Traduzido por Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

Em 18 de Janeiro deste ano, ikú roubou à comunidade religiosa lukumi, a mais opulenta e melodiosa apuón que os Estados Unidos conheceram, Olympia Alfaro, Omí Sanyá. Ainda que não tenha sido a primeira apuón lukumi nos E.E.U.U., possivelmente foi uma das maiores influências no desenvolvimento desse rol neste país. Muitos dos primeiros apuóns, incluindo a mim mesmo, não podem negar que Omí Sanyá ocupa um lugar em seus repertórios para os Orixás.

Omí Sanyá nasceu em 10 de Novembro de 1927, na seção Buena Vista de Marianao, um subúrbio de La Habana. Quando criança, ela esteve constantemente rodeada por música, especialmente pelas tradições afro-cubanas, das quais ela eventualmente se tornaria uma parte. Em suas próprias palavras:

“Buena Vista estaba llena de santero. Tambor toda la semana. Bembé. Bembé.—Buena Vista estava cheia de santero. Tambor toda a semana. Bembé.”

Ainda que sua mãe não tenha sido uma aderente fervorosa, a família de Omí Sanyá não era estranha às religiões bantu e lukumi. Sua tia, Prudencia Alfaro, foi uma sacerdotisa de Yemojá muito conhecida, que foi ordenada no século XIX. De acordo com Omí Sanyá, ela foi a ojigbona de um dos mais famosos Oriatés do começo do século XX, José Roché, Oshún Kayodé, que foi ordenado em 1896 por Tranquilina Balmaseda, Omí Yalé.

Não obstante, seus pais não eram religiosos praticantes e Omí Sanyá foi a primeira a experimentar a ordenação lukumi, em 25 de Julho de 1968. Ela foi ordenada para Yemojá em La Habana, por Carlos García, Omí Saidé, um omorixá de Rigoberto “el de Madruga” Rodriguez, Oshún Yemí[1] No futuro, sua irmã seguirá o seu exemplo—“Oshún não lhe deu chance”, segundo Omí Sanyá— e em Miami, no final dos anos ’70, ela ordenou sua irmã, a famosa contra-alto Xiomara Alfaro, para Oshún.

Omí Sanyá chegou aos E.E.U.U. em 1969 e alguns dias depois, ela foi ao seu primeiro wemilere fora de Cuba, no lar do falecido Juan Candela, um Oní Shangó muito conhecido de Matanzas, que vivia em New York desde o início dos anos ’60. Ainda que ela fosse uma jovem sacerdotisa, muitos Olorixás conheciam Omí Sanyá de wemileres em que ela havia servido como aprendiz de um dos mais relembrados apuóns de Cuba, o Oní Yemojá José Antonio Zubiadur, Tinibú. Ainda que ele não fosse um descendente lukumi—sua mãe foi uma sacerdotisa arará de Hebiosso—Tinibú foi adotado pelos lukumis numa idade muito nova.

Omí Sanyá teve muitos outros mentores; renomados apuóns que incluem o famoso Minino, e Luis “Magín” Santamaría, Ol’Oshúndé. Contudo, Tinibú foi o principal mentor de Omí Sanyá. Omí Sanyá, Pedrito Saavedra, Agongolojú e Amelia Pedrozo, Olomidé— todos trouxeram glórias ao canto lukumi— seguiram a Tinibú em todo wemilere em que ele cantou em La Habana por anos. Eles foram seus aprendizes e coro pessoal. Toda vez que era possível, Tinibú lhes permitia uma oportunidade, algo que Omí Sanyá (e qualquer um treinado para essa tarefa) valorizava muito naquela época, quando ainda havia descendentes diretos dos lukumis em Cuba e não se podia ser um improvisado em qualquer campo lukumi, como acontece tanto hoje em dia! Devíamos ser pontualmente reconhecidos pela comunidade como treinados e ganhar o status de apuón, o que somente era possível depois de um longo período de treinamento, o que significava acompanhar sempre a um mentor a todos os lugares. Em segundo lugar, se o treinado se apresentava em algum momento do seu aprendizado, deveria fazê-lo na presença de seu professor. Nunca um treinado se apresentou durante a ausência do seu mentor sem ter sido especificamente autorizado por este. Se isto ocorresse, seria considerado desrespeitoso e abertamente traiçoeiro.

Além de ter sido um dos mais melodiosos e respeitados apuóns na ilha, Tinibú também era estimado pela bela manifestação de Yemojá que: “dançava em sua cabeça”—tal como a possessão é muitas vezes descrita. De acordo com aqueles o suficientemente afortunados para tê-lo visto possuído—ele foi o ojigbona da minha avó, Marta Nebot, Oshún Ilarí, a quem ouvi incontáveis vezes relembrar da Yemojá de Tinibú—Tinibú fôra agraciado pelo seu orixá. Devido a um acidente, quando ainda era um rapaz, Tinibú ficou com uma coxeadura muito grave e dependia de uma bengala para se locomover. Este triste acontecimento lhe valeu o apelido de el cojo—o coxo. Mas, Yemojá foi outra história. Tão pronto quanto Yemojá começou a tomar posse do corpo de Tinibú, o bastão voou pelos ares, contra a parede ou contra a multidão. Yemojá não tinha uso para o bastão. Ela caminhava, saltava e, de acordo com a maioria das opiniões, dançava a mais maravilhosa agolona Olorishas que tivessem visto.[ii] Tão logo Yemojá partia, Tinibú gritava pelo seu bastão: “mi bastón!”

Uma vez em New York, Omí Sanyá ganhou grande popularidade em um período de tempo muito curto. No seu segundo dia na cidade, ela já estava se apresentando em um wemilere para Oshún no Bronx, onde ela se encontrou com muitos olorixás que a conheciam da ilha e que podiam lhe atestar status por tê-la visto em suas apresentações com Tinibú. Na época em que ela chegou, Añá e os tambores batás consagrados, ainda eram desconhecidos nos E.E.U.U. A maioria dos wemileres com tambores batás era compensada com aberikunlás—tambores batás não consagrados que compensavam as preparações rituais para energizar os tambores com Añá, o orixá dos tambores e da musica. Agbé—o conjunto de shekerés, era a outra alternativa. Omí Sanyá cantou com os dois. Em 1975, o primeiro grupo de batás consagrados com o ashé de Añá nasceu nos E.E.U.U. quando o babalawô Pipo Peña, Ogbeyonu, consagrou o primeiro tambor de fundamento nos E.E.U.U. Por essa época, Omí Sanyá já tinha se tornado a mais proeminente apuón do país.

No final dos anos ‘60, Ogbeyonu deixou Cuba com sua família e se reinstalou em New Orleans. Peña em seguida começou a viajar a Miami para trabalhar para olorixás que requeriam seus serviços religiosos. Ogbeyonu, tal como Añabí e Atandá—os progenitores cubanos de Añá e dos tambores batás na ilha—um século antes, estava desapontado ao saber que os únicos tambores disponíveis nos E.E.U.U. eram aberikunlás e não os tambores batás ortodoxos, tão necessários à luz da crescente comunidade de olorixás. Ogbeyonu, hoje residindo em Miami, era neto do falecido Arturo Peña, Otúrupón Bara’ifé, um babalawô cubano muito conhecido.

Arturo tinha consagrado muitos anos antes, um grupo de tambores em Cuba para Jesus Pérez, e Ogbeyonu foi apresentado durante toda a cerimônia. Ainda que não era um tocador de tambor de ofício, Ogbeyonu era bem versado nos rituais necessários para a consagração de Añá. Mesmo assim, foi até Cuba atrás da documentação apropriada para verificar os rituais que deveria levar a cabo, no caso de que lhe falhasse a memória. Também solicitou medidas e detalhes para a construção dos tambores. Em 13 de Fevereiro de 1975, em Miami, Ogbeyonu, junto a 16 babalawôs e vários olorixás, consagrou o primeiro grupo de batás rituais nos E.E.U.U. Os tambores foram chamados Okilapá, como o falecido tocador de tambor Pablo Roche. Os primeiros tocadores de tambor consagrados como omó Añá nos E.E.U.U. foram Ogbeyonu e seus dois filhos, Arturo e Reynaldo, e o percussionista-de-base e babalawô Julito Collazo, de New York.

A notícia de que Añá tinha nascido nos E.E.U.U. se espalhou como as chamas.Depois de ter cumprido com as obrigações religiosas, tocando para Egún e Oshún, sua divindade tutelar e da sua esposa, a iyalorixá do tambor, Ogbeyonu começou a receber pedidos de olorixás ansiosos por cumprir com suas apresentações rituais diante dos tambores, que até então não tinham sido realizadas porque Añá não existia. Ele tocou duas vezes em Miami, outra vez para Oshún, e depois para Obatalá, para um babalawô companheiro, Ignacio Ferrer. Logo depois, Peña foi a New York City para tocar por primeira vez com Añá na Grande Maçã. Este evento aconteceu no lar de Olympia Alfaro, Omí Sanyá, sacerdotisa de Yemojá, que naquele tempo tinha se tornado a apuón do grupo e viajado com Ogbeyonu e Okilapá quando seus serviços eram solicitados. Também foram o primeiro fundamento a tocar na Califórnia, no lar do babalorixá Arturo Sardiña, Olomidara, em 1976. [3] Omí Sanyá em seguida mudou-se a Miami e começou a cantar ali com outros conjuntos de tambores, especialmente depois de 1980, quando mais tambores consagrados começaram a chegar de Cuba.

Nos anos ‘80, Omí Sanyá continuou ganhando popularidade em Miami e, mesmo que surgissem novos apuóns, a maioria dos olorixás solicitava que ela cantasse em seus wemileres e agbés por causa da sua voz incrível. Em 1988, Omí Sanyá e eu fomos apuóns em duas produções teatrais que foram apresentadas em Miami: Wemilere: Fiesta a los Orishas, e Ibolorun: Paraiso Yoruba. No final dos anos ‘90, Omí Sanyá também se apresentou em South Beach, em Miami, acompanhando o conjunto de dança Ifé Ilé e o olubatá Ezequiel Torres e seu grupo, executando música e dança afro-cubana, que também incluía música para os orixás. Em 2000, Omí Sanyá também apareceu em “For Love or Country: The Arturo Sandoval Story”, um filme da HBO acerca da vida do famoso trompetista cubano. Na cena, Omí Sanyá aparece num solar, na localidade de Belén, em La Habana, o lugar onde o famoso músico cubano Chano Pozo nasceu. Quando a cena se revela, mesmo antes do espectador ver o rosto de Omí Sanyá, o som da sua voz, ao fundo, cantando um guaguanco é inconfundível. Aqueles dentre nós que a conheceram, imediatamente reconheceram a voz inimitável.

Em 2001, Omí Sanyá foi anunciada como uma das artistas numa exibição no Historical Museum of Southern Florida, da que fui convidado como curador: “At the Crossroads: Afro-Cuban Orisha Arts in Miami”. Dias depois da sua morte, o museu me informou que a Direção de Administração e Pessoal do museu tinha feito uma doação ao museu, em memória de Olympia Alfaro, para ser usada na obtenção de material de pesquisa para o museu. Para comemorar esta doação, o museu incluiria uma placa recordativa nos 2 volumes que possuía de Los Instrumentos de la Música Afrocubana, de Fernando Ortiz. Omí Sanyá, a diferença de seus predecessores, passou a formar parte dos livros de história.

Omí Sanyá foi agraciada por Olodumare com um dom: sua incrível voz. Não havia nada que ela mais gostasse do que cantar para os orixás. De fato, para ela isto era um preceito. Na sua ordenação de itá, Elegbá pediu-lhe que cantasse para ele toda vez que pudesse. Era seu costume saudar a Elegbá toda manhã com alguns trechos da ibarabó agó mojubá, antes de começar o seu dia. Se uma coisa deve ser enfatizada sobre a vida da apuón e iyalorixá Olympia Alfaro, Omí Sanyá, é o fato de ela ter vivido toda a sua existência a serviço de Olodumare e dos orixás. Ela cantou para eles com paixão, devoção e incrível zelo religioso, e fez isto até o seu último dia de consciência.

A maneira pela qual Omí Sanyá faleceu, não importa quão duro possa ser para aqueles que a amaram aceitar isto, tenho certeza, foi do modo que ela queria ter morrido. Omí Sanyá faleceu do modo mais dignificante, da maneira que um verdadeiro apuón indubitavelmente desejaria: cantando para os orixás. Sem dúvida, Omí Sanyá tem galgado a mesma posição de outros grandes apuóns lukumis que a precederam no orún. Estou certo de que neste momento, ela está cantando louvores a Olodumare, e o incrível som da sua voz deve reverberar através do orún, com José Antonio Tinibú observando.

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