa em Ifé. O lugar ocupado na organização oficial pelo orixá pode ser muito diferente si se trata de uma cidade onde existe um palácio ocupado por um rei, ou si se trata das aldeias independentes onde o poder político permanece débil “em ausência do estado (autoritário) e são os chefes fetichistas os que garantem a coesão social” [12].

Os deuses da criação e a criação dos deuses são duas instâncias definidas na adoração ioruba e relativamente privilegiadas. Na primeira, reconhece-se a adoração que o povo da cidade de Ifé tem por Olodumarê como criador do céu e da terra e a convicção de que Orunmilá foi testigo deste ato e por isso sabe a história da origem [13].

A criação dos deuses, no dizer de Verger, é o resultado de uma contrariedade, de um momento de paixão. Oyá acompanha Xangô em uma fuga e quando ele desaparece, ela se enfia embaixo da terra. Xangô converte-se em orixá quando se sentiu abandonado e saiu de Oyó para Tapa. Oxum e Obá transformam-se em rios quando fogem atemorizadas pela ira do marido em comum.

A conservação dos recursos expressivos de origem africana em Cuba deveu-se, entre outros fatores, à ação estabilizadora da tradição com respeito às forças que atuavam sobre o indivíduo, à existência de uma coletividade que favoreceu a circulação da informação pelo tratamento de códigos similares e à relação dinâmica de intraduzibilidade e traduzibilidade destes, numa situação de contato cultural.

Em Cuba, temos nos deleitado em repetidas vezes com esses bailes dos velhos negros rememorativos de seus ancestrais gozos e tradições. Sobretudo contemplando as danças das velhinhas. […] Nelas, o baile não é um trâmite de erotismo, senão gozosa expressão da euforia vital com que a personalidade se enlaça, não a outro sexo, mas a toda a sua agrupação social, na plenitude de sua solidária consciência; que é sexo, mas também é maternidade, família, tribo, religião, trabalho, guerra, felicidade e desgraça. […] Somente uma negra na senectude, de rosto muito sulcado pelos anos vividos, de seios flácidos de tanto lactar, de pelve aberta pelos muitos partos e de ventre largo pela reiterada gravidez, pode dançar dignamente a dança alegórica da perpetuação da espécie, com o ritmo e o meneio da expressão inequívoca em um rito diolátrico evocativo da amorosa fecundidade da Grande Mãe, a Natureza {14}.

É certo que as culturas não se destroem, salvo que uma ação genocida elimine os homens e suas obras; também é certo que não se aprendem, pois “o portador de uma cultura não pode se introduzir em outra fazendo tábua rasa da sua própria. Percebe a outra cultura a partir daquela que leva consigo mesmo. E mais, percebe a outra porque justamente possui uma que é diferente”[15].

É uma verdade historicamente demonstrada, a que as nossas culturas são conjuntos distintos de “as culturas matrizes pré-colombianas, africanas, asiáticas e inclusive européias, já que resultam em práticas desconhecidas fora da América pré-colombiana”[16].

A utilização dos estereótipos e universos de valores individual-coletivos trazidos do lugar de origem, foram aplicados à nova vida cotidiana e também foram modificando-se à medida que essa vida cotidiana ia moldando a possibilidade do indivíduo numa sociedade onde a posse da terra era privada e não coletiva; onde o indivíduo definia-se essencialmente por sua posição sócio-econômica e não pelo status alcançado em virtude dos princípios hierárquicos tradicionais.

O recheio: “não com quem nasces, senão com quem pastas…”

A Santeria ou Regla de Ocha-Ifá manifesta-se no contexto cultural cubano como uma prática religiosa autônoma, diferenciada de outras modalidades religiosas. Em seu funcionamento interno, no espaço real-simbólico da casa templo, projeta-se como uma expressão sincrética na que se reconhece a imbricação de formas musicais, coreográficas, cantos, recitativos e a criação de artefatos que qualificam o universo visual.

Em sua autonomia expressa-se a ingerência dos agentes dinamizadores (aculturizadores ou não) que aceleram processos de mudança. Em sua natureza sincrética manifesta-se a marca da sociedade africana tradicional [17].

Enquanto construção cubana de matriz ioruba e natureza sócio-religiosa-cultural, é subdivisível en dois níveis: o da norma ideal, contida parcialmente nos sistemas divinatórios e no discurso individual dos santeros, e o da competência real como espaço concreto em que se inscrevem o sujeito, suas idéias e suas práticas.

Originalmente, o que hoje conhecemos por Santeria, esteve integrada por indivíduos que se viram forçados a se relacionar entre si de maneira horizontal e a se organizar em confrarias, irmandades, famílias rituais, relativamente independentes e escoradas internamente para uma co-participação não hierarquizada de postos, funções e esferas de ação, ante a violenta ruptura das estruturas de linhagem.

A informação circulou basicamente de modo horizontal e dessa forma herdaram-se e conservaram-se em estereótipos individuais e coletivos, amplos sistemas de conhecimentos pertencentes fundamentalmente, mas não exclusivamente, às culturas africanas.

Este saber, nas mãos de sucessivas gerações, foi enriquecido com a experiência prática e incrementado, sobretudo, pelas conexões inter-pessoais sócio-econômicas que favoreceram as inter-relações entre os elementos culturais de que eram portadoras e os que derivavam dos aparatos ideológicos herdados ou criados pela cultura hegemônica através da história.

A ação hemostática não exime de tensões nem de conflitos; estes podem se tornar críticos ante bruscos e radicais câmbios sociais, pois “a imposição de exigências sociais sobre os mesmos indivíduos pode, e em algumas ocasiões deve, conduzir à ruptura de algumas normas aceitas, antigas ou novas”[18].

A filosofia popular nunca foi tão proclive a conceitos absolutos quanto a teologia. No campo meramente folclórico e referindo-me ao intelectual, dizia o velho macarrônico refrão de Castela: quod Natura non dat Salmántica non prestat. Também para a conduta, outro refrão castelhano rezava: “gênio e figura, até a sepultura”, para indicar que no essencial, o caráter, bem como a forma do corpo, não mudam radicalmente na existência. Porém, o mesmo folclore soube dizer: “dize-me com quem andas e te direi quem és” e “não com quem nasces, senão com quem pastas”, provérbios para denotar que na vida humana, o trato faz mais do que a linhagem, a educação mais do que a progênie. Dizeres contraditórios do povo que refletem a visão dual do problema, olhando tanto para a herança quanto para a educação”[19].

Em Cuba, atualmente, a Regla de Ocha-Ifá não constitui um grupo organizado territorial, econômica, social ou etnicamente. Não conta com uma estrutura hierárquica de tipo piramidal e suprafamiliar, não constitui um projeto político-social sistematizado. Porém funciona com força institucional, em virtude da existência de eixos estáveis que garantem a relativa unidade da prática ritual. O conteúdo mais forte, como variante da definição do sagrado, é sem dúvida a adoração ao orixá, o respeito pelos maiores e pela família ritual. Não tão visíveis, porém não menos significativos, resultam o reconhecimento da condição de santero, a consciência de pertença e a natureza contingente, ecumênica e humanista da prática.

Esta estruturação do exercício santero tem possibilitado a supervivência do sentido totalizador da adoração ioruba. Sem embargo, o caráter localista ou regionalista típico da adoração politeísta em geral e da ioruba em particular, desaparece em Cuba.

Aqui se cria, de modo relativamente espontâneo, uma estrutura litúrgica supra-regional e se convencionam certos subsistemas no interior da prática, que a qualificam de maneira diferente à cultura matriz.

Deve-se pensar nos famosos e não menos controvertidos “guerreiros”, tetralogia composta por Eleguá (Elegba), Ogún (Ogun), Ochosi (Oxossi) e Osun, e os “santos de fundamento” que a pessoa recebe na cerimônia de iniciação, independentemente de seu “santo de cabeceira” ou de “coroa”. Estes dois conjuntos são um resultado do processo de transculturação. Eles são assumidos pelos religiosos como totalidades e não como partes, o que tende a desvanecer possíveis relações hierárquicas individuais.

A caracterização que faz Pierre Verger da noção de orixá é válida para Cuba, ainda que tenha perdido dois dos rasgos assinalados pelo investigador: não é exatamente um bem de família, nem se transmite pela linhagem paterna.

A criação, como ato transcendente, está muito temperada em Cuba e os religiosos não lhe concedem muita importância, ao menos externamente. A criação do mundo e dos orixás é um problema que pertence ao passado, e nas histórias da criação que aparecem nos documentos escritos pelos religiosos, observa-se influência de outras normas.

A mudança de posição, de hegemônicos a subalternos, dos elementos culturais precedentes ao etnos cultural ioruba, implicou em perdas em alguns casos e em outros reajustes. Oranmmiyan, co-fundador com Olokun do etnos ioruba, segundo uma versão recolhida por Frank Willet e reconhecida como o mundo presente convertido em passado, não se conhece em nosso meio; a temida Olokun é em Ifé uma divindade independente e não um caminho (qualidade) de Yemayá (Yemonjá) ou a mãe de Yemayá, como a identificam muitos dos nossos religiosos.

Convém recordar que Oyá deixou de ser a dona do rio Níger para se converter na porteira dos nossos cemitérios; Ochún (Oxum), em Cuba, simboliza o reino das águas doces e a feminilidade da cubana, mas não a sóbria fertilidade da deusa adorada em Iorubalândia. Em seu oriki se diz:

Ela é a sabedoria da selva, é a sabedoria do rio. Onde o médico fracassou, ela cura com água fresca. Onde a medicina é impotente, ela cura com água fria; ela cura a criança e não cobra do pai. Alimenta a mulher estéril com mel e o seu corpo seco incha-se como um suculento fruto da palma. Oh, quão doce é o roçar da mão de uma criança![20].

No processo de construção da identidade santera vêem-se comprometidas infinitas ações comunicativas. Quando se agrupam as motivações que, segundo os testemunhos, condicionam o ingresso à religião, resultam privilegiadas as seguintes: a adoção dos postulados santeros, o que pode significar continuar uma tradição de família; a solução de conflitos contingentes ligados à vida pessoal, social, profissional, etc.; uma maneira de obter o sustento que pode ou não implicar formas de lucro muito diversificadas; a busca de uma identidade cultural.

Os fatores mencionados não são restritivos nem excludentes; portanto, vários deles podem confluir e qualificar, conformar e modelar a rede de relações sócio-culturais nas que se insere o indivíduo comprometido com o exercício ritual.

Entre os elementos que explicam e servem de alicerce ao reconhecimento da condição de santero, não se detectam, como signos deles: a necessidade de violar as normas sociais estabelecidas e referendadas pela tradição sócio-familiar; um desejo premeditado de singularização ou a explícita proclamação do direito à diferença; reações de auto-defesa à agressão das normas tradicionais; manifestações de nacionalismo chauvinista, ódio, racismo, ou ressentimento frente a certas hostilidades sócio-familiares.

São outros os motivos que reconhecem os religiosos e que detectam os estudos. A Santeria brinda ao sujeito, a possibilidade de uma constante, flexível e dialogada interação com o sagrado; a nível individual ou no reduzido entorno da família ritual, a Regla de Ocha-Ifá permite ao indivíduo estar em estreita relação com a recriação e reconstrução do legado que se assume como tradicional, estar em contato com heranças culturais dissímis que co-existem e confluem na prática e favorecem a vontade de assumir premeditadamente uma mudança.

Por ignorância ou por um proceder tendencioso, as formas culturais que entronizam as hegemonias, têm desprezado o valor da tradição oral como meio de expressão de uma cultura. Também, durante anos, negou-se à Santería a condição de cultura e as funções que ela é capaz de desempenhar, tais como as de memorização, entendimento, normativização ética e expressão estética. A pouca instrução acadêmica atribuída a seus praticantes e a carência de um texto escrito semelhante à Bíblia, têm sido utilizados como indicadores de uma suposta falta de inteligência e saber.

Este enfoque tende a omitir que, sob o signo da oralidade, têm sobrevivido informações que “dão fé dos comportamentos passados dos indivíduos, noções filosóficas, concepções cosmológico-alegóricas, normas étnicas, sociais e estruturas discursivas abertas e flexíveis à novidade, mesmo quando conservaram núcleos mínimos irredutíveis”[21].

A oralidade implica numa atitude diante da realidade e nem todos os dados verbais constituem uma tradição, só aqueles que durante certo tempo são referendados pelo grupo. São mensagens transmitidas de uma geração a outra, influenciadas e condicionadas por formas cânones procedentes de diferentes estratos.

A cultura, a educação e a instrução nos marcos da prática santera, não são homogêneas e nem todos dispõem dos mesmos conhecimentos, hábitos, costumes e até normas rituais; heterogênea também é a integração do grupo desde o ponto de vista sócio-profissional. Desta maneira se favorece, e mais do que favorecer, se faz um requisito indispensável, o intercâmbio de informação e a dinâmica continuidade-câmbio na interpretação dos dados. As seguintes informações dão luz sobre isto.

Há casas-de-santo nas que não se utilizam “ferramentas” acompanhando os “otanes” (otás -pedras que simbolicamente representam as divindades), pois esses religiosos consideram que isso é supérfluo, já que os africanos não puderam trazer nenhum desses objetos e consideram que muitos deles foram incorporações que se fizeram no nosso contexto.

Os exemplos mais utilizados para argumentar o critério anterior são: o salva-vidas que integra o conjunto de ferramentas de Yemayá, as sereias de Olokun, os pregos de linha de ferrocarril que se dedicam a Ogún.

Outras modificações que podem se observar, competem à relação existente entre os iyalochas, babalochas e igboros, e os babalaos. Há casas onde nas cerimônias de iniciação não se prescinde da presença do servidor de Orula (Orunmilá), o deus da adivinhação, a que estão consagrados os babalaos. Em outras casas, todo o cerimonial desenvolve-se sem a presença daquele. Existem casas dedicadas ao culto de Ifá, nas que o ingresso à condição de babalao está precedida pela sua coroação como omo-ocha ou filho-de-santo; porém, em outras, o sujeito pode prescindir da iniciação no ocha (orixá) e consagrar-se diretamente como babalao.

No seio da comunidade santera advém como tradição tudo aquilo que se julga importante para o bom funcionamento e compreensão dos hábitos que marcam a evolução do fenômeno. Assim, encontramos que na prática santera se subscreve a necessidade do emprego da língua ioruba. Em alguns lugares e circunstâncias, repetir certas fórmulas dos remanescentes dessa e outras línguas que restam em Cuba, funciona como um signo de prestígio ritual e, ao mesmo tempo, como uma forma de não comunicação, porque é o castelhano e não o ioruba, o suporte e veículo do pensamento e do saber santero.

A massa: o saber depositado.

Em 1970 tive a extraordinária possibilidade de obter da boca de um babalao (Eusebio Hernández, de 86 anos de idade, 76 de iniciado omo-Changó (Omo Xangô) e 50 de babalao naquele então) uma moyuba (mojubá) que ele tinha empregado em certas circunstâncias rituais. Segundo contou-me, tinha-a aprendido do seu padrinho Saturnino de Cárdenas. Esta antiga reza tinha-se conservado em Cuba através do tempo, nos tradicionais ambientes santeros, nas profundas intimidades das casas-templos consagrados à adoração dos orixás. Através dela, faz-se possível, graças à língua, a presença daquelas civilizações africanas que ainda se reconhecem como o antecedente imediato da Regla de Ocha-Ifá.

Kinkamaché to gbogbo oricha Aché awó, aché babá ikú, aché Aché to gbogbo made lo ilé Yansa

Moyuba erí mi Moyuba babalao, olué Moyuba iyalocha, babalocha Moyuba igboro, aleyos, to gbogbo made lo ilé

Tote jun ko mo fi edde no Arayé jun ló Ikú jun ló Ofé jun ló

Kosi ikú Kose kofé anú Kosi ofo jun ló

Folé owó Folé ayé Folé ache [22].

Em 1990 pedi a vários santeros amigos meus, que me dessem exemplos de “moyuba”. Antes de me responder, quase todos me perguntaram a que, eu denominava “moyuba” e para que eu queria essa informação. Uma vez aprovado este exame, apareceram outros reparos. Se bem que compreendessem meus propósitos, a solicitação não deixava de lhes resultar estranha, basicamente porque com anterioridade, nenhuma outra pessoa lhes tinha reclamado tal informação.

Aos meus amigos não lhes era fácil dar-me os textos, porque as moyubas, denominadas também falas, rezas, invocações, formam parte da intimidade da prática e do religioso; resultavam muito pessoais e segundo todos eles “não são como o Pai Nosso, a Ave Maria, o Credo, que todo mundo aprende igual”[23]; não constituem segredos, mas, por estarem destinadas a só um interlocutor – os orixás -, tornam-se privadas; por último, conservam-se na memória.

Quando tive a informação em mãos, descobri – com alegria e surpresa – que um dos novos exemplos coincidia, em parte, com a que Eusebio Hernández tinha-me dado há 20 anos. Havia mais de um elemento em comum. As duas moyubas, em seus núcleos básicos, tinham sido ensinadas pelos respectivos padrinhos, depois da cerimônia de iniciação, eram empregadas para introduzir outros textos nas cerimônias privadas e como uma unidade fechada nas cerimônias públicas.

Kinkamaché … (nome do orixá a ser saudado). Moyuba to egun que estão no araonú … (nomes dos familiares defuntos de quem faz a invocação) Moyuba oluo, iyalocha, e babalocha que estão no araonú… (nomes dos defuntos religiosos integrados à família ritual). Aqui está seu filho … (nome de quem faz a invocação) que pede a sua benção. Kinkamaché … (nome do padrinho ritual). Kinkamaché … (nome do segundo padrinho ritual).

Moyuba o erí mi. Moyuba oluos, iyalochas e babalochas que coguan no ilé, moyuba igboro e aleyos que coguan no ilé. A benção da minha mãe me alcance, a benção dos meus filhos me alcance, a benção dos meus irmãos. Aqui está seu filho … que lhe pede: me livre de iña, arayé, tiya-tiya, achelú, acobú, fitibo, ikú, /anú. Que me livre de tudo o que é mau.

Toto jun ko me fi edeno Arayé jun ló Ikú jun ló Anú jun ló Ofó jun ló

Kosi ikú kosi kofé anú kosi ofé jun ló

Folé owó Folé ayé Folé aché Aqui está seu filho … que lhe pede a sua benção, saúde, forças e energia.

A velha foi transformando-se, sofreu um processo de mudança no qual manifestou-se o fator individual que resultava mais afim à medula estrutural do corpus santero. Outra diferença estriba em que o meu amigo havia reconstruído a moyuba, ensinada pelo seu padrinho, acrescentando-lhe um texto encontrado em um livro de Fernando Ortiz. Estava em presença do diálogo que, ao menos em nossa sociedade, se produz entre a oralidade, o documento escrito e a prática cotidiana. Não fortuitamente o professor Argeliers León referia-se à tradição oral-escrita como um binômio inseparável.

Não quero passar por alto que a primeira parte desta moyuba está dedicada à invocação dos antepassados. A seleção dos nomes que integram a lista fica à livre escolha do sujeito que os invoca. Os antepassados citados estão em relação direta ou indireta com o sujeito, através da sua própria experiência de vida, a dos seus padrinhos ou a que se assume como da família ritual. Deste modo podem aparecer na relação, nomes de pessoas não conhecidas pelo iniciado que faz a reza; neste sentido há exemplos paradigmáticos: Obadimelli, Fermina Gómez, Pepa e Susana Cantero.

Nestas duas variantes, dentre as múltiplas que podemos encontrar, encerram-se senhas que permitem uma aproximação ao sistema de pensamento santero e a alguns dos mecanismos internos que caracterizam e qualificam a prática ritual. Eles marcam diferenças com o antecedente e com a própria Santeria como referente. Cumpre-se aqui a consideração de Greimas quando afirma que “o mundo humano parece-nos definir-se essencialmente como o mundo da significação. O mundo somente pode ser chamado de ‘humano’ na medida em que significa algo” [24].

No sentir omni-abarcante que os religiosos imprimem à moyuba, expressa-se sua relação com a natureza, da que se infere sua totalizadora concepção do universo, deduzível do “kinkamaché to gbogbo oricha”.

O kinkamaché constitui o cumprimento jubiloso, de ventura e dita, ao conjunto de orixás, e leva implícita a solicitação de saúde e bem-estar psicofísico do indivíduo. Esse bem-estar abre as portas da harmonia como tendência universal e manifestação do equilíbrio cósmico e individual.

A invocação genérica de todos os orixás inclui – porém de modo temperado – suas particularidades individuais e evoca um fundamento tradicional que desanda a história e se inscreve na atemporalidade desconhecedora de fronteiras cronológicas; lá teve lugar a formação e a origem da vida. Referem os velhos santeros, e recolhe-se nos manuais de Santeria, que:

Na África, como em todas partes, têm suas crenças fundadas em algo original ou histórico; diz-se que antigamente, antes de Cristo andar neste mundo, não havia árvores, nem rios, nem mares, senão chamas, candela e fogaréus. Isto aconteceu por muitos séculos e como conseqüência deste vapor, produzido pelas chamas, acumularam-se muitos gases formando nuvens que não se mantinham no espaço, e tudo graças à vontade de Olofi. Então essas nuvens errantes carregadas d’água precipitaram-se sobre as chamas na parte onde mais intenso era o fogaréu e, como era tanto o peso dessas águas, a terra abriu-se, esta foi afundando formando grandes charcos que hoje são conhecidos por oceanos e é onde nascem as Yemayaes (Yemonjás), desde Olokun até Okuti. Depois, essas chamas foram acumulando-se ao redor até que se converteram no que hoje chamamos sol, nasce Aggayú (Aganju). Depois, as cinzas daquelas rochas e corpos sólidos foram acumulando-se e misturando-se com o vapor e a umidade, converteram-se em lodo e pestilência, segundo dizem, nasce São Lázaro. Mais tarde, a terra foi tornando-se mais fértil e úmida, dando origem às plantas e flores, nasce Osain (Ossain). Em conseqüência das massas de vapor e umidade que se derramavam sobre a terra, foram abrindo-se brechas e canais para afastar esse líquido, dando origem aos rios, nascem as Ochunes (Oxuns), desde Ikolé até Ibuindo. Não foram queimadas todas as rochas e mediante processos, tornaram-se montanhas e lombas, nasce Oke (Okê). Diz-se que o vulcão deu origem a Aggayú e por isso se diz que é Oroiña (Oranmiyan), o que quer dizer “filho da entranha da terra”. Obatalá foi criado por obra e graça do senhor Olofi” [25].

No inicio do trabalho comentava que não se reconhecem referências muito consolidadas ligadas ao antecedente africano. Àfrica perfila-se como algo afastado, onde está situada a origem. O homem, os princípios de autoridade, a família, o entorno social e o sobrenatural concretizados em ações específicas, localizam-se em um espaço indeterminado; podendo ser o mesmo a cidade que o campo, o céu ou a terra, o rio ou o mar, a planície ou a montanha, como se manifesta em outros “pataquines” (patakís). De fato, ficam involucrados todos os espaços aos que o sujeito tem ou crê ter acesso, física ou espiritualmente, e adquire categoria de sagrado em virtude da omnipresença das divindades.

Os orixás que segundo esta versão vão se conformando conjuntamente com a natureza, não constituem – segundo colocam de manifesto outros relatos- arquétipos morais, não são infalíveis diante das fraquezas humanas, não são dogmáticos, e o seu gosto pelo jogo, a anti-solenidade e certa provisionalidade de suas emoções e ações, flexibilizam o sentido transcendente emanado das histórias que explicam como o santo nasceu do morto ou – dito em termos ortodoxos – “ikú lovi ocha”.

A invocação do defunto, do antepassado, do que está “ibaé”, precede qualquer cerimônia; nela está implícita a solicitação de benção; assim, o “aché awó, aché baba ikú, aché / aché to gbogbo made lo ilé Yansa” é interpretado pelos religiosos como “bendiga-me, maior, Pai defunto. Bendigam-me todos os que habitam na casa de Yansa (Yansã)”.

O mistério do fraco, conjuntamente à força do suave, entremesclam-se com a ingenuidade e a temeridade, com a necessidade de perpetuar e perpetuar-se em palavras e objetos que simbolicamente representam forças universais. Esta sugestiva espiritualidade serve de suporte conceitual aos “otanes”, pedras representativas do poder dos orixás, como tenho mencionado antes. Elas são a continuidade do ser, são o princípio único que radica na natureza e que perdura através de todos os tempos, além das idades; com as luzes que conduzem as ações humanas e também as sombras.

O morto/antepassado e o santo/orixá estão associados à história do nascimento de Eleguá; o otá, ou pedra que serve para representar ao menino-príncipe depois que morre, se faz extensivo a todos os orixás. Tudo parece indicar que Eleguá, divindade polar, representativa da vida e da morte, da alegria e da tristeza, dos caminhos e das encruzilhadas, é o ponto de partida de una harmonia conseguida por contrastes, de um equilíbrio que descansa sobre tensões. Conta a história do nascimento de Eleguá:

Havia em uma tribo africana um obá que se chamava Ocubero e sua mulher Oñagui e estes tiveram um primeiro filho a quem chamaram Eleguá. Eleguá cresceu e como príncipe que era, nomearam-lhe seu séquito palaciano, ou seja, sua guarda. Um dia, já feito um rapagão, Eleguá saiu com sua guarda a passear e ao chegar a um lugar em que havia quatro caminhos, seu séquito, sem saber a causa, também parou; vários segundos depois Eleguá deu uns quantos passos e deteve-se outra vez. Eleguá repetiu esta operação por três vezes e seguiu até chegar ao lugar daquilo que ele viu e que o fez se deter. Era uma luz, como dois olhos iluminados, que estava no chão. Aquilo foi um assombro para o seu séquito, pois quando chegaram no lugar, viram que Eleguá se agachou e colheu um côco seco. Aquele rapaz era tão atrevido que em tudo se metia, já fosse mau ou bom, no temia a ninguém nem a nada; tão pronto era teu amigo como teu inimigo, envalentonava-se por ser príncipe e tinha temido aquele insignificante coquinho. Eleguá levou o côco para sua casa e contou aos seus pais o que tinha visto, mas ninguém acreditou. Eleguá jogou o côco por trás da porta e ali o deixou. Porém, um dia, estava reunida toda a casa real e o seu séquito em uma festa, quando todos viram com grande assombro as luzes do côco e todos se horrorizaram com aquilo. Aconteceu que três dias depois da festa, Eleguá morreu e durante todo o tempo do velório, aquele côco esteve iluminando. Foi respeitado e temido por todos. Passou muito tempo da morte do príncipe e o povo passava por uma situação desesperada. Os maiores, os awos, reuniram-se e concluíram que isso era conseqüência do estado de abandono daquele côco deixado pelo príncipe. Foram brindar-lhe holocausto, mas, ao aproximar-se dali, viram que o côco estava vazio, comido pelos bichos. Então, deliberaram acerca daquele objeto que tinha que perdurar através dos séculos e viram e pensaram que o côco não servia para venerá-lo, então pensaram na pedra, otá, e foi aceita e lavaram-na. Puseram o otá em um canto, que é o que fazemos hoje em dia [26].

Côco e pedra são representativos do efêmero e do perdurável, do transitório e do eterno, do mutável e do imutável, da encruzilhada, da perfeição. Associada a estes significados aparece a ética latente por trás de todas as ações. O relato do côco em sua condição de Obi nos aproxima desta problemática.

Olofi tinha muita estima por Obi. Obi era justo e puro de coração, modesto e simples como os justos. Olofi fez branco o coração de Obi, fez brancas as suas entranhas e pele e elevou-o a grande altura. Mas Obi envaideceu-se nas alturas. A serviço de Olofi estava Eleguá, criado também de Obi. Um dia Obi deu uma festa e mandou convidar a seus amigos com Eleguá, que conhecia todos os amigos de Obi. Todo o mundo considerava-se amigo de Obi e entre estes, junto aos grandes da terra, os Okokus, Olorogu, Tobi Tobi, Oriseso, Ogboni, Ayuyebalogué, encontravam-se os pobres, os aere, achini, oburegua, aimó, alaquisa elegbo, gente feia, miserável, suja, chagada, indigente. Os feios, os deformes e os formosos, os limpos e os sujos, todos queriam a Obi. Eleguá tinha observado mudanças em Obi, tinha surpreendido detalhes de arrogância e de orgulho que manchavam invisivelmente a sua imaculada brancura, e ao invés de convidar exclusivamente os ricos, como era a intenção de Obi, só convidou esmoleiros, esfarrapados e mal cheirosos, homens e mulheres defeituosos de feiúra repugnante. Quando Obi, no dia da festa, contemplou aquela turba feia e miserável de maltrapilhos e tolhidos, perguntou-lhes fora de si sobre quem os tinha convidado; responderam que tinha sido Eleguá em seu nome. Obi despediu-os, não sem tê-los repreendido duramente por terem se apresentado diante dele naquele estado de sujeira e abandono. E assim, os miseráveis da terra foram embora da casa de Obi envergonhados e Eleguá foi com eles.

Algum tempo após isto, Olofi enviou Eleguá à terra com um recado para Obi. Eleguá negou-se a levá-lo e contou-lhe da conduta inclemente de Obi. Olofi disfarçou-se de mendigo e foi buscá-lo. Obi, vendo àquele okure astroso que ameaçava contaminá-lo com seus farrapos hediondos, pediu-lhe que se afastasse e lhe increpou por não se ter banhado e vestido um acho (axó) limpo antes de se lhe apresentar. Deu-lhe as costas. Então, Olofi, sem fingir sua voz, pronunciou o nome de Obi com indignação e este virou, estranhado. Reconheceu Olofi e lançou-se aos seus pés. “Perdão”. E Olofi disse: “Obi, tu eras justo, por isso te fiz branco o coração y te dei um corpo que era digno do teu coração. Para castigar teu orgulho, ainda que conserves brancas as entranhas, baixarás das tuas alturas para rodar e sujarte na terra”. E o castigo consistiu em cair da rama e rodar pelo solo. Desde então, o côco serve para “quebrar enfermidades”. O que ofendeu aos tolhidos e chagados, negando-se a admití-los em sua festa, roda nas casas mais pobres onde há enfermos e limpa-os por Obatalá [27].

Este mesmo Obi é o que se emprega para a adivinhação e todos os orixás “falam” através dele. Em outra história, narra-se que Obatalá reuniu todos os orixás sob um coqueiro para repartir hierarquias e mandos e pôs aos pés de cada santo um côco partido; assim, todos os orixás têm direito a ele; desde então, nenhum rito pode se realizar sem a oferenda do côco a iku, eguns e orixás. Todos os caminhos conduzem à presença do morto, o antepassado defunto, e com isto, a manifestação de expressões mediúnicas e os nexos com o espiritismo em suas versões locais.

O oddun (odu) ou letra do sistema de predição interpretativo conhecido como caracol (búzios) ou dilogun (meridilogún), denominado “oché” (oxê), caracterizado pelo signo onde se fala de família e tragédia, em um de seus “ebbo” (ebó) [28] usa-se o que alguns italeros [29] chamam “chequeché”. Contam que assim se denominava a ação que deu fundamento ao santo em Cuba; afirma-se que alguns iorubas escravizados trouxeram no pescoço um fio branco com uma pena de papagaio e um fio preto com o axé do santo-obi, erú e kola. Estes traziam a autorização para se auto-coroar, pois esses objetos eram evidência de que o processo de iniciação não tinha concluído em seu lugar de origem.

Se a existência do “chequeché” corresponde ou não à realidade histórica, não estamos em condições de assegurá-lo; porém, é indiscutível que muitos religiosos, apegados teoricamente a posições ortodoxas, preservam um lugar especial para a origem ou assentamento cubano desta prática e o papel desempenhado pelos antepassados. Estes, servem para marcar diferenças com o antecedente africano. Depois de se solicitar a benção, pede-se licença:

Moyuba erí mi Moyuba babalao, oluo Moyuba iyalocha, babalocha Moyuba igboro aleyos to gbogbo made le ilé

Com este segmento penetramos no mundo presente, no cotidiano, no acontecer que, sobre o passado sedimento, atúa com força para se projetar sabiamente ao futuro. Com a permissão da cabeça, que todos sabem salva ou perde se não ouve conselhos; com a permissão dos babalao, oluos, iyalochas, babalochas, igboros e até os que ainda têm um incipiente ou nenhum compromisso com a prática, é que podemos então, intentar alcançar a harmonia.

È necessária a permissão de todos eles, porque segundo credita outra velha expressão – de origem ioruba- convertida em sentença: “Obedi ka ka obedi le le”, (Olofi repartiu o conhecimento entre todas as cabeças). Todas elas são portadoras de sabedoria e, portanto, dignas de respeito e consideração. A esta concepção articula-se outra não menos significativa, a da rejeição ao desprezo, ao envaidecimento, à falsa concepção de superioridade e a excessiva arrogância. Vale a pena recordar a história de Obi e a de Erí (Ori) e Oriolo.

A cabeça é que leva o corpo. Como Erí dizia que ele era Obá, o orifício disse, contudo, que o rei do corpo era ele e que o provaria. O que fez Oriolo? Fechou-se. Passou um dia, dois, a cabeça não sentiu nada. No quarto dia: a cabeça bem, acaso um pouco pesada, mas o estômago e o intestino estavam um pouco inquietos. No sexto dia, ilú, o ventre, estava gravíssimo, wowo, o fígado, odosú, duro como um pau, e Ori começou a sentir-se mal. Muito mal. Eluyó, a febre, fez a sua aparição. O purgante lerroá não se conhecia então e a situação piorou a partir do décimo dia, porque tudo funcionava mal e a cabeça, os braços, e as pernas não podiam se mover. O que entrava o purgante de guasasí não saía. A cabeça não pôde se levantar da esteira para levar o corpo. Ela e todos os órgãos tiveram que rogar ao Orifício para que se abrisse. Ele demonstrou o importante que é, mesmo que ninguém o considere aí onde está, na escuridão e desprezado por todos [30].

É freqüente ouvir a recomendação de babalochas e iyalochas de refrescar erí [31] para evitar ações que entorpeçam o presente e comprometam o futuro individual e familiar. À cabeça lhe é concedida especial importância e os religiosos afirmam que “a cabeça guia o corpo” e que “orelha não passa a ser cabeça”. Dela é dono Obatalá, símbolo da pureza, da tranqüilidade, da harmonia e da paz.

Em erí assenta-se o Anjo da Guarda, ou seja, o santo que atúa como pai ou mãe do indivíduo, ou aquele que possibilita que este seja recebido através de uma cerimônia especial denominada “oro”.

A permissão que se pede à cabeça é dirigida, em última instância, ao orixá. Este sói estar em todas partes acompanhando seu omó, mas especialmente encontra na casa, no “ilé” de seu filho. Sendo a casa a residência do orixá, esta advém em templo, transforma-se em um lugar sagrado.

A moyuba involucra a casa quando se diz: “to gbogbo made lo ilé”. Com isto, alude-se a todos os presentes na vivenda, os que vieram à cerimônia, os que estão de visita, os vizinhos que ocasionalmente entram e saem, os familiares que acreditam e os que não acreditam. É indubitável que este é, para o santero, um lugar sagrado, superprotetor e superprotegido. A casa é uma entidade de transcendência cósmica, cujas raízes afincam-se nos otanes de fundamento, aqueles que são representativos do poder do orixá.

Casa e universo fundem-se para preservar o homem. Nada há de insignificante, nada de minúsculo; tudo é eminente, superior. O valor particular da casa é dado pela presença, entre outros, dos guerreiros, o canastillero, os santos de adimú, plantas e animais consagrados ao orixá.

As divindades encarnam forças incomensuráveis destinadas, no particular e no geral, a orientar o destino dos homens; sopeiras, lebrillos, bateas (gamelas com tampa), receptáculos todos empregados para conter os otanes, não são prisões que ocultam o proibido, nem oprimem o sacrílego, mas espaços que guardam a intimidade do sagrado, a privacidade do ser.

Solicitar permissão ao erí e a todos os presentes, como se faz na moyuba, é pedir autorização para entrar em contato com a terra profunda, com a grandeza que transcende as idades.

Folé owó Folé ayé Folé aché

Esta petição vai acompanhada de um movimento circular de braços e na direção da pessoa que faz a invocação para atrair diferentes venturas. Aqui, põe-se de manifesto que o divino não exclui a o cotidiano, nem o metafísico o físico. O homem que através da cerimônia de iniciação tem buscado um espaço para viver em harmonia, ou ao menos tratar de encontrá-la, reclama proteção e amparo.

Da moyuba pode inferir-se que o homem santero centra sua atenção naqueles problemas que podem perturbar o desenvolvimento e consumação de aspirações e sonhos se não são devidamente controlados; por conseguinte, sempre que possível, há que se afastar a tragédia (arayé), a morte (ikú), as vicissitudes (ofo), as enfermidades (anú) e tudo aquilo que possa representar as forças do mal. Só assim pode-se solicitar bem-estar, saúde, força. En suma, “aché” (axé)..

Conclusões

O translado do africano ao Novo Mundo significou uma ruptura espacial e temporal e uma atomização de suas essências culturais. O escravo viu-se obrigado a aprender uma nova língua e a conhecer uma nova mentalidade. Teve que sobreviver em meio a desequilíbrios sociais, econômicos e políticos, aguçados pelos preconceitos que derivaram da sua condição de negro e escravo. Tudo isto favoreceu, sobre tudo em seus descendentes, como quase em todos os cubanos, uma assimilação flexível da realidade ajustada às contingências do “reino deste mundo”. Nisto influíram muitas das concepções que constituíam núcleos significativos nas culturas matrizes; sirva de exemplo, a noção de iwàpèlé contida no corpus de Ifá ioruba-nigeriano [32].

A Santeria – e isto pode fazer-se extensivo a outras manifestações da cultura popular tradicional – não aceita a impositiva extrapolação de etiquetas e rótulos classificatórios, criados para explicar fenômenos de outras latitudes que, fora de seus contextos e aplicados mecânicamente, tendem a imobilizar práticas culturais vivas ou interatuantes com o acontecer sócio-cultural do contexto em que estão inscritas.

Essa resistência a ajustar-se a cânones externos que se manifesta na Santeria, encontra, pelo nosso juízo, seu ponto de partida na confluência, praticamente simultânea, de heranças culturais dissímis em tempo e espaço, que se produz em terras de “aquém do Atlântico”, na imprescindível reconstrução espontânea de universos estruturados sobre remanescentes culturais das sociedades tradicionais africanas que facilitaram, no essencial, a articulação de todas aquelas normas que se fizeram funcionais para o sujeito inserido, por vontade própria ou de forma obrigada, em um novo contexto; na permanente recriação do legado que se assume como tradicional, e na vontade de assumir, premeditadamente, uma mudança.

A natureza inovadora do homem e o desenvolvimento científico-técnico agilizam as mudanças sócio-culturais, ainda quando as estruturas, às que o sujeito vincula significativas essências do seu ser, estão regidas por normas tradicionais, como ocorre para o sujeito santero.

Este homem não vive escravizado por essas normas. A dinâmica da vida social e sua ativa participação nela, condicionam o estabelecimento de vínculos com outros sistemas de regulações sócio-normativas e informacionais que condicionam câmbios nos valores, condutas e projeção social dos sujeitos.

Se o homem santero pode conseguir que o seu filho ingresse na universidade, fará tudo o possível para que isto se cumpra. Não subordinará o possível desenvolvimento científico de seu hijo ao processo religioso, senão que este, colocar-se-á em função de facilitar-lhe o acesso às aulas universitárias e à carreira preferida do jovem. Nesta, entre outras possíveis situações, insere-se o homem santero em Cuba.

A projeção do sentido de pertença ao grupo e o sentimento de identidade que se gera pela sua condição de santero, são o resultado de uma peculiar inter-relação entre a tradição familiar que se transmite de pais a filhos e afilhados, e a inserção, adequada ou não, do ideal hegemônico do sujeito no meio social em que vive.

A assunção da mudança, na ordem pessoal, inclui o desenvolvimento da capacidade de construir, arraigar, generalizar e defender por um lado, a apetência de independência, pelo que se faz essencial para o sujeito, saber que pode dispor de múltiplas opções. É também importante conhecer os mecanismos de contenção, pois a escolha não depende só da sua vontade, mas também da sugestão emitida pela divindade, através das variantes preditivo-interpretativas.

Salvo nos casos de iniciação de crianças, o restante das pessoas que se iniciam na Santeria, no momento da sua chegada à “coroação”, está formado ou deformado sócio-culturalmente. A prática ritual pode exercer certa influência sobre o indivíduo, se está em disposição de atender às sugestões de seus maiores no santo e, logicamente, dos orixás. Isto favorece seu enriquecimento espiritual e consolida, no dizer dos religiosos, sua vontade individual de mudança.

A inter-relação dos sujeitos com diferentes meios sociais e culturais, dentre os que se encontra a família ritual e com ela, a persistente e permanente circulação de bens culturais e idéias religiosas e extra-religiosas, contribuem à re-semantização dos estereótipos santeros.

A existência da família ritual é transcendente; primeiro, porque funciona como suporte do saber tradicional e constitui sua custódia principal; segundo, porque a informação convive no seio de várias gerações e ela enriquece seu caudal pela confrontação destas; terceiro, pela fluida relação entre transmissão oral e escrita do legado.

A projeção de estereótipos individuais e coletivos, forma parte de todo um sistema de valores e conhecimentos. Para o homem santero nada é mais importante que o homem.

Ao redor deste, constroem-se os princípios de autoridade sustentados pelo culto à prudência, ao respeito à experiência, à medida e à precaução; aqueles sustentam, ao menos teoricamente, à família, e esta é envolvida pelo entorno social.

A confrontação da identidade, no contexto santero, é um processo permanente em que se articulam momentos de ascensão e descenso da informação sócio-cultural aprendida, de reconhecimento, negação e superação dos juízos e valores com os que o sujeito opera.

A identidade cultural não se constrói exclusivamente dentro dos limites de certas esferas do saber previamente determinadas, nem elas devem ser erigíveis como áreas paradigmáticas de construção da identidade.

A Santeria, sem que seus portadores-membros sejam porta-vozes premeditados de certas variantes internas de identidade, é um suporte de fenômeno tão complexo.

Atos ou fatos culturais da natureza da Santeria, implicam na transmissão no tempo e propagação no espaço, de múltiplas informações, concepções e comportamentos que, aparecidos em certos estratos sociais, se deslocam para outros.

Hoje, quando olhamos ao nosso redor e constatamos que o “oché” (oxé) do nosso Changó tem homólogos na antiga civilização cretense; que os banhos de “mewa” propõem longínquas associações com a cultura do antigo Egito; que a divina Ochún tem na americana cabaça seu adorado cofre; que à valente Oyá, alguns religiosos lhe dedicam beringelas, cuja origem reconhece-se na Índia; que babalaos, babalochas e iyalochas recomendam pôr rosas e açucenas aos orixás e espíritos, é evidente que estamos na presença de mudanças, trasmutações e deslocamentos que involucram, em maior ou menor medida, muitas culturas do planeta.

A nosso Changó lhe são postas maçãs, sempre que se possa, e a Santa Bárbara, bananas, que não têm que ser índios e até podem ser plásticos. Todos nossos orichas gostam do tabaco; o mesmo que desfrutavam nossos aborígines e que, pela ação da conquista e da colonização, estendeu-se a todos os confins do globo terrestre. Em qualquer cerimônia encontramos cakes (bolos) colocados como oferendas aos pés dos “tronos” (pejis); muitos destes peculiares altares, são adornados com mantões de Manila, lenços de seda chinesa, sofisticados ornamentos e rendas que até não muito tempo nos chegavam da Europa do Leste.

Defender o direito de existência do cake para Obatalá é preservar o espaço para as mutações que se produzirão independentemente da nossa vontade, pelo papel que a vida cotidiana desempenha no funcionamento e regulamentação da cultura popular tradicional.

Todos os que defendem, aberta ou solapadamente, a iorubização da Santeria, devem meditar sobre isso e sobre a responsabilidade que contraem assumindo uma postura tendente à despersonalização de tão rico e complexo fenômeno, sub-valorizando outros dos seus rumos. Ainda que bons propósitos animem essa idéia, vale a pena recordar que, de boas intenções está empedrado o caminho do inferno.

Algo tranqüiliza, e é que em nossas culturas não tem havido muito espaço para o padre-mestre que pretende culturizar o “esperto”, pois sempre uma língua trífida, em tolerante e lascerante atitude soube dizer: “Não seja bobo compadre”. Ao que, contemporaneamente se acrescentaria: “Desencana. Confiemos!

Notas

1. Taller Internacional: Influencia yoruba y otras culturas africanas en Cuba. La Habana, Palacio de Convenciones, 25 a 30 de maio de 1992.

2. Os termos iyalocha e babalocha têm-se empregado em Cuba para designar a mãe e o pai-de-santo, de acordo com sua etimologia (iya = mãe; baba = pai; ocha = orixá). O primeiro, aparece consignado por Lydia Cabrera em Anagó (La Habana: Ediciones CR, 1957: 177), mas não assim o segundo, o que faz supor que, ao menos naquela época, não era um vocábulo de estrita origem ioruba, ainda quando as duas palavras que o conformam remetam a esse antecedente. Na atualidade, esses termos resultam mais em distinções técnicas do que vocábulos em uso. De cem entrevistas realizadas a santeros com mais de cinco anos de “iniciados” na Santeria ou Regla de Ocha, só quatro puderam dar o significado; o resto não o sabia ou deu significados errôneos. Estes termos têm sido substituídos pelos de “madrinha” e “padrinho”. O vocábulo babalao provém de baba, pai, e awo, segredo. Emprega-se para designar os homens consagrados à adoração de Orula (Orunmilá), deus da adivinhação na Santeria ou Regla de Ocha-Ifá e à interpretação do sistema de Ifá. Mantém atualidade e vigência.

3. Raymond Firth, Social change in Tikopia, Londres, 1959: 10.

4. Fernando Ortiz, El engaño de las razas, La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1974: 35.

5. Cintio Vitier, Lo cubano en la poesía, La Habana: Editorial Letras Cubanas, 1970: 433.

6. Fernando Ortiz, Africanía de la música folklórica de Cuba, La Habana: Editorial Universitaria, 1965: 113.

7. Moisés Kagan, “Del sincretismo artístico al sistema de artes contemporáneo”, em: Problemas de la teoría del arte, La Habana: Editorial Arte y Literatura, 1989, t.4: 273.

8. Basil Davidson, Mère Afrique, Paris: Presses Universitaires de France, 1965: 23.

9. Berta J. Sharevskaya, “Las religiones del Africa tropical. Contribución a la crítica de las concepciones fideístas occidentales de los cultos africanos autóctonos”, em: Armando Entralgo, comp., Africa. Religión, La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1979: 51.

10. Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des nègres entre le Golfe de Benin et Bahía de Todos os Santos du XVIIe au XIXe Siècle, Paris: Mouton, 1968:

11. _____, Orixás, Salvador: Corrupio, 1981: 72.

12. Ibid.: 78.

13. Wande Abimbola, “Iwápèlé: The concept of good character in Ifa Literary Corpus”, em: Yoruba Oral Tradition, Ife: University of Ife, 1975: 380.

14. Fernando Ortiz, Los bailes y el teatro de los negros en el folklore de Cuba, La Habana: Publicaciones del Ministerio de Educación, 1951: 146. 15. Jean Casimir, “Cultura oprimida y creación intelectual”, em: Pablo González Casanova, comp., Cultura y creación intelectual en América Latina, La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1978: 66.

16. Ibid.

17. Vil B. Mirimanov, Breve historia del arte, La Habana: Editorial Arte y Literatura, 1980.

18. John Beattie, Otras culturas, México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1972: 321.

19. Fernando Ortiz, El engaño de las razas, Op. cit.: 304. 20. Heriberto Feraudy, Yoruba, La Habana: Editora Política, 1993: 190.

21. Martin Lienhard, La voz y su huella, La Habana: Casa de las Américas, 1989: 153.

22. Os textos entregados diretamente pelos religiosos, ou tomados de livros ou outras fontes documentais, reproduzem-se fielmente no presente trabalho.

23. Rodolfo Poey, Entrevista realizada em El Cotorro, 1990. 24. A. J. Greimas, Semántica estructural, Madrid: Gredos, 1971: 7.

25. Pedro Arango, “Manual de Santería”, em: Lázara Menéndez, comp., Estudios afrocubanos, La Habana: Universidad de La Habana, 1990: 238-9.

26. Nicolás Angarica, “El ‘lucumí’ al alcance de todos”, Ibíd.: 100-1.

27. Pedro Arango, Op. cit.: 161-2.

28. Ebbo, em Cuba, é sinônimo de oferenda, purificação.

29. Também são denominados Obbas e Oriatés. É provável que o vocábulo derive de itá, palavra que designa em Cuba a “reunião de Iyalochas e Babalochas que se celebra às setenta e duas horas de ter-se feito um santo, para consultar (‘registrar’) o Dilogun sobre o destino de um iniciado”. (Lydia Cabrera, Anagó, Op. cit.: 174.)

30. Pedro Arango, Op. cit.: 152.

31. Erí, em Cuba, é sinônimo de cabeça.

32. Vide: Wande Abimbola, Op. cit.: 389. > (Tomado da Revista Temas, 1995)

© 2010 Eleda.org Web design and development by Tami Jo Urban Suffusion WordPress theme by Sayontan Sinha