Um santuário para Babalú Ayé
por Natalia Bolívar
Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.
Da Revista Cuba Encuentro en la Red Cubaencuentro

Um ancião coxo esconde um Deus,
Que cruza a morte
Com cães congelados,
Onde nasceu o proibido.
Em sua armadura de lepra
Move-se a vida perfeita.

San Lázaro No povoado de Pedro Betancourt, em Matanzas, existe um santuário para honrar a São Lázaro ou Babalú Ayé, como muitos o chamam.

“Recorrendo suas ruas na manhã ardorosa de um verão, topamos com um pequeno santuário que faz alguns anos um modesto devoto construiu com suas próprias mãos para o culto de São Lázaro”, escreveu Lydia Cabrera.

Anos depois, numa despejada manhã de dezembro, as ruas de Pedro Betancourt, com seu asfalto pegajoso acabado de estender, nos adentram nos mistérios deste povoado enfeitiçado. Povoado de recordações fundidas nas pedras, nas canas que penetram a terra para sua fecundação e regeneração, nas cercanias das águas sagradas das lagoas poéticas de Pedro Betancourt ou Corral Falso de Macurijes.

Hoje, com passos parcimoniosos caminhamos até o cemitério e atravessamos sua porta, lugar repouso dos ancestrais e das lembranças. Ali nos espera silencioso em suas evocações, Chiqui Piloto, afilhado de batismo de Julio García, quem nos conduziu até o lugar em que se encontra atualmente sepultado seu padrinho, cujo cadáver foi trasladado por temor de que alguém possa ultrajar seu sepulcro e para que pudesse descansar em paz no eterno país dos ausentes.

Julio García era um dos mais prestigiosos mayomberos da região, pertencente ao ramo Yamba Cuaba. Contam os que o conheceram, que Julio era um mulato achinesado que vivia na mais completa solidão por um malefício que fez à única filha de Dolores Ibáñez, a venerável Francisquilla, informante e grande amiga de Josefina Tarafa, a quem “roubou uma guia” da sua nganga.

Julio encomendou em 1952 ao escultor Roberto Ojeda, a confecção de uma una escultura de seu querido São Lázaro, o Babalú Ayé dos iorubas; o Ayanu ou Agróniga, Chakuana ou Sakpata dos ararás, gangás e congos.

Ojeda, o escultor, agbeugui do milagre, nos comentou: “Comecei a trabalhar muito rápido, pois a idéia me emocionou. Lembro que sentei diante de um enorme tronco, de uma dessa madeiras duras de verdade, e com a goiva na mão empreendi minha tarefa”.

Roberto, com sua mão experiente, segurou a goiva para que o instrumento não tremesse nem partisse ante a resistente madeira que moldava lentamente, dando-lhe forma para se transformar em escultura, donde surge o poema ao sofrimento. Ojeda culmina sua obra. A capela se adorna. A figura de São Lázaro, Babalú, Omolú, Kobayende suou sem parar pelos poros da madeira. Isto durou três dias e se converteu em milagre ao sanar enfermos e paralíticos. Julio e Ojeda, seguidos de uma mística procissão de adoradores, levaram o São Lázaro para batizá-lo na igreja do povoado.

Narram os habitantes do povoado, que logo após terem batizado a escultura de São Lázaro, Julio García, introduziu na sua base a carga mágica de um gomo da sua prenda chamada: Siete Brillumba Yamba Cuaba. Nele estavam fundidas a Regla de Ocha, o catolicismo e as Reglas de Palo Monte, dando-lhe a fortaleza da espiritualidade do nosso povo criativo. A escultura encomendada já tinha seu santuário.

“Há que se desenterrar a história”, diz Chiqui Piloto no jardim da sua casa. Fala, com recolhimento e respeito, do venerável ancião de todas as crenças “…todos os anos viajam de lugares longínquos, muitos devotos para pagar seus oferecimentos. Do dinheiro que se arrecada destas promessas, uma parte está destinada para a manutenção do templo e da estátua…”.

Quando perguntamos ao escultor do milagre, Roberto Ojeda, sobre a sua obra, nos disse: “Essa estátua não é minha, não é de ninguém em particular, pertence ao povo de Pedro Betancourt, que para isso o senhor Julio a mandou construir, para que os habitantes deste lugar não tivessem que ir até o Lazareto, em la Habana, no dia 16 de dezembro, a adorá-lo ou a pagar suas promessas”.

E recordamos as notas de Lydia quando transcreve suas extensas tertúlias no jardim da casa de moradia de Josefina Tarafa, no central Cuba, entre os olores das flores de laranjeira e de ylang ylang, com o sussurro da brisa e rodeada de suas queridas informantes Francisquilla, Ña Petrona, Conga Mariate, Ña Merced La Mayor e muitas vivências ancestrais da mística africana, entre goles de café criollo e fumaça de tabaco, aspergindo sua loquacidade e conversando alegremente sobre suas experiências com Babalú Ayé, o senhor das enfermidades, a lepra e a sífilis.

Hoje, neste povoado, suas lembranças têm desabado com o passar do tempo. Ouvem-se as vozes do passado em um presente implacável que tem borrado seu esplendor. Só fica um santuário, onde a imagem de São Lázaro, Babalú Ayé, Omolú ou Kobayende sua, chora e ainda respira pelos poros da dura madeira.

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