From Correio da Bahia
Povo de santo homenageia São Bartolomeu na Igreja do Rosário dos Pretos e em terreiro da Federação
Adriana Jacob

O domingo foi de homenagem a São Bartolomeu na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. A missa é uma das mais tradicionais que ocorrem na igreja secular erguida pelos escravos no Largo do Pelourinho e acontece há mais de 200 anos. Na verdade, trata-se de uma das celebrações do Terreiro do Bogum, o único de tradição gege da Bahia.

A celebração de ontem foi um verdadeiro reencontro. É que as atividades do terreiro estavam paradas há sete anos, desde a morte da doné ou ialorixá Nissinha, última mãe-de-santo da casa, que só admite mulheres em sua liderança.

Agora, passado o tempo de preparação, vai assumir o cargo a mãe-de-santo Zaildes Iracema de Mello, a mãe Índia, escolhida através do jogo de búzios. “É uma responsabilidade muito grande, mas estou feliz por ter sido a escolhida”, diz Zaildes, que, aos 37 anos, vai se tornar uma das mais jovens mães-de-santo do estado.

Da igreja, o grupo seguiu para o Terreiro de Jesus, de onde partiu em dois ônibus fretados para a Ladeira de Bogum, no Engenho Velho da Federação. Ao chegar ao local, dezenas de pessoas subiram a ladeira em procissão, no mesmo trajeto feito há mais de 200 anos pelos seus ancestrais. Na frente do cortejo, sob o sol do meio-dia, a nova mãe-de-santo, que deve tomar posse agora em dezembro, em data a ser marcada. Os filhos e filhas-de-santo levam duas imagens, a de São Bartolomeu e a de São Gerônimo. O grupo é saudado com “banho de arroz” pelos moradores da rua, que vão para as portas e janelas das casas. O toque dos atabaques é ouvido de longe. Fazem a volta na Praça Mãe Runhó, “única praça do estado a ter o nome de uma mãe-de-santo, mulher e negra”, como explica o historiador Jaime Sodré.

Na entrada do barracão do terreiro, ao toque dos atabaques, alguns voduns – como são chamados as divindades africanas nos terreiros gege – se manifestam. Mas, logo depois, é hora de servir o almoço, uma grande feijoada. Afinal, como explica o ogã da casa há mais de 50 anos, Ailton Conceição, trata-se de uma reverência a um santo católico que já se tornou tradição no Terreiro do Bogum. “É uma cerimônia simples, que é feita porque temos que preservar o que existe, mas não se trata de uma festa de candomblé”.

Alguns dos filhos-de-santo do Bogum se consideram também católicos. É o caso também de outras pessoas que vão prestigiar a missa de São Bartolomeu, como Walter Nabuco, da Casa Branca. “Também sou irmão do Rosário dos Pretos, então muitos de nós aqui somos do candomblé, mas também católicos”. Outros, apesar de não se considerarem católicos, acompanham a missa e o cortejo. “Nós somos contra a intolerância, então não podemos discriminar nenhuma religião”, diz Jaime Sodré, ogã da casa há 35 anos.

O Terreiro de Bogum tem como uma das suas principais diferenças a língua falada nos rituais. Como explica Jaime Sodré, a língua falada pelos gege é o ewé, do povo fon, com tradição ligada ao Benin. A maioria dos candomblés baianos é de tradição nagô e utiliza como língua o iorubá. Além da língua, alguns rituais dos gege são diferentes. Os orixás são conhecidos como voduns e recebem outras denominações.

A missa em homenagem a São Bartolomeu marca a abertura do calendário de festas do Terreiro de Bogum. No dia 1º de janeiro, é realizada uma das festas mais tradicionais da casa, a da Água de Oxalá.

Sorry, the comment form is closed at this time.

© 2010 Eleda.org Web design and development by Tami Jo Urban Suffusion WordPress theme by Sayontan Sinha