JB Online
Mãe Cidália, respeitada no Candomblé, chega à capital
Larissa Guimarães, Repórter do JB

Os atabaques, tambores africanos indispensáveis nos cultos do candomblé, tocarão mais alto nos terreiros de Brasília a partir de terça-feira. É que uma das filhas religiosas da famosa Mãe Menininha do Cantuá, a Mãe Ebomy Cidália de Iroko, chega na capital federal pela primeira vez no dia 4. Ela é uma das figuras mais respeitadas do Candomblé na Bahia e no Brasil. A abaigena do Cantuá (espécie de irmã antiga da casa, que cuida de diversas questões do terreiro) terá encontros com a maioria dos pais e mães-de-santo de Brasília e participará de diversas festividades em casas de Candomblé da cidade.

– Quero visitar os amigos e levar paz e axé à Brasília, a força maior – diz a abaigena.

Na agenda de Mãe Cidália estão marcados encontros com autoridades ligadas ao Meio Ambiente e, possivelmente, uma audiência com o ministro da Cultura, Gilberto Gil. Entre os assuntos que deverão ser tratados, está a criação de um parque para o culto de árvores sagradas.

Mãe Cidália é filha do orixá (deus ou força da natureza) Iroko, ligado ao culto das árvores e da natureza. Segundo estudiosos do candomblé, Iroko é um orixá raro, que esteve prestes a ser esquecido tempos atrás. O culto a Iroko foi difundido em terreiros do Rio de janeiro por Mãe Cidália e, assim, reavitalizado.

– Iroko é um orixá muito difícil de dar nas pessoas e tenho muito orgulho disso. Do mesmo jeito que tenho orgulho de ter sido criada no Candomblé e de ser negra – conta Mãe Ebomy Cidália, que também faz parte do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade negra da Bahia.

O ministro Gilberto Gil e sua mulher, Flora Gil, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), os cantores Maria Bethânia, Caetano Veloso e Daniela Mercury e o publicitário Duda Mendonça são apenas alguns dos ilustres que passaram pela casa de Mãe Menininha do Cantuá. O centro ficou muito conhecido pelo atendimento a diversos políticos de renome em Salvador.

Amigos e conhecidos de Mãe Ebomy Cidália dizem que ilustres de Brasília já demonstraram interesse em consultá-la. Mas essas consultas ainda não foram confirmadas.

– Ela é uma pessoa de grande importância para a história do Candomblé. A visita de Mãe Cidália vinha sendo muito esperada – conta a Ia-Ebé (mãe da comunidade) Cláudia de Ogum.

Entre os nomes dos babalorixás (pais-de-santo) e yalorixás (mães-de-santo) que aguardam a chegada de Mãe Cidália, encontra-se figuras conhecidas e respeitadas do candomblé de Brasília como Pai Pedro de Oxóssi, Pai Agnelo de Xangô, Mãe Marisa de Oxum e Mãe Iracema de Omolu.

– Ela representa parte da história do Candomblé. Conheceu três grandes escalões de sacerdotisas do culto, incluindo Mãe Menininha. Foi ela (Mãe Minininha) inclusive que iniciou Mãe Ebomy Cidália na religião – explica o babalorixá Ronaldo de Oxum do Ileaxé Ope-afonjá, um dos mais conhecidos pais-de-santo de Brasília.

Mãe Ebomy Cidália, hoje com 72 anos, chegou à casa de Mãe Menininha do Cantuá aos oito. A sacerdotisa é conhecida por religiosos como mulher de grande sabedoria e inteligência.

– É um nome amado e muito respeitado por todos os terreiros do Brasil. É umas das pessoas mais sábias do culto hoje, dotada de uma inteligência extraordinária – diz o Ogan (espécie de auxiliar de sacerdote no candomblé) Roberval Marinho, também doutor em Artes e Comunicação.

A casa de Mãe Menininha é de longe o mais conhecido terreiro da Bahia. O Cantuá surgiu de outro terreiro, o Ilê-axé Iya Naso, a mais antiga casa de culto de candomblé, com cerca de 300 anos. O nome Cantuá veio da palavra francesa Gantois, aportuguesada. Segundo estudiosos, Gantois era o nome da família francesa que vendeu o terreno onde hoje funciona a casa do Cantuá. A fundadora foi a yalorixá Maria Júlia Nazaré, que abriu o terreiro em 1849.

Apesar dos longos anos, Mãe Ebomy Cidália é conselheira de grande parte dos terreiros de Salvador. O nome Ebomy quer dizer minha irmã mais velha em Iorubá, um dialeto africano. Mãe Cidália é mentora de um dos mais famosos e respeitados babalorixás da Bahia, Augusto Cézar de Logun Edé. E também troca figurinhas com outros grandes terreiros, como o Pilão de Prata do Pai Air José, também consultado por políticos de Salvador.

– Não tenho terreiro de Candomblé aberto, mas como sou muito solicitada tenho o mesmo trabalho que uma mãe-de-santo – explica.

Correo da Bahía
Devoção de pescador
Cerca de 40 mil pessoas participaram da grande festa no mar para saudar Iemanjá, no Rio Vermelho
Pablo Reis

O presente dos pescadores à deusa das águas foi uma réplica do Farol da Barra

A réplica do Farol da Barra, que era um segredo do pescador Zé Coió, 58 anos, virou oferenda. E de presente se transformou em ponto culminante da Festa de Iemanjá, ao ser levada para o mar no final da tarde de ontem pelo saveiro Rio Vermelho. Se fosse apenas o ato de conduzir ao oceano uma maquete de um ponto turístico de Salvador, a festa já teria o mérito de renovar uma tradição de 76 anos. Mais do que isso, o presente de Iemanjá também representa a crença de milhares de devotos e o legado profano de uma festa de largo de grande porte, a única que resiste com grande força, em conjunto com a Lavagem do Bonfim. Segundo estimativa da Polícia Militar, aproximadamente 40 mil pessoas lotaram a orla do Rio Vermelho, ontem.

Flashes de fé e pura diversão, devoção e total algazarra compõem o curso das homenagens à rainha das águas no 2 de fevereiro. A fila com centenas de metros de gente tentando deixar seu mimo (de um ramo de rosa a uma boneca gigante) em um dos 350 balaios disponibilizados pelos pescadores da Colônia Z-1 é uma das principais provas da veneração. A orixá considerada deusa do Rio Ogum, na Nigéria, originariamente uma negra gorda símbolo de fertilidade, encontrou na confiança dos baianos o motivo de um altar marinho. “Ver essas três filas de pessoas que não medem esforços para oferecer suas lembranças é uma satisfação grande”, vibra Eulírio Menezes, conhecido como Tenente, 75 anos, organizador há 20 do cortejo marítimo.

A fala de Tenente coincide com a chegada de quase 300 embarcações nas proximidades da praia de Santana. Na fila onde não há cansaço, reclamação ou desistências – apenas ansiedade -, Celita dos Santos, 56, aguarda sua vez de depositar um arranjo de flores amarelas no balaio. “Desde os 15 anos, cumpro esse ritual. Antes eu colocava diretamente na escuna. Quero pedir paz para o país e proteção para a minha família”, revela. No meio da confusão em frente ao Largo de Santana, blocos de improviso, grupos de amigos uniformizados e charangas, muitas delas, contribuem para dar o caráter eclético à manifestação democrática. De uma idéia surgida em um ano de carestia para os pescadores (1927), nasceu o acontecimento que, 76 anos depois, seria sinônimo de abundância, fartura em apelo popular.

Mistura – Em uma comemoração exclusiva do candomblé, o sincretismo não está presente em sua versão religiosa. A mistura é de tipos, amálgama de classes sociais, caldeirão de objetivos que vão de uma simples tarde de curtição e paquera a um momento de obrigação mística, passando por estratégias de marketing. A ONG Paciência Viva, por exemplo, aproveita a oportunidade para promover um arrastão com uma brasilianista mistura de música, futebol e artes plásticas. Com jogadores da seleção baiana de Beach Soccer e o afoxé Caxerê executando o eclético repertório de ijexá e hip-hop, maracatu e baião, Paciência Viva é uma das entidades que busca atrair adeptos para suas causas, no caso deles, as sócioambientais.

No barracão de abrigo ao presente principal para a dona das águas, baianas entoam cânticos diferentes, em seqüências intermináveis de músicas feitas em dialetos africanos. Tudo é preparação ritualística para a entrega da oferenda. O prefeito Antonio Imbassahy, um dos personagens obrigatórios no 2 de fevereiro, repete, pouco antes das 17h, seu ato de depositar uma composição de flores no caramanchão. Na tradição de Iemanjá, o presente pode ser símbolo de agradecimento ou moeda para um pedido. “Eu sempre venho agradecer e prestigiar essa festa, que é uma das mais impressionantes em participação popular no Brasil”, esclarece Imbassahy, acompanhado da mulher, Márcia. “Mas para pedir algo, teria que ser uma sociedade cada vez melhor”, completa.

Oferendas – Os balaios, à medida que ficam repletos de perfumes de alfazema, sabonetes, espelhos, escovas, pentes, bonecas e qualquer outro objeto que possa servir à vaidade de Iemanjá, vão sendo conduzidos por pescadores aos saveiros. O afoxé Filhos de Gandhy, representado por quase três mil integrantes, também carrega seus axés. “Tem dado certo, ela não falha com seus filhos”, confia Ademir Santos Silva, 30 anos, trajado com a vestimenta branca típica, a sandália, o torso e os colares. Ele, como milhares, tem relação longínqua com a devoção, desde que era criança e a tia, Olga Ferreira da Silva, participava da produção da festa.

Até para quem conhece o evento pela primeira vez e não tem pendores religiosos, a beleza é contagiante. “A fé dessas pessoas emociona”, resume a estudante Carolina Mendes, 19 anos, enquanto o caramanchão é carregado pela areia da praia e levado até a embarcação. Os aplausos da multidão são efusivos. A mistura de sensações é intensa e uma mulher incorpora alguma entidade e é apoiada pelo pai que assopra o ouvido. Na orla, sons se confundem. Uma música de discoteca tocada por um DJ em um barzinho da moda que armou um pequeno palanque e o hino interpretado por um coral infantil: “Dia dooois de fevereeeeiro/ Dia de festa no mar/ Eu quero ser o primeeeeiro/ A saudar Iemanjá”.

O saveiro com o presente principal, seguido por centenas de outros, ruma em direção a um ponto incerto, seis milhas mar adentro. Com eles, os agradecimentos pela proteção da dona das águas e os pedidos de fartura para mais um ano. Na beira, um quase-diálogo entre amigas se transforma no cúmulo da credulidade: “A casa dela é linda, cheia de conchas e areia, toda enfeitada de flores”. Diante do olhar incrédulo da companheira, a complementação: “Você acha que tanta gente assim iria dar presentes se não fosse verdade?”.

Estado.Com.Br
Flores e perfumes enchem balaios de oferenda a Iemanjá
Baianos e turistas enfrentam longa fila para cumprir ritual de entrega dos presentes à deusa das águas
Hildete Santana

Quem não chegou cedo ao Rio Vermelho para entregar sua oferenda no caramanchão onde estavam os balaios que seguiriam no final da tarde para o alto-mar precisou de paciência redobrada para esperar longos minutos na fila. Por volta do meio-dia, o bairro já estava lotado, e muitos retardatários preferiram colocar os presentes direto na água para não perder tempo e nem ficar em falta com a deusa das águas salgadas. Marília Fontes mora na Pituba, bem perto dali, mas não abre mão de levar o agrado a Iemanjá no local tradicional. Era para ter chegado cedo, mas a feijoada que minha família estava esperando ficou salgada, eu fui dar um jeito e acabei perdendo o horário. Agora eles vão ter que me esperar para começar a festa, brincou.

Mas a festa já estava nas ruas. Nas transversais que dão acesso à praia, centenas de ambulantes se esforçavam para conquistar compradores para a cerveja gelada, a preço médio de R$1,50 a lata. Refrigerantes e garrafinhas de água mineral podiam ser encontrados a R$1. Para comer, havia de tudo: desde os tradicionais acarajé e abará, churrasquinho, cachorro quente, feijoada e outros pratos mais pesados, como o xinxim de bofe, vendido em residências e bares. No entanto, a clientela só cresceu mesmo a partir das 13h.

Até esse horário, os vendedores de flores eram os mais requisitados. Baldes de rosas, principalmente vermelhas e brancas, chamavam a atenção. A unidade era vendida a R$1 e, eventualmente, aparecia algum ambulante mais afoito, ou esperto, dando saída rápida à sua mercadoria por até R$0,50, a rosa. Mas isso aí não é exatamente uma rosa, é um botão, bradava Olívia do Espírito Santo, 47 anos. E a senhora acha que Iemanjá vai se importar com isso? O que vale é a intenção, respondeu o vendedor Valdir Mendes Couto.

Mesmo assim, houve quem reclamasse do preço das flores. Joana Nascimento preferiu tirá-las do quintal. Não são tão bonitas, mas fazem o mesmo efeito. Além do mais, eu também estou trazendo um vidro de alfazema, um espelhinho e um pente. Não falta nada, disse satisfeita.

© 2010 Eleda.org Web design and development by Tami Jo Urban Suffusion WordPress theme by Sayontan Sinha