Obá Oriaté Miguel W. Ramos, Ilarí Obá

Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Devido aos muitos episódios dolorosos que tivemos de enfrentar em 2005, muitos de nós, provavelmente olhem para trás e vejam este ano como um dos mais difíceis e frustrantes anos deste novo milênio, que iniciou mal há cinco anos. A humanidade tem sido sacudida por numerosos fenômenos naturais e ocasionados pelo homem, que inevitavelmente tiveram repercussões no planeta inteiro, apesar das nossas ideologias sociais, religiosas, ou políticas—ou de nenhuma delas. Ainda que nos Estados Unidos não tenhamos sofrido nem de perto o tanto das pessoas na Indonésia, no Paquistão e no Oriente Médio, também fomos feridos profundamente, física e psicologicamente, pelo número de desastres que abalou nossos próprios alicerces.

O 2005 provavelmente será lembrado como um dos mais perturbadores anos que tenham existido. O tsunami que golpeou a Indonésia em Dezembro de 2004, matando milhares de pessoas, foi provavelmente um aterrador aviso dos perigos que se seguiriam em 2005. Sofremos perdas para os terremotos, furacões, tempestades, inundações, ataques suicidas e guerras. Nosso lado do mundo começou a agonizar quando a temporada dos furacões iniciou em 1º de Junho. Surpreendentemente cedo para a temporada, um número não usual de furacões começou a causar estragos no Caribe, matando gente em Cuba, Haiti, Jamaica, Granada, México, América Central e em outras regiões.

Pelo terceiro mês da temporada, tempestades desastrosas estavam batendo na porta dos Estados Unidos. Katrina, Rita e Wilma causaram milhões de dólares em danos e tomaram inumeráveis vidas—nos Estados Unidos, onde se supõe que essas coisas não aconteçam! Estas tormentas fizeram mais do que causar dano à propriedade e perda de vidas, mas ainda: muitos de nós fomos levados a verificar que o nosso próprio governo—em quem confiamos de forma tão cara—não estava apropriadamente preparado para lidar com tal devastação. Depois dos ataques de 11 de Setembro, das guerras no Afeganistão e no Iraque e das incontáveis vidas que continuam a se perder naquele processo, é simplesmente natural que questionemos a falta de preparo do governo, especialmente face à sua resposta ao Furacão Katrina, que certamente não foi um jogo de golfe! Depois de termos visto as vívidas e cruéis cenas provindas do Centro de Convenções de New Orleans, da visão de angústia e desespero no rosto das pessoas, da total destruição causada pelo furacão e pela ausência de planejamento das autoridades, somos levados a nos perguntar o quê teria acontecido se houvesse sido um ataque terrorista. Desafortunadamente, no meio do jogo censurável, alguns se encolheram de ombros dizendo “é somente a natureza”. Será que foi?

Correndo o risco de soar demasiadamente pessimista, com a chegada do 2006, necessitamos ponderar sobre a direção que estamos tomando como seres humanos. Provavelmente começando ao redor da era da Revolução Industrial, os seres humanos têm ocasionado um considerável desequilíbrio no nosso universo, devido ao avanço tecnológico e ao chamado progresso. Não há dúvida de termos nos tornado os maiores estressadores do planeta. A ameaça de aquecimento global e mudança massiva do clima não parecem mais uma possibilidade remota: podemos começar a observar seus efeitos. Furacões, tornados, tempestades, terremotos, inundações súbitas, tsunamis, epidemias tais como a do HIV e pandemias como as da gripe do frango parecem ser realidades mais ameaçadoras do que os homens-bomba suicidas, os terroristas ou as armas nucleares. Obviamente, não devemos minimizar a ameaça que estes representam para nossa sociedade e modo de vida, mas não podemos nos permitir o luxo de candidamente nos focalizar exclusivamente nestas ameaças humanas e descartar ou ignorar a ira da natureza, na esperança de que a ciência a resolverá.

Baseados no número abrumador de fenômenos naturais que continuamos a ver, conjuntamente à alta incidência de mutações bacteriológicas e virais, muitos não conseguem ajudar, mas sentem que o planeta inteiro está em vias de algum tipo de mudança massiva. O pensamento amedrontador é que nossa posição nessa mudança é muito difícil de se determinar, especialmente devido ao planeta historicamente eliminar seus estressadores. Seremos os próximos dinossauros? Não devemos ser tão arrogantes para pensar que podemos continuar a brincar com a natureza e não sofrer nenhuma repercussão. A natureza tem provado repetidamente que, ainda sendo lenta para agir, sua ira é inevitável. Nunca devemos subestimá-la.

Por um lado mais iluminado, contudo, devemos estar agradecidos pelas muitas coisas que temos realizado em 2005. Indubitavelmente, todos nós temos lembranças deste ano que sempre aninharemos. Tal como em outros anos, em 2005 rimos e choramos. Celebramos a vida, sofremos e suportamos as perdas. De fato, nossa celebração e veneração da vida e toda a sua preciosa importância é, sem dúvida, a força que nos permitiu tolerar o assalto da dor, da perda, da desolação e da morte. Não importa quão escuras foram nuvens, não importa quanto o vento soprou ou girou; a despeito do rugido do mar e do estremecimento da terra, atravessamos o 2005 e continuamos adiante.

Ademais, atuamos juntos como um povo e contribuímos para ajudar àqueles que estiveram numa necessidade desesperadora. As doações das celebridades de Hollywood foram generosas, mas de longe, tanto quanto me consta, os donativos mais apreciados vieram das pessoas comuns de todos os dias, daqueles que têm que suar diariamente para ganhar seus bem merecidos salários. Os campeões mais notáveis do 2005 foram as pessoas normais, a grande e silenciosa maioria que não tem seu nome colocado na grande tela e que nunca receberá um Oscar ou um Prêmio Nobel pela Paz. Os verdadeiros heróis do 2005 são aquelas pessoas que meteram a mão no bolso e deram de bom grau, sem importar a soma; aqueles que brindaram seus esforços e contribuíram com seu tempo—nosso maior e mais escasso recurso—para ajudar àqueles em desespero. Essas pessoas, sem dúvida, superaram a dificuldade e os dias tenebrosos que enfrentamos em 2005, confortando e assistindo àqueles que foram menos afortunados.

Prescindindo da nossa filiação religiosa—ou de qualquer uma—devemos apreciar nosso maior dom: a vida. Muitos não foram afortunados. Por razões óbvias, parece ser que em 2005 houve muitas poucas mortes. Nunca esqueçamos àqueles que se foram em 2005: àqueles que sucumbiram à natureza, bem como aos que sucumbiram à crueldade humana, à incompreensão e à cobiça. Vamos lembrar especialmente dos nossos seres queridos, nossos amigos, nossos vizinhos. Eles também são nossos heróis e merecem nossos aplausos.

Há umas poucas noites atrás, um amigo comentou que ele sempre evitou discutir religião e política. Desafortunadamente, vivemos numa era em que a neutralidade não é necessariamente a melhor opção. Nosso tempo é turbulento e difícil, e nossos líderes amiúde não representam as idéias ou os desejos da maioria, escolhendo em seu lugar, seguir seus interesses pessoais e políticas mentalmente doentias que nos afetam a todos, sem lhes importar o nosso ponto de vista.

Não obstante, apesar do estremecimento corrente e das atribulações dos nossos líderes, uma coisa que devemos apreciar em 2005 é o fato de vivermos num país onde ainda podemos desfrutar de um grau de liberdade, auto-respeito e auto-dignidade; onde trabalhando duro podemos suprir as necessidades básicas e muitas vezes aceder a muito mais; onde a despeito da vontade de uns poucos, ainda podemos dar voz à nossa opinião e nos queixarmos quando em desacordo com as políticas do nosso governo. É importante que apreciemos estes direitos: e mais importante ainda é que os defendamos e asseguremos que nunca mudem.

Em resumo, tenho um pedido para este ano que espero não caia em ouvidos surdos; não importa quais sejam as suas crenças religiosas—tanto faz que sigam os ensinamentos de Jeová, Krishna, Alá, Obatalá, Jesus, Buda, Allan Kardec, do Dalai Lama, do Tao ou Confúcio—e mesmo aqueles que não possuem nenhuma crença: vamos hastear uma bandeira branca em nome da paz. Coloquem-na onde os demais possam vê-la: na entrada das suas casas, sobre os seus telhados, nas saídas de emergência ou no prato das antenas parabólicas. Vamos nos unir nesta ação e assim rogar ao Ser Supremo, à natureza ou à razão humana. Vamos pedir que a humanidade seja iluminada e adquira a razoabilidade; que compreendamos nossa posição no universo e o delicado equilíbrio da natureza—e a necessidade de manter esse equilíbrio.

Quando levantemos nossa bandeira, vamos todos refletir por um segundo sobre o 2005 e o futuro, o nosso e o dos nossos descendentes, e assim, pensarmos sobre o quê podemos fazer como indivíduos para assegurar que tenhamos um futuro e fazer desse futuro um lugar melhor para toda a humanidade. E se não fizermos nada mais com nossas próprias vidas, vamos, ao menos, garantir que deixemos aos que virão um lugar onde tenham a mesma oportunidade que nos foi dada por aqueles que nos precederam: a chance de viver.

Sorry, the comment form is closed at this time.

© 2010 Eleda.org Web design and development by Tami Jo Urban Suffusion WordPress theme by Sayontan Sinha