El Nuevo Herald, May 16, 2003
Alexandra Olson
Associated Press

Traduzido perto Ricardo Ferreira do Amaral, advogado, artista plástico e filho de Airá.

CARACAS – Os venezuelanos que praticam a santeria, uma religião de origem afro-antilhana que mistura ritos africanos e cristãos, veneram, entre ouras divindades, o prócer da independência sul-americana, o Libertador Simón Bolívar.

Porém, nunca antes houve algo semelhante aos novos ídolos da santeria local: trata-se de delinqüentes ou “malandros” que têm assumido caráter mitológico nas “barriadas” pobres de Caracas.

Estatuetas de 30 centímetros de altura, que exibem em suas calças jeans armas de fogo e facas, representam espíritos que – segundo os “santeros” — buscam o perdão de seus pecados advertindo aos jovens que devem evitar o crime, ajudando réus a sair do cárcere e curando a adição às drogas.

Entre eles está o “Niño (Menino) Ismael”, um ladrão de bancos que alguns dizem ter matado dezenas de pessoas na década de 1970 antes de morrer em um enfrentamento com a polícia. Sua imagem usa boné de baseball ladeado na cabeça, fuma um charuto e tem uma pistola calibre 38 nas suas calças jeans.

Outro ícone é a “Niña (Menina) Isabel”, uma prostituta e ladra que afirmam ter morrido de uma doença venérea na década de 1920. É representada vestida com uma camiseta rosa que deixa descoberto o ventre, com um gorro de esquiar, óculos escuros e uma faca ajustada ao tornozelo.

Estes espíritos formam parte do culto a María Lionza, a pedra angular da variante venezuelana da santeria, uma religião sincrética surgida em Cuba, que mistura o catolicismo trazido pelos espanhóis e as tradições espiritualistas ioruba dos escravos importados da África.

María Lionza, que alguns representam como uma formosa indígena e outros com uma imagem muito semelhante à Virgem Maria, preside sobre outras “cortes” ou conjuntos de espíritos.

As divindades originais da santeria como Eleguá, que se associa com Santo Antônio, pertencem à corte africana. Uma corte venezuelana inclui a Simón Bolivar, herói da independência da Venezuela, da Colômbia, do Equador, do Peru, da Bolívia e do Panamá.

O Niño Ismael e a Niña Isabel são membros da corte malandra ou criminal.

A Igreja Católica objeta o culto a María Lionza, mas faz tempo que abandonou seus intentos de eliminá-lo. Seus devotos pertencem a todas as classes sociais, mas, sobretudo às que possuem menos recursos. Centos de milhares de seguidores viajam a cada ano até o lugar que, segundo a tradição, foi o lar de María Lionza na montanha de Sorte, localizada no estado de Yaracuy, a uns 300 quilômetros a oeste de Caracas.

Os lojistas dizem que as estatuetas dos malandros começaram a aparecer nas suas estantes há dois anos. Mas o culto aos espíritos criminais surgiu nos começos da década de 1990, junto ao auge da delinqüência, disse ala antropóloga Patricia Márquez, diretora acadêmica do Instituto de Estudios Superiores de Administración de Caracas.

Para as classes altas, o malandro personifica a ameaça crescente da violência urbana. Em contraste, nos bairros pobres, sua figura oscila entre o herói comunitário e o valentão, assinalou Márquez num capítulo do livro “Venezuela Siglo XX: Visiones y testimonios”, publicado pela Fundación Polar.

Segundo cálculos oficiais, durante 2002 houve 9.000 homicídios no país. Vulneráveis à violência da rua e desconfiados diante da freqüente brutalidade policial, muitos moradores das “barriadas” pobres buscam a proteção do malandro espiritual.

Muitas das divindades da corte malandra são delinqüentes que faleceram em mãos da polícia ou em enfrentamentos com quadrilhas rivais entre os anos 50 e 70. Hoje em dia são considerados heróis folclóricos ao estilo de Robin Hood, que roubava para dar o botim aos pobres e proteger às “barriadas”.

“Ismael roubou, mas para ajudar aos mais necessitados”, disse Juan, um mecânico que comprava velas numa loja de santeria do centro da cidade.

Juan diz que comprou uma imagem de Ismael, o mais popular dos malandros, depois que o espírito persuadiu seu filho para que se “afastasse dos maus caminhos”.

No entanto, Márquez disse que diante do auge da criminalidade, são poucos os que vêem os delinqüentes de hoje com o mesmo halo romântico de outras épocas.

“Entre outras coisas, a corte malandra reflete nostalgia pelo presumido malandro do passado, dedicado a proteger o bairro”, acrescentou.

Sorry, the comment form is closed at this time.

© 2010 Eleda.org Web design and development by Tami Jo Urban Suffusion WordPress theme by Sayontan Sinha