Review by Miguel “Willie” Ramos, Ilarí Obá

Kabiosile Productions and Tina Gallagher have done it once again. The new ethnographic DVD, “La Fuerza del Tambor,” shot entirely on location in Matanzas, Cuba, is another captivating window into the world of Lukumí religion, and in this case Afro-Cuban drumming, in that other Cuban Mecca, Matanzas. For olorishas in the United States and elsewhere, unfamiliar with the variety and variations that exist in that city, this is a welcome addition to the Kabiosile legacy.

The DVD’s principal protagonist, Babalorisha and Olubatá Alfredo Calvo, Alá Aganjú, is one of Matanzas most respected and senior priests, descended from the renowned Egbadó priestess Ma Monserrate González, Obá Tero and her religious progeny, Fermina Gómez, Oshabí. Calvo’s insight and experience as a priest, a drummer and a living repository or Afro-Cuban culture in Matanzas is one of the highest peaks of this film. His ability to discuss numerous themes associated with Afro-Cuban religions, primarily Lukumí, Bantú and Abakuá, is remarkable and his interpretations are often ingenious and provocative.

Calvo’s abilities as a mentor and teacher are clearly exemplified by the other olorishas and drummers that participate in the interviews. They share Calvo’s insight, but also contribute their own understanding, their own visions of what Afro-Cuban culture represents, especially when viewed through the eyes of a member of the culture. For the foreigner, religious or not, this is an important insight into modern Cuba as it reflects African culture’s impressive ability to adapt to whatever circumstances it encounters and subsequently prevail.

One of the DVD’s high points is the description and demonstration of the Macagua Bembé drums, a specific drum ensemble that was given to the Lukumí priest Gerardo de Las Mercedes Valdez, better known as “Cheo Changó,” by the Arará Mahíno, a Dahomean sub-group, some time in the mid twentieth century. This gift may well mark the onset of collaboration between the Lukumí and Arará peoples in Matanzas that oral history tells us may have had a lingering rivalry in the nineteenth century. Though there are other bembé ensembles in Cuba, all of which consist of three peg-type drums, Macagua is unique among Cuba’s bembé drums because it has an additional drum, the reason for which I will not reveal here to maintain the element of surprise. Suffice it to say that this is another example of African ingenuity and adaptability.

Other high points in the film are the scenes from actual wemileres and bembés in Matanzas, which similar to Kabiosile’s first film, include actual possessions, possibly one of the first times that these are documented in Cuba. No doubt, these scenes alone will generate much conversation among the members of the religious communities outside of Cuba. But there are other surprises as well that will surely stimulate further conversation and discussion.

Though the film is highly educational and not meant to be controversial per se, it does raise important issues that must be considered in the light of the increasing internationalization of Lukumí religion and its encounters with other African religions and traditions in the Americas. This makes “La Fuerza del Tambor” one of the most important films to come out of Cuba in recent years. It is a must for the serious student of Lukumí culture and Afro-Cuban drumming. Modupé ó Tina Gallagher and Kabiosile Productions.

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Testemunho Lukumi.

Miguel W. Ramos, Ilarí Obá, Obá Oriaté Lukumi
Este artigo aparece no livro “Resistencia y Solidaridad—Globalización capitalista y liberación.” Raúl Fornet-Betancourt, ed. Madrid: Editorial Trotta, S.A., 2003 (143-148).

Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Ao mês de ter nascido, meu pai, sentado num sofá, me balançava sobre o seu peito para que eu dormisse. O sono o venceu mais rápido do que a mim. Pouco tempo depois, despertou ao ouvir os gritos da minha mãe ao ver minha cabeça e a camiseta do meu pai, totalmente encharcadas de sangue: meu sangue. De imediato, correram à Casa de Socorros em Arroyo Apolo pensando o pior.

Resulta que na minha moleira tinha se encaixado a ponta de uma espada de ouro que meu pai levava em sua corrente. Ainda que meu pai era sacerdote de Obatalá, dita espada tinha sido consagrada em Shangó, o Orixá do trovão, pela grande afinidade que ele tinha com esta entidade. Afortunadamente, o dano foi mínimo e a ferida sarou sem deixar marcas visíveis.

Às duas semanas deste fato, meus pais acudiram a um toque de tambor e tão pronto entraram pela porta comigo nos braços, Shangó, possuindo uma das suas sacerdotisas, me tomou dos braços do meu pai e começou a dançar comigo em seus braços. Depois de um tempo, me devolveu ao meu pai e, esfregando minha cabeça, disse aos meus pais que isso que tinha me sucedido (a marca que ele [Shangó] tinha feito em minha cabeça) era para que se soubesse que onde quer que eu fosse em minha vida, eu era seu filho. Shangó havia me marcado para que eu não me extraviasse dele no mundo! Meus pais ficaram estupefatos, pois só eles, meus avós e os médicos de guarda na Casa de Socorros conheciam o que tinha me acontecido. Shangó não falava mentiras!

Aos treze anos, na fria e estranha cidade de Nova Iorque, fui ordenado sacerdote de Shangó na religião lukumi, exilada nos Estados Unidos junto a um crescente número de cubanos que buscavam fugir do sistema totalitário implantado na ilha pela revolução Castrista. Com treze anos, o que eu menos desejava era ficar rapado até a carequice, vestido imaculadamente de branco, e muito menos que me vissem meus amigos, que indubitavelmente fariam troça de mim e da minha estranha religião.

Nessa idade, tendo vivido em Nova Iorque desde os seis anos, a religião lukumi era algo ilógico e insensato para mim, ainda que não estranha, eis que desde que chegamos de Cuba, meu pai exercia como sacerdote lukumi e também como espiritista. Na minha casa no Brooklyn, quase todos os fins de semana ocorriam atividades religiosas. Quando não era uma iniciação, era um toque, um aniversário de iniciação, ou uma missa ou recolhimento espiritual. Ainda que eu vivesse constantemente rodeado por este mundo místico-religioso, mantinha distância, já que a religião me parecia loucura, uma absurda superstição cubana. Quando por casualidade, a curiosidade me levava a perguntar ou indagar, a resposta usual era que com o tempo saberia, pois nesse momento era muito jovem para entender. Devo admitir que mesmo depois de iniciado, naquela época me custou trabalho entender. Não obstante, a vontade de Olodumare e dos Orixás pôde mais do que a minha vaidade e minha ignorância.

Meu maior conflito foi com o catolicismo e a relação dos Orixás com os santos da Igreja Católica. Minha avó, devota de Santa Bárbara toda sua vida e sacerdotisa de Shangó, me dizia que essa santa e Shangó eram o mesmo. Santa Bárbara era la forma percebida pelos católicos e Shangó era como se lhe percebia na África. Essa analogia me ocasionava grandes conflitos, já a santa Católica não se parecia em nada ao deus ioruba/lukumi. A imagem de Santa Bárbara que havia na sala da minha casa era uma escultura de uma bela mulher, de rosto prazeroso, sorridente. Se essa era Santa Bárbara, em nada se parecia com Shangó.

Shangó, a quem eu havia visto possuindo seus sacerdotes muitíssimas vezes, era tosco, ruidoso, extremadamente varonil. Ao dançar, fazia alusão à sua masculinidade com o movimento de suas mãos que ascendiam ao céu para depois descender como um raio em direção à área de seus genitais. Quando via Oshún na cabeça de alguma sacerdotisa, em sua dança, Shangó tratava de conquistá-la, de seduzi-la, ensaiando o já bem conhecido mito de sua atração pela divindade lukumi da sensualidade e do amor. Em nada se pareciam Santa Bárbara e Shangó para mim.

Com o tempo, aprendi que Santa Bárbara era a patrona dos artilheiros, que cuidava dos fortes espanhóis e amparava os soldados da mãe-pátria, e que Shangó, também se relacionava com a guerra e tinha um grande exército à sua disposição. Ambos tinham vivido em um grande castelo e ambos vestiam de vermelho e branco. Santa Bárbara portava uma espada e Shangó um machado bi-pene. Quando trovejava, minha avó que tinha horror aos trovões, corria a cobrir Shangó e a Santa Bárbara com tela branca, pedindo-lhes que tivessem misericórdia. Finalmente, encontrei algo em comum. Não obstante, ainda me chocava o contraste sexual: Santa Bárbara, a mulher de aparência delicada e Shangó, o homem tosco, varonil e sedutor. Minha família estava louca!

Durante meu ano de iyawô ou recém ordenado, minha vida continuou como de costume. De casa à escola e da escola à casa, especialmente durante o inverno. Ao terminar minhas tarefas, saia a brincar com meus amigos, quem contrariamente ao meu temor, nunca fizeram troça de mim. Não sei se foi por ingenuidade, respeito ou quiçá temor, já que os rumores circulavam de que na minha casa se praticava Vudu e os filmes de monstros e de ciência-ficção de Hollywood contribuíam ao estereótipo negativo do Vudu e conseqüentemente, também das religiões africanas. Quiçá meus amigos temiam que eu tomasse alguma represália mágica contra eles, fincando um boneco de pano com alfinetes para que lhes ocasionasse dano, ou quiçá nunca se deram por conta. Não sei.

Não lembro quando foi que escutei a palavra “Ioruba” por primeira vez. Os iorubas em Cuba foram introduzidos como lukumi. A nomenclatura “Ioruba” era desconhecida em Cuba. Não obstante, conhecer esta palavra despertou em mim uma curiosidade, quiçá uma necessidade, de investigar mais sobre este tema. Foi uma tarefa difícil, já que a literatura existente nesses anos não era abundante, mas isto só serviu para incrementar em mim o desejo de persistir e indagar. O resto é historia. Desde os quatorze anos comecei a praticar antropologia sem ser antropólogo, conduzindo trabalhos de campo e levando apontamentos sobre minhas investigações, tanto literárias como no campo.

Mas, as minhas investigações não eram para satisfazer fins nem requisitos acadêmicos, senão que serviam para me ajudar a obter uma melhor compreensão da religião na que tinha sido iniciado. Sem embargo, ao entrar à universidade em Nova Iorque, quando me graduei na escola superior, decidi que queria ser contador público e não antropólogo. Nesse momento não relacionei minha curiosidade religiosa com o papel acadêmico que por satisfação pessoal estava desempenhando. Quiçá foi por isso que não terminei minha carreira universitária naquele momento, conformando-me com uma escola vocacional e um curso de dois anos de administração comercial.

Em 1978, meus pais decidiram abandonar Nova Iorque e se mudar a Porto Rico. Eu desejava ficar em Nova Iorque, mas Shangó pensou em outra coisa. Ele insistiu que eu acompanhasse meus pais a Porto Rico, já que, segundo ele, seria uma terra bendita para mim. Dito e feito! Ainda que eu tivesse funcionado como sacerdote e Oriaté em Nova Iorque, foi em Porto Rico onde minha capacidade sacerdotal floresceu. Meus êxitos nessa ilha foram numerosos e meus conhecimentos, estudos e entendimentos da minha religião aumentaram apesar de ter encontrado ciúmes, rivalidades e oposição.

Eventualmente, meus pais voltaram a Nova Iorque, mas Shangó insistiu em que eu permanecesse em Porto Rico. Para aquele então eu já tinha me casado, tinha o meu próprio negócio, um ervanário, do qual vivia relativamente bem e não me faltava trabalho dentro da religião. Como dizemos no vernáculo lukumi-cubano, tinha um “povo” em Porto Rico. O quê mais podia pedir. Sem embargo, não me sentia a gosto ali e a cada instante lhe pedia permissão a Shangó para ir embora da ilha. Este só dizia que não era o momento.

Em 1983 fui a Cuba por primeira vez desde que fui embora nos anos sessenta. Nessa época, conheci minha família religiosa na ilha, participei de uma série de rituais e conduzi trabalho de campo entre muitos sacerdotes na ilha. Voltei novamente a Cuba em 1984. Essa foi a viagem que deu outro curso a minha vida e à qual vivo eternamente agradecido. Em um tambor que dei para Elegbá (o Orixá do destino, que vigia os caminhos dos devotos) Shangó veio à terra e falou dos meus desejos de me mudar de Porto Rico, dando-me a permissão que eu tanto havia lhe pedido. Mas essa permissão foi condicional, com tanto que eu lhe prometesse que eu ingressaria novamente na universidade e obteria um título. Desde logo, acedi!

Em outubro do mesmo ano, me mudei a Miami, a capital do exílio cubano. Do mesmo modo que Porto Rico, Miami provou ser uma cidade frutífera para mim. Em seguida comecei a trabalhar como contador numa companhia de móveis muito conhecida nessa cidade e a me introduzir na comunidade religiosa. A universidade teria que esperar que eu estabelecesse raízes firmes em Miami, e por tanto, ano trás ano seguia dizendo a Shangó que pronto cumpriria com minha promessa, empregando a falta de tempo como escusa. Mas Shangó era mais sábio que eu, como bem o tempo me demonstraria.

Da noite para a manhã, minha relação com meu chefe imediato na companhia começou a se deteriorar inexplicavelmente. Até então, ele e eu havíamos tido boas relações, inclusive me permitia tomar decisões de grande envergadura durante sua ausência. Sua confiança em mim era total e incondicional. Ainda hoje me pergunto o quê foi o que se passou, pois não há explicação humana que possa explicar a animosidade que surgiu entre nós. Demais está dizer que em janeiro de 1988, logo de voltar de umas férias, renunciei ao trabalho sem aviso prévio.

Passaram-se meses e não conseguia trabalho em Miami. Onde quer que solicitasse trabalho, estava sobre-capacitado para a posição ou tomavam outra pessoa sem me dar explicação alguma. Finalmente entendi que algo sobre-humano estava controlando minha vida nesse momento, pero não conseguia, ou quiçá não queria, identificar o que era. Tinha visto Shangó em vários toques e rituais, mas este não me dizia nada. Tal parece que estava me ignorando intencionalmente. Finalmente, no restou outro remédio do que acudir a ele através da adivinhação. Busquei um Oriaté que não me conhecia para que interpretasse o oráculo e a “conversa” de Shangó. O provérbio do odu ou signo divinatório que me veio nesse momento aludia a uma dívida que eu tinha com Shangó: “Aquele que deve e paga, fica franco”.

Nunca associei a dívida com a minha promessa de voltar à universidade. Quiçá estava muito atribulado com o meu dilema nesse momento e não conseguia entender o que era o que Shangó me reclamava. Até que finalmente, o Oriaté me diz que Shangó dizia que queria que eu estudasse. Como si tivessem estourado raios ao meu redor, me lembrei! Claro! Minha promessa, minha dívida, minhas dificuldades econômicas: tudo tinha uma razão de ser. Shangó tinha me levado a um abismo pelo meu descumprimento e ignorava as dificuldades que eu estava atravessando com todo propósito, para que eu reagisse e me desse por conta da minha falta para com ele.

No dia seguinte, dei os exames de ingresso ao Miami Dade Community College e em janeiro de 1990 comecei minha carreira universitária em Miami. Atualmente, estou terminando uma tese de mestrado em história na Florida International University e penso continuar com o doutorado. Mesmo que nesta altura da minha vida o processo não tenha sido fácil, já que é difícil estudar, trabalhar, criar um filho e cumprir com minhas responsabilidades sociais, religiosas e acadêmicas. As conquistas que tenho obtido e a satisfação pessoal têm me recompensado pela difícil e árdua tarefa.

A religião lukumi tem enchido grandes vazios em minha vida, ao mesmo tempo em que tem me servido de guia, dando-me a direção necessária para viver uma vida melhor, bem como para ser um melhor ser humano. È tanto o agradecimento que tenho por este sistema religioso e às divindades do seu panteão, que não existe maneira humanamente possível de lhe recompensar pelas inumeráveis bênçãos que têm derramado sobre mim. Inclusive, lhe devo até o filho que tenho.

Desde que nos casamos em 1979, por mais que tratássemos, minha esposa não conseguia ficar grávida. Consultamos os melhores médicos em Porto Rico e depois, em Miami, acudimos ao centro de infertilidade da Universidade de Miami. Nos submetemos a quantas provas existiam para a infertilidade e, segundo os médicos, o caso foi diagnosticado como inexplicável, já que nenhum de nós era estéril. Por mais tratamentos e recomendações que nos fizeram, a ciência não conseguiu resolver a misteriosa condição. Os Orixás diziam que teríamos filhos, mas tampouco víamos nenhum resultado ou intervenção divina da parte deles.

Em maio de 1988 voltei a Cuba junto com minha esposa, onde ambos recebemos a Oduduwá, quiçá o Orixá mais elevado da religião lukumi. Na cerimônia divinatória conhecida como itá, Oduduwá pressagia o nascimento de um filho. Nós, já dubitativos, tivemos isso em conta, mas não elevamos nossas esperanças, pois isso já tinha sido dito tantas vezes, mas nunca se realizava. Ao concluir, o Oriaté enfatizou que ao voltar minha esposa e eu na próxima vez a Cuba, voltaríamos com um filho. Voltamos a Miami e nossas vidas continuaram como de costume, sempre pensando na possibilidade de ficarmos sem filhos de por vida. Mesmo que ainda não tenhamos voltado a Cuba, em 24 de dezembro de 1990, sem tratamentos de nenhum tipo, nasceu nosso filho César.

Através do meu Orixá e da minha religião, tenho tudo o que tenho sonhado em ter, inclusive um lar estável e um belo filho, gozo de saúde, tenho viajado onde tenho querido, tenho publicado livros e escritos, tenho participado de um sem número de conferências e continuo a árdua tarefa de limpar a imagem negativa que a ignorância e o etnocentrismo ocidental têm dado a uma bela e valiosa crença religiosa trazida em buques escravistas ao Novo Mundo. Tudo isto e muito mais, agradeço a um Orixá, a uma divindade e a um sistema religioso que muitos têm considerado primitivo e incivilizado! Maferefun Shangó! Se volto a nascer, a única coisa que peço a Deus é que me permita voltar a ser Olorixá lukumi.

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Testimonio Lukumí.

© 2001-2007, Miguel Ramos
Este articulo aparece en el libro “Resistencia y Solidaridad—Globalización capitalista y liberación.” Raúl Fornet-Betancourt, ed. Madrid: Editorial Trotta, S.A., 2003 (143-148).

Al mes de haber nacido, mi padre, sentado en un sillón, me mecía sobre su pecho para que yo durmiera. El sueño lo venció a él más rápido que a mí. Al poco rato se despertó al oír los gritos de mi madre al ver mi cabeza y la camiseta de mi padre totalmente embarradas de sangre: mi sangre. De inmediato, corrieron a la Casa de Socorros en Arroyo Apolo pensando lo peor.

Resulta que en mi mollera se había encajado la punta de una espada de oro que llevaba mi padre en su cadena. Aunque mi padre era sacerdote de Obatalá, dicha espada había sido consagrada en Shangó, el Orisha del trueno, por la gran afinidad que él tenía con esta entidad. Afortunadamente, el daño fue mínimo y la herida sanó sin dejar rasgos visibles.

A las dos semanas de este hecho, mis padres acudieron a un toque de tambor y, tan pronto entraron por la puerta conmigo en brazos, Shangó, posesionado de una de sus sacerdotisas, me tomó de los brazos de mi padre y comenzó a bailar conmigo en sus brazos. Al cabo de un rato, me devolvió a mi padre y, frotándome la cabeza, les dijo a mis padres que eso que me había sucedido (la marca que el [Shangó] me había hecho en mi cabeza) era para que se supiera que donde quiera que yo fuese en mi vida, yo era su hijo. Shangó me había marcado para que yo no me le extraviase en el mundo! Mis padres se quedaron anonadados, pues solo ellos, mis abuelos y los médicos de guardia en la Casa de Socorros conocían lo que me había sucedido. Shangó no hablaba mentiras!

A los trece años, en la fría y extraña ciudad de Nueva York, fui ordenado sacerdote de Shangó en la religión lukumí, exiliada en los Estados Unidos junto a un creciente número de cubanos quienes buscaban huir del sistema totalitario implantado en la isla por la revolución Castrista. Con trece años, lo menos que deseaba yo era estar pelado al rape, vestido inmaculadamente de blanco, y mucho menos que me vieran mis amigos quienes indudablemente se burlarían de mí y de mi extraña religión.

A esa edad, habiendo vivido en Nueva York desde los seis años, la religión lukumí era algo ilógico e insensato para mí, aunque no extraña, ya que desde que llegamos de Cuba, mi padre ejercía como sacerdote lukumí y también como espiritista. En mi casa en Brooklyn, casi todos los fines de semana ocurrían actividades religiosas. Cuando no era una iniciación, era un toque, un aniversario de iniciación, o una misa o recogimiento espiritual. Aunque vivía constantemente rodeado por este mundo místico-religioso, mantenía distancia ya que la religión me parecía locura, una absurda superstición cubana. Cuando de casualidad la curiosidad me llevaba a preguntar o indagar, la respuesta usual era que con el tiempo sabría, ya que en ese momento era muy joven para entender. Debo admitir que aun después de iniciado, en aquella época me costó trabajo entender. No obstante, la voluntad de Olodumare y los Orishas pudo más que mi vanidad y mi ignorancia.

Mi conflicto mayor fue con el catolicismo y la relación de los Orishas con los santos de la Iglesia Católica. Mi abuela, devota de Santa Bárbara toda su vida y sacerdotisa de Shangó, me decía que esa santa y Shangó eran lo mismo. Santa Bárbara era la forma percibida por los católicos y Shangó era como se le percibía en África. Esa analogía me ocasionaba grandes conflictos ya que en nada se parecía la santa Católica al dios Yoruba/Lukumí. La imagen de Santa Bárbara que había en la sala de mi casa era una escultura de una bella mujer, de cara placentera, sonriente. Si esa era Santa Bárbara, en nada se parecía a Shangó.

Shangó, el cual yo había visto posesionado de sus sacerdotes muchísimas veces, era tosco, alborotoso, extremadamente varonil. Al bailar, hacia alusión de su masculinidad con el movimiento de sus manos que ascendían al cielo para luego descender como un rayo hacia el área de sus genitales. Cuando veía Oshún en cabeza de alguna sacerdotisa, en su baile Shangó trataba de conquistarla, de seducirla, ensayando el ya bien conocido mito de su atracción a la deidad Lukumí de la sensualidad y el amor. En nada se me parecían Santa Bárbara y Shangó.

Con el tiempo aprendí que Santa Bárbara era la patrona de los artilleros; que cuidaba las fuertes españolas y amparaba a los soldados de la madre patria y que Shangó también se relacionaba con la guerra y tenía un gran ejército a su disposición. Ambos habían vivido en un gran castillo y ambos vestían de rojo y blanco. Santa Bárbara portaba una espada y Shangó un hacha bipene. Cuando tronaba, mi abuela quien le tenía terror a los truenos, corría a tapar a Shangó y a Santa Bárbara con tela blanca, pidiéndoles que tuvieran misericordia. Finalmente, encontré algo en común. No obstante, aun me chocaba el contraste sexual: Santa Bárbara, la mujer de apariencia delicada, y Shangó, el hombre tosco, varonil, y seductor. ¡Mi familia estaba loca!

Durante mi año de iyawó o recién ordenado, mi vida continuo como de costumbre. De la casa a la escuela, y de la escuela a la casa, especialmente durante el invierno. Al terminar mis tareas, salía a jugar con mis amigos quienes, contrario a mi temor, nunca se burlaron de mí. No sé si fue por ingenuidad, respeto o quizá temor, ya que los rumores circulaban que en mi casa se practicaba Vudú y las películas de monstruos y ciencia-ficción de Hollywood contribuían al estereotipo negativo del Vudú y por ende, las religiones africanas. Quizá mis amigos temían que yo tomase alguna represalia mágica contra ellos, hincando un muñeco de trapos con alfileres para que le ocasionase daño a ellos, o quizá nunca se dieron cuenta. No sé.

No me acuerdo cuando fue que escuché la palabra “Yoruba” por primera vez. Los Yorubas en Cuba fueron introducidos como Lukumí. La nomenclatura “Yoruba” era desconocida en Cuba. No obstante, el conocer esta palabra despertó en mi una curiosidad, quizá una necesidad, de investigar más sobre este tema. Fue una tarea difícil ya que la literatura existente en esos años no era abundante, pero esto sólo sirvió para incrementar en mi el deseo de persistir e indagar. El resto es historia. Desde los catorce años comencé a practicar antropología sin ser antropólogo, conduciendo trabajos de campo y llevando apuntes sobre mis investigaciones tanto literarias como en el campo.

Pero mis investigaciones no eran para satisfacer fines ni requisitos académicos, sino que servían para ayudarme a obtener una mejor comprensión de la religión en la cual yo había sido iniciado. Sin embargo, al entrar a la universidad en Nueva York cuando me gradué de la escuela superior, decidí que quería ser contador público y no antropólogo. En ese momento no relacioné mi curiosidad religiosa con el papel académico que por satisfacción personal estaba desempeñando. Quizá fue por eso que no terminé mi carrera universitaria en aquel momento, conformándome con una escuela vocacional y un curso de dos años de administración comercial.

En 1978, mis padres decidieron abandonar Nueva York y mudarse a Puerto Rico. Yo deseaba quedarme en Nueva York, pero Shangó pensó otra cosa. Él insistió que yo acompañase a mis padres a Puerto Rico, ya que, según él, sería una tierra bendita para mí. ¡Dicho y hecho! Aunque había funcionado como sacerdote y Oriaté en Nueva York, fue en Puerto Rico donde mi capacidad sacerdotal floreció. Mis éxitos en esa isla fueron numerosos, y mis conocimientos, estudios y entendimientos de mi religión aumentaron a pesar de que encontré celos, rivalidades y oposición.

Eventualmente mis padres regresaron a Nueva York, pero Shangó insistió en que yo permaneciera en Puerto Rico. Ya para aquel entonces yo me había casado, tenía mi propio negocio, una botánica, del cual vivía relativamente bien, y no me faltaba el trabajo dentro de la religión. Como decimos en el vernáculo lukumí-cubano, tenía un “pueblo” en Puerto Rico. Que más podía pedir. Sin embargo, no me sentía a gusto allí, y a cada rato le pedía permiso a Shangó para irme de la isla. Este sólo decía que no era el momento.

En 1983 fui a Cuba por primera vez desde que me marché en los años sesenta. En esa época, conocí mi familia religiosa en la isla, participé en una serie de rituales, y conduje trabajo de campo entre muchos sacerdotes en la isla. Regresé de nuevo a Cuba en 1984. Ese fue el viaje que le dio otro curso a mi vida y del cual vivo eternamente agradecido. En un tambor que yo le di a Elegbá (el Orisha del destino que vigila los caminos de los devotos) Shangó vino a la tierra y me habló sobre mis deseos de mudarme de Puerto Rico, dándome el permiso que yo tanto le había pedido. Pero ese permiso fue condicional, con tal de que yo le prometiera a él que ingresaría de nuevo a la universidad y obtendría un título. ¡Desde luego, accedí!

En octubre del mismo año, me mudé a Miami, la capital del exilio cubano. Al igual que en Puerto Rico, Miami probó ser una ciudad fructífera para mi. Enseguida comencé a trabajar como contador en una compañía de muebles muy conocida en esa ciudad y a introducirme entre la comunidad religiosa. La universidad tendría que esperar a que yo estableciera raíces firmes en Miami, y por lo tanto año tras año seguía diciéndole a Shangó que pronto cumpliría con mi promesa, empleando la falta de tiempo como excusa. Pero Shangó era más sabio que yo, como bien el tiempo me demostraría.

De la noche a la mañana, mi relación con mi jefe inmediato en la compañía comenzó a deteriorar inexplicablemente. Hasta entonces, el y yo habíamos tenido buenas relaciones, incluso me permitía tomar decisiones de gran envergadura en su ausencia. Su confianza en mi era total e incondicional. Aun hoy me pregunto que fue lo que pasó pues no hay explicación humana que pueda explicar la animosidad que surgió entre nosotros. De más esta decir que en enero de 1988, luego de regresar de unas vacaciones, renuncié al trabajo sin previo aviso.

Pasaron meses y no lograba conseguir trabajo en Miami. Donde quiera que solicitaba trabajo estaba sobrecapacitado para la posición o tomaban a otra persona sin darme explicación alguna. Finalmente entendí que algo sobrehumano estaba controlando mi vida en ese momento, pero no lograba, o quizá no quería, identificar lo que era. Había visto a Shangó en varios toques y rituales pero este no me decía nada. Tal parece que me estaba ignorando intencionalmente. Finalmente, no me quedó otro remedio que acudir a él a través de la adivinación. Busqué un Oriaté que no me conocía para que me interpretara el oráculo y la “conversación” de Shangó. El proverbio del odu o signo adivinatorio que me vino en ese momento aludía a una deuda que yo tenía con Shangó: “El que debe y paga, queda franco.”

Nunca asocié la deuda con mi promesa de regresar a la universidad. Quizá estaba muy atribulado con mi dilema en ese momento y no lograba entender que era lo que Shangó me reclamaba. Hasta que finalmente el Oriaté me dice que decía Shangó que quería que yo estudiara. Como si hubiesen estallado rayos a mis alrededores, me acordé! ¡Claro! Mi promesa, mi deuda, mis dificultades económicas: todo tenía una razón de ser. Shangó me había llevado a un abismo por mi incumplimiento, e ignoraba las dificultades que yo estaba atravesando con todo propósito para que yo reaccionara y me diera cuenta de mi falta con él.

Al día siguiente, tomé los exámenes de entrada del Miami Dade Community College y en enero de 1990 comencé mi carrera universitaria en Miami. En la actualidad, estoy terminando una tesis de maestría en historia en Florida International University y pienso continuar hacia el doctorado. Aunque a esta altura de mi vida el proceso no ha sido fácil, ya que es difícil estudiar, trabajar, criar un hijo, y cumplir con mis responsabilidades sociales, religiosas y académicas. Los logros que he obtenido y la satisfacción personal me han recompensado por la difícil y ardua tarea.

La religión Lukumí ha llenado grandes vacíos en mi vida, a la vez que me ha servido de guía, dándome la dirección necesaria para vivir una vida mejor y a la vez ser un mejor ser humano. Es tanto el agradecimiento que le tengo a este sistema religioso y a las deidades de su panteón que no existe manera humanamente posible de recompensarle por las innumerables bendiciones que han derramado sobre mi. Inclusive, le debo hasta el hijo que tengo.

Desde que nos casamos en 1979, por mas que tratábamos, mi esposa no lograba salir embarazada. Consultamos los mejores médicos en Puerto Rico y luego en Miami acudimos al centro de infertilidad de la Universidad de Miami. Nos sometimos a cuantas pruebas existían para la infertilidad, y según los médicos, el caso fue diagnosticado como inexplicable ya que ninguno de los dos éramos estéril. Por más tratamientos y recomendaciones que nos hicieron, la ciencia no logro resolver la misteriosa condición. Los Orishas decían que tendríamos hijos pero tampoco veíamos ningún resultado o intervención divina por parte de ellos.

En mayo de 1988 regresé a Cuba junto con mi esposa donde ambos recibimos a Oduduwá, quizá el Orisha mas elevado de la religión Lukumí. En la ceremonia adivinatoria conocida como itá, Oduduwá presagia el nacimiento de un hijo. Nosotros, ya dudosos, lo tomamos en cuenta pero no elevamos nuestras esperanzas ya que se había dicho tantas veces pero nunca se realizaba. Al concluir, el Oriaté enfatizó que al regresar mi esposa y yo la próxima vez a Cuba, regresaríamos con un hijo. Volvimos a Miami y nuestras vidas continuaron como de costumbre, siempre pensando en la posibilidad de quedarnos sin hijos de por vida. Aunque aun no hemos regresado a Cuba, el 24 de diciembre de 1990, sin tratamientos de ningún tipo, nació nuestro hijo César.

A través de mi Orisha y mi religión, tengo todo lo que he soñado tener, inclusive un hogar estable y un bello hijo, gozo de salud, he viajado adonde he querido, he publicado libros y escritos, he participado en un sinnúmero de conferencias, y continuo la ardua tarea de limpiar la imagen negativa que la ignorancia y el etnocentrismo Occidental le han dado a una bella y valiosa creencia religiosa traída en buques esclavistas al Nuevo Mundo. Todo esto, y mucho más, se lo agradezco a un Orisha, a una deidad, ¡y a un sistema religioso que muchos han considerado primitivo e incivilizado! ¡Maferefun Shangó! Si vuelvo a nacer, lo único que le pido a Díos es que me permita volver a ser Olorisha Lukumí.

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© Obá Oriaté Miguel W. Ramos, Ilarí Obá

Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

NOTA: Tornou-se popular o uso do termo “Aborisha” para se referir a qualquer um que sirva aos Orixás. Em Cuba, alguém que não seja sacerdote, mas participa da religião, é referido como Aberikola ou “não lavado”. Como este termo pode ser utilizado de modo depreciativo, escolhemos empregar o termo Aborisha para respeitar e posicionar àqueles que não sendo sacerdotes, tal como denota o termo, “servem” aos Orixás.

Elegbá (Também conhecido como Eshú ou Eshú-Elegbá), Ogún, Oshosí, e Osun são os orixás comumente designados em espanhol por “Los guerreros – os guerreiros”. Elegbá é primeiro orixá a ser recebido e adorado em todos os atos religiosos. É o porteiro de Olorun e lhe são confiados a abertura e o encerramento de todas as cerimônias. Também é o orixá que prova a fé humana em Olorun e nas divindades. Se a nossa conduta na Terra for apropriada, Elegbá ajuda e valoriza a humanidade permitindo que as iré-bênçãos visitem o indivíduo e distanciando as osobo ou energias negativas. Por outro lado, se nossa conduta for inapropriada, Elegbá permitirá que as forças negativas do universo ataquem o indivíduo, sem lhe prestar alguma defesa.

Em Cuba, os lukumis fazem uma distinção entre Elegbá e Eshú. Para os lukumis, Eshú é o aspecto malévolo da divindade, que continuamente vagueia pelo mundo, testando a humanidade, criando diferentes controvérsias e problemas nas vidas das pessoas. Elegbá é o aspecto mais dócil da divindade, tanto é assim que pode ser trazido para dentro de casa e, se for apropriadamente atendido, não ocasionará nenhuma ruína, ao contrário, trará proveito ao devoto. Na Iorubalândia e no Brasil, Eshú-Elegbá sempre mora do lado de fora da casa, em uma capela erigida especialmente para ele na entrada. Adaptações de diferentes culturas e situações de vida em Cuba produziram a introdução de Elegbá na casa do devoto e a separação ou distinção entre o que eventualmente é entendido em Cuba como diferentes manifestações da divindade. Ainda que Eshú e Elegbá sejam em realidade uma mesma divindade, muitos lukumis não os vêem desta maneira.

Elegbá, o trapaceiro terrestre, pode ser uma divindade muito maldosa, amiúde tão obstinada ou irritável quanto uma criança. Contudo, ele requer pouco e como uma criança, é facilmente satisfeito se tratado com a reverência apropriada e devoção.

Ogún é o orixá do ferro, padroeiro dos ferreiros e de todos aqueles que trabalham em contato com o ferro ou metais. Também está associado com a cirurgia e sua ajuda e solicitada quando há que se enfrentar qualquer operação, seja esta do tipo que for. Ademais, Ogún é o deus da guerra e representa a justiça divina de Olorun na Terra. Ele é o verdugo de Olorun e leva a cabo as sentenças do Ser Supremo quando os humanos violam as leis e os costumes divinos. È muito cruel, feroz e sofre de uma sede insaciável de batalha. Porém, assim como Elegbá, quando é convenientemente apaziguado, protege seus devotos contra qualquer dano.

Oshosí é o orixá da caça. Defende os injustamente perseguidos e garante que escapem de seus antagonistas. Em Cuba, durante a escravidão, Oshosí também foi considerado o orixá dos negros, que lhe oravam no mato, enquanto fugiam das plantações e das crueldades da escravidão. Os negros chamavam por Oshosí para manter os capitães-do-mato e seus cachorros longe das suas pistas. Oshosí está associado com as pegadas e as florestas, prestando socorro aos injustamente perseguidos e auxiliando aos que perderam o rumo de suas vidas, ajudando-os a reencontrá-lo.

Osun está relacionado a nosso orí-interior da cabeça, uma espécie de “espírito guardião” que nos acompanha durante a vida, pelo que também está relacionado com o nosso destino. Osun também é um sentinela. Sua função é proteger o devoto e seu lar da maldade e dos malfeitores. Sua postura é sempre ereta. Osun nunca deve ser inclinado nem tombado, porque isto é um mau presságio ou o aviso de uma morte iminente. Osun é somente virado quando o/a seu/sua dono/a falece.

Se Osun cair ou virar, deve ser imediatamente posto em pé e colocado embaixo de água corrente fria. Podemos pegar um ovo e limparmo-nos com ele, depois quebrá-lo encima do pássaro da representação de Osun e deixá-lo escorrer sobre ele, a fim de aplacar qualquer perigo que se faça iminente. Se isto não estiver disponível, um pouco de ori (ou de manteiga de cacau) deverá ser passado, ou de efún (casca de ovo moída – cascarilla para os lukumis) deverá ser esmiuçada sobre a figura. Ademais, o indivíduo deverá consultar a adivinhação para se determinar se a queda de Osun foi mera coincidência ou um aviso de problemas vindouros.

Servindo a Elegbá:

Os lukumis ensinaram-nos que idealmente, Elegbá deverá ser cultuado nas segundas-feiras, no começo da semana, e preferentemente pela manhã, antes de sairmos de casa para nossa rotina diária. É necessário ter em mente, ainda, que uma vez acostumando Elegbá a este tratamento, devemos ser responsáveis e persistentes. Se você esqueceu de fazê-lo legitimamente, poderá não haver conseqüências, pois os orixás são muito misericordiosos e não castigam a inocência. No entanto, se você propositadamente o ignorou ou abandonou, Elegbá poderá provocar muitos dissabores na vida do devoto.

A Indiferença é uma das armas mais perigosas de Elegbá quando escolhe desconsiderar as súplicas de socorro dos devotos que o ignoraram. Quando o perigo se aproximar, Elegbá simplesmente “olhará para outro lado” e permitirá que o devoto seja atingido. Porém, quando um indivíduo cuida de Elegbá apropriadamente, não somente desviará o perigo, mas também o valorizará com todo tipo de recompensas que possa colocar no caminho do devoto. Este o jeito de Elegbá.

Não obstante, como ele tem a tendência de se comportar às vezes como uma criança, é de se advertir que, uma vez que acostumarmos Elegbá a algo, deveremos prosseguir com este costume tão proximamente e devotamente quanto nos seja possível. Ainda que ele não cause desavenças por erros inocentes, poderá fazer com que o devoto se lembre deles, criando obstáculos ao seu progresso na vida.

Na minha opinião, se a vida do indivíduo é como a da maioria das pessoas que vivem na sociedade moderna, é ponderável cuidar de Elegbá quando tenhamos oportunidade, variando nos dias e assim, criando uma margem de flexibilidade com ele. Ainda que as manhãs das segundas-feiras sejam ideais, a flexibilidade pode ser mais realista e conveniente.

Elegbá não poderá ser lavado com água. Se tiver acumulado muito sangue ou azeite, deverá ser lavado vinho branco ou aguardente, e esfregá-lo suavemente com uma toalha branca ou com uma esponja de limpeza feita de fibra de sisal podem ser as melhores opções. Depois, deverá ser untado com epó (azeite-de-dendê) e uma ou duas gotas de oñí (mel), mas não exagere porque isto poderá se tornar pegajoso e imundo com o passar do tempo. Um pouco de epó deverá ser colocado nas mãos, esfregando-as, de modo a cobri-las totalmente e depois esfregadas em Elegbá. Enquanto untamos Elegbá com azeite, oramos a ele, pedindo-lhe sua bênção e direção. Uma vez terminado, ele é colocado novamente em seu prato de barro e a oñí é lentamente vertida sobre ele. Depois de o epó e a oñí terem sido oferecidos, assopre nele um pouco de fumaça de charuto e dê-lhe um pouco de vinho branco colocando este em sua boca e rapidamente cuspindo-o sobre Elegbá. Finalmente, acenda uma vela e cumprimente-o no estilo ritual acima descrito, fazendo seus pedidos pelas iré e bem-estar.

Ogún e Oshosí são atendidos da mesma maneira, ainda que não sejam lavados. Quando se acumular muito epó sobre eles, poderão ser limpos com uma toalha branca ou um pano branco (esta toalha ou pano deverão ser guardados especificamente para este propósito). A Ogún lhe são oferecidos aguardente ou rum branco (o gin também é aceitável) e a Oshosí lhe é dado anis. Osun não é tratado, a não ser que isto seja especificado na adivinhação. Contudo, você pode lavá-lo quando tenha acumulado sujeira ou pó. Nessa ocasião, deverá ser lavado com água fria, lembrando-se sempre de mantê-lo ereto.

Elegbá prefere morar em um prato de barro, mas pode ser colocado em um pote de cerâmica. Ogún e Oshosí moram juntos num caldeirão de ferro. Osun mora em algum lugar alto, preferentemente acima da cabeça de seu dono. Ainda, para certas ocasiões, e somente quando for recomendado na leitura do oráculo, Osun poderá ser colocado diretamente no chão,

Saudação para Elegbá:

Para cumprimentar ou saudar Elegbá, primeiramente derrame três ou mais gotas de água fresca de uma cabaça ou outro recipiente na frente dele. Depois disto, deixe a cabaça a um lado e bata três vezes no chão, com o punho fechado, na frente dele, tal como se bate em uma porta. Depois, permaneça ereto enfrente dele e esfregue as mãos uma na outra, enquanto ora e pede por suas bênçãos. Então, vire rapidamente dando-lhe as costas e raspe os pés para trás na direção dele, assim como um touro prestes a atacar. Finalmente, balance rapidamente suas nádegas de um lado para o outro e vá embora. No mínimo, antes de sair de casa e antes de retornar, devemos pedir a bênção e a direção de Elegbá no mundo lá fora.

Oferendas:

Elegbá gosta de todo tipo de frutas, especialmente das goiabas, da cana-de-açúcar e dos côcos. Também aprecia doces e balas, bolas feitas de farinha de milho com mel, peixe defumado e ekú defumada (aguti ou cutia – jutía ou hutía em espanhol), pequenos pedaços de côco e bolas de ado feitas com gófio- um tipo de farinha de trigo torrada ou de milho e mel. As oferendas para Elegbá são usualmente postas numa coluna em ruínas ou num monte de lixo, numa encruzilhada do bosque ou no mato.

Ogún aprecia côco verde, bananas verdes ou plátanos, inhame branco (ishú –ñame em espanhol) e batata doce branca (ambos assados com casca), melancia e ananás. Suas oferendas podem ser deixadas no mato ou na linha-de-trem. Oshosí aprecia uvas brancas e melões. Também de ado, feijão-fradinho assado ou adoçado e milho assado ou adoçado. Oshosí gosta especialmente de caça, tal como a carne de veado e semelhantes, assadas com epó. Suas oferendas podem ser deixadas no mato ou nas encruzilhadas.

Antes de qualquer atividade religiosa ou social ser celebrada em nossa casa, é aconselhável preparar três bolsinhas com grãos assados de milho, peixe defumado, cutia defumada, azeite-de-dendê, mel, rum, guloseimas e algumas moedas. Elas são colocadas em Elegbá um dia antes e depositadas no dia seguinte nas esquinas do quarteirão onde moramos. Às vezes um sacrifício é requerido, mas deverá ser indicado pela adivinhação. Este pequeno ebó sossega Eshú, o trapaceiro, e traz harmonia a qualquer evento celebrado em nossos lares. É costumeiro recolher os restos da comida servida em um dia particular e enviá-los a Eshú, colocando-os aos pés de uma árvore da nossa casa, no meio-fio da nossa calçada, ou enviando-os ao mato. Esta oferenda garante ao devoto a caridade de Eshú.

Prece a Elegbá:

Mojubá Elegbá (Saúdo a Elegbá)
Elegbá agó!(Peço a sua permissão, Elegbá!)
Baralayiki, Eshú odara (Baralayiki [nome de louvor], Eshú, o bom)
Mojubá Eshú lona (Saúdo a Eshú dos caminhos)
M’ore nla (Meu grande amigo)
Kosí ikú, kosí arun (Permita que não haja morte, permita que não haja doença)
Kosí ofo, kosí arayé (Permita que não haja perda, permita que não haja problemas terrenos)
Fun mi iré owó, iré omó (Conceda-me as bênçãos do dinheiro, as bênçãos dos filhos)
Iré omá, iré arikú babawá (as bênçãos da inteligência [para discernir o certo do errado], as bênçãos de uma saúde boa e duradoura e o bem-estar.

© From the archives of Miguel “Willie” Ramos, Ilarí Obá, Obá Oriaté.

NOTE: It has become popular to use the term “Aborisha” to refer to anyone who serves the Orisha. In Cuba, a non-priest who participated in the religion was referred to as Aberikola, or “unwashed.” Since this term has the potential of being used in a derogatory way, we have chosen to use the term Aborisha to give respect and position to those non-priests who, as the term denotes, “serve” Orisha.

Elegbá (also known as Eshú or Eshú-Elegbá), Ogún, Oshosí, and Osun are the orishas commonly referred to in Spanish as “Los guerreros-the warriors.” Elegbá is the first orisha that is received, and is worshiped first in all religious acts. He is Olorun’s gatekeeper and is entrusted with opening and closing all ceremonies. He is also the orisha that tests man’s faith in Olorun and the deities. If one’s earthly conduct is proper, Elegbá aids and prizes humankind by allowing iré-blessings to visit the individual and distancing the osobo or negative energies. On the other hand, if one’s conduct is improper, Elegbá allows the negative forces of the universe to attack the individual without coming to his or her defense.

In Cuba, the Lukumí distinguished between Elegbá and Eshú. For the Lukumí, Eshú is the mischievous aspect of the deity who continuously roams the world, testing humankind by creating different controversies and problems in people’s lives. Elegbá is the more docile aspect of the deity, so much so, that he can be brought into the home and, if properly attended, will not cause havoc but rather bring advancement to the devotee. In Yorubaland and in Brazil, Eshú-Elegbá always lives outside the home in a shrine that is set up for him at the entrance. Adaptation to different cultures and living situations in Cuba brought about the introduction of Elegbá inside the devotee’s home and the separation or distinction between what in Cuba were eventually understood as different manifestations of the deity. Though Eshú and Elegbá are in reality one and the same deity, many Lukumí do not see them as thus.

Elegbá, the earthly trickster, can be a very mischievous deity, often as stubborn or cantankerous as a child. He requires little, though, and like a child, he is easily satisfied if treated with the proper reverence and devotion.

Ogún is the orisha of iron, patron of smiths and all those whose job places them in contact with iron or metals. He is also associated with surgery and his aid is sought when facing an operation of any sort. Additionally, Ogún is a war god, and he represents Olorun’s divine justice on earth. He is Olorun’s executioner, and carries out the Supreme Being’s sentences when humans break divine laws and mores. He is very fierce, fiery, suffering from an insatiable thirst for battle. Like Elegbá, though, when properly appeased, he protects his devotees from all harm.

Oshosí is the Orisha of the hunt. He defends those who are persecuted injustly and ensures that they escape their foes. In Cuba, during slavery, Oshosí was also considered the orisha of the marroons who prayed to him in the bushes while fleeing the plantation and the cruelties of slavery. The marroons would call on Oshosí to keep the slave catchers and their dogs off their trails. Oshosí is associated with trails and the forests, bringing succor to those who find themselves persecuted unjustly and helping those who have lost their path in life to find it once again.

Osun is related to one’s orí-the inner head, a sort of “guardian spirit” that accompanies one through life, that is also related with one’s destiny. Osun is also a sentinel. His function is to guard the devotee and the home from evil and evil doers. His posture is always erect. Osun should never be tilted and nor should it fall as this is a bad omen or an indicator of impending death. Osun is only turned over when his/her owner dies.

If Osun falls or turns over, it should immediately be stood erect and placed under cool, running water. One should take an egg and cleans one’s self with it then break it on top of the bird, and allow that to drip over him to cool down any impending danger. If this is unavailable, some ori (shea or cocoa butter) or efún (cascarilla) should be crumbled over it. Additionally, the individual should seek divination for it may be necessary to determine if Osun’s fall was coincidental or a warning of forthcoming problems.

Attending Elegbá:

The Lukumí taught us that ideally, Elegbá should be worshiped on Mondays, at the beginning of the new week, and preferably in the morning before heading outdoor for one’s daily routines. It is necessary to keep in mind, though, that once one accustoms Elegbá to this treatment, one must be responsible and consistent. If you legitimately forget, there can be no consequences for the orishas are very merciful and do not castigate innocence. However, if you purposely ignore or abandon him, Elegbá can provoke hardships in the devotee’s life.

Indifference is one one Elegbá’s most dangerous weapons as he can choose to ignore his devotee’s pleas for succor when his devotees ignore him. When danger approaches, Elegbá will simply “look the other way” and allow it to assault his devotee. When an individual attends to Elegbá properly, though, not only will he avert danger for him, but he will also prize him with whatever rewards he can place in the devotee’s path. This is Elegbá’s way.

Nonetheless, as he tends to be childlike at times, it is advisable that once one has accustomed Elegbá to something, one should try to follow that tradition as closely and faithfully as possible. Though he will not cause harm for innocent mistakes, he can remind the devotee by creating obstacles that block one’s progress in life.

In my opinion, if the individual’s life is like that of most of the people who live in modern society, it may be advisable to attend to Elegbá when one has the opportunity, varying the days, so that one creates a degree of flexibility with him. Though Monday mornings are ideal, flexibility may be more realistic and convenient.

Elegbá should not be washed with water. If he has accumulated too much blood or oil, washing him with white wine or firewater, and scrubbing him lightly with a white towel or scouring pad made of rope fiber may be better options. Afterward, anoint him with epó (red palm oil) and a drop or two of oñí (honey), but do not overdo it with these because they can become sticky and mucky with the passage of time. A dab of epó should be placed on the hands, rubbed together to spread the oil out over the hands, and then rubbed from the hands to Elegbá. As the epó is spread on Elegbá, one prays to him asking for his blessing and guidance. Once finished, he should be placed back in the clay dish and the oñí is slowly dripped over him. After the epó and oñí have been offered, blow some cigar smoke at him, and then some white wine by taking the wine into your mouth and quickly spitting it out on him. Finally, light a candle and salute him in the ritual style described ahead as you make your petitions for iré and well being.

Ogún and Oshosí are attended to in the same manner, although they are not washed. When too much epó has built up on them, it can be cleaned off with a white towel or cloth (this towel or cloth can be saved specifically for this purpose). Ogún is offered firewater or white rum (gin is also acceptable) and Oshosí is given anisette. Osun is not attended as often unless specified in divination. You can wash it, though, when it has accumulated grime or dust. At this time, he should be washed with cool water, remembering to always keep him erect.

Elegbá prefers to live in a clay dish, but could be placed in any ceramic bowl. Ogún and Oshosí live together inside an iron kettle. Osun lives somewhere high, preferably in a place where it remains level or above the owner’s head. For certain situations, though, and only when recommended in a reading, Osun may want to be placed directly on the floor.

Elegbá’s greeting:

To greet or salute Elegbá, first drip three or more drops of fresh water from a gourd or other container on the floor before him. After this, set the gourd to the side and knock three times on the floor before him, with a closed fist, as if you were knocking on a door. Afterward, stand erect facing him, and rub both hands together as you pray and ask for his blessings. Then, turn swiftly and give your back to him, and scrape your feet backward, toward him, like a bull that is going to charge forward. Finally, quickly swing your buttocks from side to side a few times and walk away. At minimum, before leaving the home, and upon returning, one should ask Elegbá for his blessing and his guidance in the world outside.

Offerings:

Elegbá likes all types of fruits, but especially guavas, sugarcane, and coconuts. He also enjoys sweets and candies, balls made of raw cornmeal with honey, smoked fish and smoked ekú (agouti or bush rat-jutía in Spanish) and small pieces of coconut; and ado-balls made with gofio- a type of meal that is made from roasted wheat flour or corn-and honey. Elegbá’s offerings are usually taken to a refuse pile or garbage heap, a crossroad in the woods, or to the bushes.

Ogún enjoys green coconuts, green bananas or plantains, white yam (ishú/ñame) and white sweet potato (both roasted with the peel), watermelon, and pineapples. His offerings can be taken to the bushes or to the train tracks. Oshosí enjoys white grapes and melons. Also ado, roasted or stewed black eye peas, and roasted or stewed corn. Oshosí especially likes hunted meats such as venison and the like, which are roasted with epó and offered to him. His offerings can be taken to the bushes or to the crossroads.

Before any religious or social activity takes place in one’s home, it is advisable to prepare three little bags with roasted corn grains, smoked fish, smoked ekú, palm oil, honey, rum, candies and a few pennies. These are place on Elegbá the day before and deposited on the corners of the block where one lives the following day. Sometimes, sacifice may be required, but this must be indicated in divination. This minor ebó appeases Eshú, the trickster, and brings harmony to any event taking place in one’s home. It is often customary to gather the leftovers of the meals served on a particular day and send them to Eshú, placing them either at the foot of a tree by one’s home, the curb by one’s home, or sending them to the bushes. This offering ensures the devotee of Eshú’s beneficence.

Prayer to Elegbá:

Mojubá Elegbá (I salute Elegbá)
Elegbá agó!(I ask your permission, Elegbá!)
Baralayiki, Eshú odara (Baralayiki [praise name], Eshú, the good one)
Mojubá Eshú lona (I salute Eshú of the roads)
M’ore nla (My great friend)
Kosí ikú, kosí arun (May there not be death, may there not be sickness)
Kosí ofo, kosí arayé (May there not be loss, may there not be earthly problems)
Fun mi iré owó, iré omó (Grant me the blessings of money, the blessings of children)
Iré omá, iré arikú babawá (the blessings of intelligence [to discern right from wrong], the blessings of good and durable health and well being

Traduzido al português por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

As vinte e uma fotografias incluídas nesta viagem são de algumas plantas usadas pelos lukumis para propósitos ritualísticos e medicinais. A maioria destas fotografias foi tomada em Miami e em Cuba. A maioria destas ervas (identificadas por um asterisco) é indispensável para a ordenação e outras cerimônias. Outras, que também foram incluídas, são importantes para os banhos e lavados rituais, ainda que nunca utilizadas para consagrações.

Las veintiuna fotos incluidas en este recorrido visual son algunas de las plantas utilizadas por los lukumí en rituales y remedios. Muchas de estas fotos han sido tomadas en Miami y Cuba. La mayoría de estas plantas (identificadas con un asterisco) son indispensables para la iniciación al sacerdocio y otros ceremoniales. Otras que hemos incluidos son usadas para baños y baldeos, pero nunca para consagraciones.

The twenty one photos included on this voyage are some of the plants used by the Lukumí for ritual and medicinal purposes. Most of these photos have been taken in Miami and Cuba. The majority of these herbs (identified by an asterisks) are indispensable for ordinations and other ceremonies. Others that have been included are important for ritual baths and washings, though never used for consecrations.

Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Em 18 de Janeiro deste ano, ikú roubou à comunidade religiosa lukumi, a mais opulenta e melodiosa apuón que os Estados Unidos conheceram, Olympia Alfaro, Omí Sanyá. Ainda que não tenha sido a primeira apuón lukumi nos E.E.U.U., possivelmente foi uma das maiores influências no desenvolvimento desse rol neste país. Muitos dos primeiros apuóns, incluindo a mim mesmo, não podem negar que Omí Sanyá ocupa um lugar em seus repertórios para os Orixás.

Omí Sanyá nasceu em 10 de Novembro de 1927, na seção Buena Vista de Marianao, um subúrbio de La Habana. Quando criança, ela esteve constantemente rodeada por música, especialmente pelas tradições afro-cubanas, das quais ela eventualmente se tornaria uma parte. Em suas próprias palavras:

“Buena Vista estaba llena de santero. Tambor toda la semana. Bembé. Bembé.—Buena Vista estava cheia de santero. Tambor toda a semana. Bembé.”

Ainda que sua mãe não tenha sido uma aderente fervorosa, a família de Omí Sanyá não era estranha às religiões bantu e lukumi. Sua tia, Prudencia Alfaro, foi uma sacerdotisa de Yemojá muito conhecida, que foi ordenada no século XIX. De acordo com Omí Sanyá, ela foi a ojigbona de um dos mais famosos Oriatés do começo do século XX, José Roché, Oshún Kayodé, que foi ordenado em 1896 por Tranquilina Balmaseda, Omí Yalé.

Não obstante, seus pais não eram religiosos praticantes e Omí Sanyá foi a primeira a experimentar a ordenação lukumi, em 25 de Julho de 1968. Ela foi ordenada para Yemojá em La Habana, por Carlos García, Omí Saidé, um omorixá de Rigoberto “el de Madruga” Rodriguez, Oshún Yemí[1] No futuro, sua irmã seguirá o seu exemplo—“Oshún não lhe deu chance”, segundo Omí Sanyá— e em Miami, no final dos anos ’70, ela ordenou sua irmã, a famosa contra-alto Xiomara Alfaro, para Oshún.

Omí Sanyá chegou aos E.E.U.U. em 1969 e alguns dias depois, ela foi ao seu primeiro wemilere fora de Cuba, no lar do falecido Juan Candela, um Oní Shangó muito conhecido de Matanzas, que vivia em New York desde o início dos anos ’60. Ainda que ela fosse uma jovem sacerdotisa, muitos Olorixás conheciam Omí Sanyá de wemileres em que ela havia servido como aprendiz de um dos mais relembrados apuóns de Cuba, o Oní Yemojá José Antonio Zubiadur, Tinibú. Ainda que ele não fosse um descendente lukumi—sua mãe foi uma sacerdotisa arará de Hebiosso—Tinibú foi adotado pelos lukumis numa idade muito nova.

Omí Sanyá teve muitos outros mentores; renomados apuóns que incluem o famoso Minino, e Luis “Magín” Santamaría, Ol’Oshúndé. Contudo, Tinibú foi o principal mentor de Omí Sanyá. Omí Sanyá, Pedrito Saavedra, Agongolojú e Amelia Pedrozo, Olomidé— todos trouxeram glórias ao canto lukumi— seguiram a Tinibú em todo wemilere em que ele cantou em La Habana por anos. Eles foram seus aprendizes e coro pessoal. Toda vez que era possível, Tinibú lhes permitia uma oportunidade, algo que Omí Sanyá (e qualquer um treinado para essa tarefa) valorizava muito naquela época, quando ainda havia descendentes diretos dos lukumis em Cuba e não se podia ser um improvisado em qualquer campo lukumi, como acontece tanto hoje em dia! Devíamos ser pontualmente reconhecidos pela comunidade como treinados e ganhar o status de apuón, o que somente era possível depois de um longo período de treinamento, o que significava acompanhar sempre a um mentor a todos os lugares. Em segundo lugar, se o treinado se apresentava em algum momento do seu aprendizado, deveria fazê-lo na presença de seu professor. Nunca um treinado se apresentou durante a ausência do seu mentor sem ter sido especificamente autorizado por este. Se isto ocorresse, seria considerado desrespeitoso e abertamente traiçoeiro.

Além de ter sido um dos mais melodiosos e respeitados apuóns na ilha, Tinibú também era estimado pela bela manifestação de Yemojá que: “dançava em sua cabeça”—tal como a possessão é muitas vezes descrita. De acordo com aqueles o suficientemente afortunados para tê-lo visto possuído—ele foi o ojigbona da minha avó, Marta Nebot, Oshún Ilarí, a quem ouvi incontáveis vezes relembrar da Yemojá de Tinibú—Tinibú fôra agraciado pelo seu orixá. Devido a um acidente, quando ainda era um rapaz, Tinibú ficou com uma coxeadura muito grave e dependia de uma bengala para se locomover. Este triste acontecimento lhe valeu o apelido de el cojo—o coxo. Mas, Yemojá foi outra história. Tão pronto quanto Yemojá começou a tomar posse do corpo de Tinibú, o bastão voou pelos ares, contra a parede ou contra a multidão. Yemojá não tinha uso para o bastão. Ela caminhava, saltava e, de acordo com a maioria das opiniões, dançava a mais maravilhosa agolona Olorishas que tivessem visto.[ii] Tão logo Yemojá partia, Tinibú gritava pelo seu bastão: “mi bastón!”

Uma vez em New York, Omí Sanyá ganhou grande popularidade em um período de tempo muito curto. No seu segundo dia na cidade, ela já estava se apresentando em um wemilere para Oshún no Bronx, onde ela se encontrou com muitos olorixás que a conheciam da ilha e que podiam lhe atestar status por tê-la visto em suas apresentações com Tinibú. Na época em que ela chegou, Añá e os tambores batás consagrados, ainda eram desconhecidos nos E.E.U.U. A maioria dos wemileres com tambores batás era compensada com aberikunlás—tambores batás não consagrados que compensavam as preparações rituais para energizar os tambores com Añá, o orixá dos tambores e da musica. Agbé—o conjunto de shekerés, era a outra alternativa. Omí Sanyá cantou com os dois. Em 1975, o primeiro grupo de batás consagrados com o ashé de Añá nasceu nos E.E.U.U. quando o babalawô Pipo Peña, Ogbeyonu, consagrou o primeiro tambor de fundamento nos E.E.U.U. Por essa época, Omí Sanyá já tinha se tornado a mais proeminente apuón do país.

No final dos anos ‘60, Ogbeyonu deixou Cuba com sua família e se reinstalou em New Orleans. Peña em seguida começou a viajar a Miami para trabalhar para olorixás que requeriam seus serviços religiosos. Ogbeyonu, tal como Añabí e Atandá—os progenitores cubanos de Añá e dos tambores batás na ilha—um século antes, estava desapontado ao saber que os únicos tambores disponíveis nos E.E.U.U. eram aberikunlás e não os tambores batás ortodoxos, tão necessários à luz da crescente comunidade de olorixás. Ogbeyonu, hoje residindo em Miami, era neto do falecido Arturo Peña, Otúrupón Bara’ifé, um babalawô cubano muito conhecido.

Arturo tinha consagrado muitos anos antes, um grupo de tambores em Cuba para Jesus Pérez, e Ogbeyonu foi apresentado durante toda a cerimônia. Ainda que não era um tocador de tambor de ofício, Ogbeyonu era bem versado nos rituais necessários para a consagração de Añá. Mesmo assim, foi até Cuba atrás da documentação apropriada para verificar os rituais que deveria levar a cabo, no caso de que lhe falhasse a memória. Também solicitou medidas e detalhes para a construção dos tambores. Em 13 de Fevereiro de 1975, em Miami, Ogbeyonu, junto a 16 babalawôs e vários olorixás, consagrou o primeiro grupo de batás rituais nos E.E.U.U. Os tambores foram chamados Okilapá, como o falecido tocador de tambor Pablo Roche. Os primeiros tocadores de tambor consagrados como omó Añá nos E.E.U.U. foram Ogbeyonu e seus dois filhos, Arturo e Reynaldo, e o percussionista-de-base e babalawô Julito Collazo, de New York.

A notícia de que Añá tinha nascido nos E.E.U.U. se espalhou como as chamas.Depois de ter cumprido com as obrigações religiosas, tocando para Egún e Oshún, sua divindade tutelar e da sua esposa, a iyalorixá do tambor, Ogbeyonu começou a receber pedidos de olorixás ansiosos por cumprir com suas apresentações rituais diante dos tambores, que até então não tinham sido realizadas porque Añá não existia. Ele tocou duas vezes em Miami, outra vez para Oshún, e depois para Obatalá, para um babalawô companheiro, Ignacio Ferrer. Logo depois, Peña foi a New York City para tocar por primeira vez com Añá na Grande Maçã. Este evento aconteceu no lar de Olympia Alfaro, Omí Sanyá, sacerdotisa de Yemojá, que naquele tempo tinha se tornado a apuón do grupo e viajado com Ogbeyonu e Okilapá quando seus serviços eram solicitados. Também foram o primeiro fundamento a tocar na Califórnia, no lar do babalorixá Arturo Sardiña, Olomidara, em 1976. [3] Omí Sanyá em seguida mudou-se a Miami e começou a cantar ali com outros conjuntos de tambores, especialmente depois de 1980, quando mais tambores consagrados começaram a chegar de Cuba.

Nos anos ‘80, Omí Sanyá continuou ganhando popularidade em Miami e, mesmo que surgissem novos apuóns, a maioria dos olorixás solicitava que ela cantasse em seus wemileres e agbés por causa da sua voz incrível. Em 1988, Omí Sanyá e eu fomos apuóns em duas produções teatrais que foram apresentadas em Miami: Wemilere: Fiesta a los Orishas, e Ibolorun: Paraiso Yoruba. No final dos anos ‘90, Omí Sanyá também se apresentou em South Beach, em Miami, acompanhando o conjunto de dança Ifé Ilé e o olubatá Ezequiel Torres e seu grupo, executando música e dança afro-cubana, que também incluía música para os orixás. Em 2000, Omí Sanyá também apareceu em “For Love or Country: The Arturo Sandoval Story”, um filme da HBO acerca da vida do famoso trompetista cubano. Na cena, Omí Sanyá aparece num solar, na localidade de Belén, em La Habana, o lugar onde o famoso músico cubano Chano Pozo nasceu. Quando a cena se revela, mesmo antes do espectador ver o rosto de Omí Sanyá, o som da sua voz, ao fundo, cantando um guaguanco é inconfundível. Aqueles dentre nós que a conheceram, imediatamente reconheceram a voz inimitável.

Em 2001, Omí Sanyá foi anunciada como uma das artistas numa exibição no Historical Museum of Southern Florida, da que fui convidado como curador: “At the Crossroads: Afro-Cuban Orisha Arts in Miami”. Dias depois da sua morte, o museu me informou que a Direção de Administração e Pessoal do museu tinha feito uma doação ao museu, em memória de Olympia Alfaro, para ser usada na obtenção de material de pesquisa para o museu. Para comemorar esta doação, o museu incluiria uma placa recordativa nos 2 volumes que possuía de Los Instrumentos de la Música Afrocubana, de Fernando Ortiz. Omí Sanyá, a diferença de seus predecessores, passou a formar parte dos livros de história.

Omí Sanyá foi agraciada por Olodumare com um dom: sua incrível voz. Não havia nada que ela mais gostasse do que cantar para os orixás. De fato, para ela isto era um preceito. Na sua ordenação de itá, Elegbá pediu-lhe que cantasse para ele toda vez que pudesse. Era seu costume saudar a Elegbá toda manhã com alguns trechos da ibarabó agó mojubá, antes de começar o seu dia. Se uma coisa deve ser enfatizada sobre a vida da apuón e iyalorixá Olympia Alfaro, Omí Sanyá, é o fato de ela ter vivido toda a sua existência a serviço de Olodumare e dos orixás. Ela cantou para eles com paixão, devoção e incrível zelo religioso, e fez isto até o seu último dia de consciência.

A maneira pela qual Omí Sanyá faleceu, não importa quão duro possa ser para aqueles que a amaram aceitar isto, tenho certeza, foi do modo que ela queria ter morrido. Omí Sanyá faleceu do modo mais dignificante, da maneira que um verdadeiro apuón indubitavelmente desejaria: cantando para os orixás. Sem dúvida, Omí Sanyá tem galgado a mesma posição de outros grandes apuóns lukumis que a precederam no orún. Estou certo de que neste momento, ela está cantando louvores a Olodumare, e o incrível som da sua voz deve reverberar através do orún, com José Antonio Tinibú observando.

© Dos arquivos de Miguel “Willie” Ramos, Ilarí Obá, Obá Oriaté
Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

O seguinte é um trecho de “The Empire Beats On: Oyo, Batá Drums, and Hegemony in Nineteenth-Century Cuba.” Tese de Mestrado. Miami: Florida International University, 2000 (Ch. V)

A sobrevivência das culturas africanas em Cuba é em grande medida devedora aos cabildos de nación ou associações étnicas africanas. Os cabildos foram baseados nas cofradías espanholas (confrarias, grêmios ou fraternidades) primeiramente organizadas em Sevilha, ao redor do século XIV. Estas cofradías foram colocadas sob a tutela de um santo católico e suas reuniões tinham lugar na capela do santo. Ortiz informa que esses grêmios foram organizados durante o reinado de Alfonso el Sabio, quem, após a criação do código legal espanhol conhecido por Las Siete Partidas, desejou “pôr ordem nas questões eclesiásticas e civis”.[I] Isidoro Moreno, um historiador espanhol que fez uma impressionante investigação das cofradías africanas na Espanha, cita que Ortiz de Zúñiga escreveu em 1474, que os escravos africanos em Sevilha eram tratados bondosamente e lhes era permitido “reunir-se para suas danças e celebrações nos feriados, de maneira que depois cumpririam prazerosamente seu trabalho e seriam mais tolerantes com seu cativeiro”.[II] Assim como Ortiz, Moreno concorda em que essas foram as precursoras dos cabildos afro-cubanos.[III] Philip Howard também tem adotado este ponto de vista numa publicação recente a respeito. [IV] Howard também aponta para a existência de instituições comparáveis na África.[V]

Os cabildos têm existido em Cuba desde o século XVI. Sandoval escreveu que a primeira cofradía africana de que se tem documentação em Cuba, foi formada em 1598.[VI] Em 1691, os ararás adquiriram um solar na rua Compostela em La Habana, onde foi fundado o primeiro cabildo. No presente, este solar ainda é conhecido como el solar de los Arará (o solar dos ararás).[VII] Contudo, a população africana da ilha ainda não era significativa naquele tempo, nem se tornou, a não ser algum tempo depois. Durante os séculos XVI e XVII, os cabildos não eram tão expressivos como o foram a partir do boom do açúcar no século XVIII. Como a população africana da ilha se desenvolveu a fins do século XVIII, os cabildos serviam a vários propósitos. As autoridades coloniais e a legislação espanhola favoreceram inicialmente o estabelecimento dos cabildos para diversão da população escrava da ilha.[VIII] Inicialmente, foram destinados a serem meios de controle social, um tipo de válvula de escape que ajudou a aliviar as tensões entre os amos e os escravos. Os africanos reuniam-se em seus cabildos quando lhes era permitido, para dançarem nos feriados de acordo com os “costumes das suas nações”.[IX]

Na maior parte, os cabildos foram organizados por escravos ou africanos manumissos pertencentes à mesma filiação étnica. Parece terem sido muito populares nas áreas urbanas.[X] Para os africanos, o cabildo serviu para muitas finalidades. Howard enfatizou que os cabildos foram cruciais para a conservação da humanidade dos escravos, superando injustiças sociais.[XI] Como sociedades de ajuda mútua, coletavam dinheiro ou juntavam recursos para assistir a um membro em tempos de doença ou morte e muitas vezes, para ajudar a alforriar um compatriota.[XII] Provavelmente os cabildos também serviram como asilo para escravos fugitivos. Ainda que o argumento de Howard de os cabildos não terem sido apenas “grupos de africanos reunidos para cantar e dançar a música de suas culturas respectivas” seja obviamente válido, isto não pode negar que uma das mais importantes funções do cabildo foi religiosa por natureza.[XIII]

Os cabildos foram as “igrejas” dos africanos, lugares onde podiam consultar as divindades e ancestres que os acompanharam na viagem forçada. Para aqueles escravos que persistiram em suas tradições africanas como um dos poucos meios de socorro à disposição, o cabildo representou um pedaço da África em território hostil onde podiam manter vivas a sua fé e as esperanças de mudança. Tal como Sandoval tem escrito, os cabildos foram “as instituições que fizeram viável a conservação da idiossincrasia, da religião e da cultura de cada nação africana”.[XIV] Simultaneamente, os cabildos constantemente vigoraram as identidades que a aculturação ocidental tratou de erradicar. O batá iorubano, a Nganga bantu e o iremé carabali foram utilizados nos cabildos, não somente em seu contexto religioso original, mas também como métodos de resistência que inibiram os amargos processos de deculturação e aculturação e aliviaram a humilhação e o senso de deshumanização associados à escravidão. As canções, danças e ritmos dos tambores, executados para as divindades africanas em uma terra tão hostil para os africanos, foram tanto mecanismos religiosos quanto inerentes a manter viva a sua africanidade. Neste sentido, o cabildo foi um centro de resistência à hegemonia cultural espanhola.

Para a sociedade branca espanhola e cubana, os cabildos foram necessários, mas instituições bárbaras que ela preferia não ver ou escutar. No final do século XVIII, ela começou a ficar preocupada com a classe dirigente. Vários artigos do Bando de Buen Gobierno y Policia, de 1792, foram dirigidos ao controle dos cabildos e seus membros. O artigo 39 clama por atenção às queixas contra os cabildos localizados em ruas habitadas por “ vizinhos honestos que justamente se queixam do desconforto ocasionado pelos sons grotescos e desagradáveis de seus (dos africanos) instrumentos. . . . Ordeno que em um ano, a contar da data de hoje, todos os cabildos sejam transferidos às margens da cidade”.[XV] A legislação seguinte do século XIX, reforçou muitas dessas proibições.[XVI]

Pelo século XIX, todos os cabildos estavam localizados fora dos muros da cercada cidade de La Habana. Para os brancos, isto significou que não teriam que ouvir os “barulhos infernais”[XVII] resultantes das celebrações africanas. Para os africanos, esta expulsão do interior da cidade foi uma bênção disfarçada, porque lhes permitiu um grau de privacidade que, de outra maneira, não haveriam tido. Por tal, isto foi um capital acrescido a mais na antecipação da aculturação, facilitando a transmissão da cultura africana.

Fora dos muros da cidade, os cabildos não foram tão reprimidos quanto o foram dentro da cidade e conseqüentemente, tiveram maior oportunidade de conservar aspectos culturais que não teriam resistido tão vibrantemente sob os olhos sempre vigilantes dos cubanos.

Ocasionalmente, os cabildos acalentaram conspirações de insurreição dos escravos A Conspiração de Aponte, em 1812, nasceu no famoso cabildo lukumi Changó Tedún.[XVIII] Acredita-se que José Antonio Aponte tenha sido um sacerdote de Shangó e o diretor do cabildo quando a conspiração foi planejada.[XIX] Aponte é creditado com ter sido o “primeiro cubano que sonhou com a bela inspiração de rebelião contra a dominação espanhola”.[XX] Em 1843, antes da barbaridade resultante do descobrimento da Conspiração de Escalera, parece que a tensão tinha afetado os cabildos. Em 19 de novembro, o regente do distrito de Puerto Príncipe ficou alarmado com a criação de um cabildo em seu distrito, que tinha sido fundado por 1.200 escravos. Estava preocupado com eles, pois “a piedade dos nossos soberanos permitiu aos escravos que realizassem suas celebrações em momentos específicos do ano, dando-lhes um respiro para suavizar a sua sorte, mas, não esqueçam de adotar todas aquelas precauções que evitem, em primeiro lugar, a inversão das boas intenções de vocês, uma graça concedida tão generosamente”. [XXI}

Na virada do século, os cabildos eram praticamente uma casta moribunda. Em 1884, a procissão para celebrar a Epifania, algo que muitos cabildos vinham praticando por décadas, foi proscrita. Em 1887, a legislação requereu que os cabildos obtivessem reconhecimento oficial e licenças. Outra lei, de abril de 1888, proibiu aos cabildos de se organizarem no típico estilo colonial e demandou que em vez disso, se organizassem como sociedades ou organizações, seguindo as leis estabelecidas para as sociedades cubanas. [XXII]

No século XX, ainda que o cabildo, como sociedade de ajuda mútua, parece ter se reduzido, se não desaparecido, os olorixás continuaram a desfilar os orixás lukumis através da localidade de Regla, em La Habana, sob o disfarce de imagens católicas. Regla foi um importante enclave lukumi no século XIX e no início do século XX em Cuba. Muitas tradições lukumis que sobreviveram em Cuba, vieram à ilha através do porto de Regla. Houve duas procissões de cabildos em Regla que obtiveram grande fama: a do cabildo Yemayá, de Ño Remigio Herrera, Adeshina, e a do cabildo de Susana Cantero, Omí Toké. A do primeiro foi herdada por sua filha Josefa Herrera, Eshú Bí, mais conhecida como Pepa, e é através de Pepa que a procissão ganha eminência. Omí Toké foi uma creole descendente de calabaris e lukumis, que foi ordenada para Yemojá em Palmira, ao redor de 1900, por Andrea Trujillo, Ewiyimí. Ela foi uma das iyalorixás mais respeitadas de Regla. Eshu Bí faleceu em julho de 1947 e Omí Toké morreu em agosto de 1948. Até as suas mortes, estas duas sacerdotisas competiram todos os anos para superar a procissão uma da outra.

As procissões começavam na igreja de Regla, no extremo Noroeste da cidade. Ali, apareciam colocadas quatro imagens de santos católicos diante do altar, e o sacerdote acolhia a massa e pronunciava suas bênçãos borrifando as imagens, os tambores e a multidão com água benta.[XXIII] Na entrada da igreja, os diretores do cabildo jogavam o obi, um dos oráculos lukumis, para avaliar se as divindades concordavam com rito católico, antes de prosseguir com a marcha. Depois de o oráculo ter confirmado que os orixás estavam satisfeitos, os fiéis atravessavam a rua até o começo da baia, onde novamente consultavam o oráculo e ofereciam seus respeitos no mar a Yemojá e a Olokún. Os devotos depositavam oferendas para estes orixás na água, enquanto os tambores batás tocavam e a multidão respondia com cantos e louvores às divindades. A possessão pelos orixás ocorria muito freqüentemente durante este ritual e as divindades amiúde acompanhavam seus devotos na celebração.

Da baia, a procissão marchava a pé através da cidade, descendo diretamente a rua Maceo e liderada pelos tambores batás. No caminho, o cabildo fazia pausas na delegacia de polícia, no escritório do alcaide e nos lares de importantes olorixás que viviam na cidade. Não havia conflitos com as autoridades locais porque as permissões chegavam automaticamente todo ano desde o Capitólio em La Habana ao escritório do alcaide, na municipalidade da cidade, sem que os olorixás as solicitassem. Em cada porta de entrada, consultavam o oráculo e pagavam tributo à casa e aos seus habitantes, cantando louvores, acompanhados pelos tambores, aos humanos e aos orixás: se um ou uma olorixá vivia na casa, teria um obi pronto para ser jogado na entrada. Uma vez que o cabildo tivesse pagado tributo às divindades tutelares da casa, e o obi tivesse respondido favoravelmente, então, o/a olorixá homenageado/a acompanhava a multidão de marchadores em sua parada, descendo pela longa e estreita rua da cidade portuária. A procissão terminava na entrada do cemitério de Regla, no outro extremo da cidade. Eram em torno de duas milhas desde o ponto de partida até os portões do cemitério. Olorixás de toda a ilha viajavam todos os anos a Regla para o evento.[XXIV]

Por causa da necessidade de conciliar suas práticas religiosas e cumprir com o mandado da sociedade de todos os cidadãos serem bons católicos, os devotos do cabildo carregavam as estátuas de quatro santos católicos através da cidade: Nossa Senhora das Mercês, representando a Obatalá, Nossa Senhora da Caridade, representando a Oshún, Nossa Senhora de Regla, representando a Yemojá e Santa Bárbara, representando a Shangó. Eles transformaram, mediante consagrações rituais, estas estátuas em manifestações “brancas” dos orixás.[XXV] Para os indivíduos forâneos à cultura e à religião, pela aparência externa das estátuas, não havia nada mais do que a representação de santos católicos; para os olorixás, estes santos eram divindades da Iorubalândia representadas através de um novo meio. Os fiéis desfilavam estas estátuas através de Regla sobre barras apoiadas em seus ombros. Adornavam-nas com elaborados arranjos florais, rendas caras e tecidos metalizados e bordados à mão. Os homens carregavam as imagens representando a Yemojá e a Obatalá, e as mulheres carregavam Oshún e Shangó. [XXVI

Notas finais

[I] Fernando Ortiz. Los cabildos y la Fiesta Afrocubana del Dia de Reyes. Na Revista Bimestre Cubana XVI. (Jan-Fev. 1921). Em 1992 (versão que possuo), foi reimpressa pela Editorial de Ciencias Sociales em La Habana. A citação é de Ortiz 1992 : 5; Mercedes Sandoval La Religión Afrocubana. Madrid: Playor, 1975 : 44; Jorge Castellanos e Isabel Castellanos, Cultura Afrocubana 1. Miami: Ediciones Universal, 1988 : 110. Vide também Isidoro Moreno. La Antigua Hermandad de los Negros de Sevilla: Etnicidad, Poder y Sociedad en 600 Años de Historia. Sevilha: Universidad de Sevilla, 1997.

[II] Diego Ortiz de Zúñiga. Anales eclesiásticos y seculares de la Muy Noble y Muy Leal ciudad de Sevilla, metropolí de Andalucía. XII (10) Madrid, 1677: em Moreno La Antigua…: 40.

[III]Moreno La Antigua. . . : 40.

[IV] Philip A. Howard. Changing History. Afro-Cuban cabildos and Societies of Color in the Nineteenth Century. Baton Rouge: Louisiana State University, 1998.

[V] Howard Changing History. . . : 24-5.

[VIi] Sandoval La Religión. . . : 45.

[VII] Entrevista com Rodolfo Martinez, Igbín Koladé, sacerdote de Obatalá e Obá Oriaté. La Habana, Cuba. 1977. Também Pedro Deschamps Chapeaux El Negro en la Economía Habanera del Siglo XIX. Habana: Union de Escritores y Artistas de Cuba, 1970: 31.

[VIII] Ortiz Los cabildos. . . : 6-7; Howard Changing History . . . : 27.

[IX] Pedro Antonio Alfonso. Memorias de un matancero. 1854 : n. 39, em Ortiz Los cabildos. . . : 7.

[X] Sandoval La Religión. . . : 46.

[XI] Howard Changing History. . . : xvii.

[XII] Castellanos e Castellanos, Cultura . . . 1 : 112-3.

[XIII] Howard Changing History. . . : 28; Ortiz Los cabildos. . . : 8; Sandoval La Religión…:43; Castellanos e Castellanos Cuiltura …1:110.

[XIV] Sandoval La Religión. . . : 48.

[XV] Ortiz Los cabildos. . . : 7; Howard Changing History. . . : 54.

[XVI] Ortiz Los cabildos. . . : 8; Howard Changing History. . . : 55. O Bando de Buen Gobierno y Policia, de 1842, outra vez banindo os cabildos do interior da cidade e enfatizando que suas celebrações somente poderiam acontecer aos sábados e nos feriados reconhecidos. Em1853, o Governador legislou que os cabildos se localizassem na Rua San Lázaro “en el barrio de Vives desde la Calzada hasta la Diaría entre las de Florida y Cuñado ó sea Calle de las Figuras y en el punto convenido por el Retiro de Pueblo Nuevo estensivo á la estancia de Don Dionisio Delgado” . Archivo Nacional de Cuba. Fondo Gobierno Superior Civil, leg. 1677, nº 83983.

[XVIII] Esteban Pichardo em Ortiz Los cabildos. . . : 1.

[XVIII] Roque E. Garrigo. “Historia Documentada de la Conspiración de los Soles y Rayos de Bolívar.” La Habana: Academia de la Historia de Cuba, 1927.

[XIX] Franco La Conspiración de Aponte. Habana: Publicaciones del Archivo Nacional LVIII, 1963: 25-6

[XX] Franco La Conspiración. . . : 22.

[XXI] Archivo Nacional de Cuba. Fondo Gobierno Superior Civil, leg. 367, nº 13877.

[XXII] Ortiz Los cabildos. . . : 11.

[XXIII] Entrevista com o Babalawô Pipo Peña. Miami, 6 de Fevereiro de 2000. Peña, um nativo de Regla, diz que as imagens de Omi Toké eram consentidas na igreja, entanto que as de Eshu Bí permaneciam na entrada e nunca foram trazidas para o interior da igreja. Não está esclarecido se isto era porque Eshu Bi, e seu pai antes dela, teriam declinado de entrar na igreja, ou se era por alguma outra razão.

[XXIV] Entrevista com Pipo Peña. Miami, 6 de Fevereiro de 2000. Minha avó, Marta Nebot, Oshún Ilarí, muitas vezes contou-me histórias do cabildo. O aniversário de seu orixá era no 9 de Setembro, no último dia do último dia do cabildo. De acordo com o que ela me contou, quando o cabildo terminava, muitos dos participantes recobravam o alento em sua casa para pagar tributo aos orixás e resumir os eventos do dia.

[XXV] Entrevista com Pipo Peña. Miami, Florida, 6 de Fevereiro de 2000. Peña é um nativo de Regla e sua família esteve ativamente envolvida com o cabildo e com sua preparação.

[XXVI] Entrevista com Pipo Peña. Miami, 6 de Fevereiro de 2000.

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