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Babalorixá Balbino conta de que forma Xangô o ajudou a se comunicar com africanos no Benin
Hilcélia Falcão
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Balbino: “Fiquei impressionado com aquelas mulheres de peitos de fora e aqueles homens de corpo pintado”

Só um deus de justiça poderia estar por trás daquele reencontro. Guiadas pelos desígnios de Xangô, as mãos do antropólogo Pierre Verger levaram Balbino, primeiro filho-de-santo do sexo masculino de Maria Bibiana do Espírito Santo, mãe Senhora do Ilê Axé Opô Afonjá, àquele pequeno povoado na África ancestral. O lugar era Saketê, no Benin, do qual até então ele nunca tinha ouvido falar. Mas o que aconteceria depois o faria percorrer um caminho novo rumo à redescoberta da sua identidade cultural. Balbino Daniel de Paula, 61 anos, ou simplesmente Balbino, como é conhecido em Lauro de Freitas, onde está à frente do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, protagonizou em fevereiro de 1973, na sua primeira viagem à África, um dos mais marcantes episódios de sua vida de iniciado no candomblé.

Até então, esse babalorixá neto de escravos tinha a impressão de já estar acostumado às intervenções dos orixás. Afinal, crescera em Ponta de Areia, na Ilha de Itaparica, no terreiro de culto aos eguns de seu pai biológico, Pedro Daniel de Paula (Alapinin). “Até os 12 anos não podíamos ver a festa à noite, por isso ficávamos felizes quando tínhamos a oportunidade de dar presentes a Bababê na festa dele, ele dava ecó (acaçá) para a gente e mãe Senhora ia sempre lá, ela fazia obrigação de babalorixá”, conta Balbino. Acostumado aos mistérios da religião afro-baiana, disputava as malas dos veranistas para conseguir o dinheirinho de comprar presentes para o egun.

Foi nesta época, quando tinha apenas 6 anos, que conheceu o antropólogo Pierre Verger. Naquele tempo, o francês de alma afrobaiana ia a Itaparica acompanhado de mãe Senhora, que viria a ser mais tarde a mãe-de-santo do hoje babalorixá. “Ficava impressionado com a figura daquela mulher. A minha relação com a minha mãe era tão carinhosa que ela até me botou um apelido, Negrito, era assim que ela me chamava”, relembra, com os olhos marejados de lágrimas. Não é para menos. Para mãe Senhora, Balbino era o seu xodó.

Trágico episódio

Até ser iniciado por ela no culto afro, entretanto, muitas águas tiveram que rolar. Por motivos que ele até hoje desconhece, até ser encaminhado ao Ilê Axé Opô Afonjá, vivenciou uma experiência curiosa em outro terreiro de candomblé. Duas de suas irmãs já tinham sido feitas de santo no terreiro de São Gonçalo do Retiro. Mas ele, não. Continuava na sua rotina de verdureiro nas feiras livres de Salvador. Até que, por problemas de saúde, foi encaminhado a um terreiro na Federação. Contudo, um trágico episódio abortou o seu processo de iniciação. “O pai-de-santo, pai Vidal, de Oxagrian, morreu sete dias depois d”eu ter sido recolhido lá”, conta. Voltou para casa sem passar pela iniciação.

Foi quando Xangô interviu e modificou para sempre o seu destino. Irradiado pelo santo da sua cabeça, o feirante foi parar no Ilê Axé Afonjá, em São Gonçalo do Retiro. “Nunca entendi porque minha mãe não me levou logo pro Afonjá”, conta, intrigado. Feito de santo, ficou mais próximo de mãe Senhora e sua vida começou a mudar. Passou a conviver com personalidades de destaque, como Jorge Amado e Pierre Verger. “Tudo foi acontecendo de uma hora para outra”. Sempre amigo, o francês costumava lhe trazer do continente africano produtos relacionados ao candomblé. “E eu sempre pedia a ele (Verger): ”Me leva para a África?”. Ele me respondia: ”Um dia Xangô vai te levar””, recorda.

Reencontro ancestral

A mesma força mística que o conduzira ao Afonjá, naquele distante ano de 1959, parece ter regido todos os momentos até Saketê. O reencontro foi inusitado. “Quando cheguei, fiquei impressionado com aquelas mulheres de peitos de fora e aqueles homens de corpo pintado, nunca tinha visto coisa igual”, relembra Balbino que, depois desta época, voltou à África outras três vezes. Só que a estética da tribo não era nada diante do impacto no momento da comunicação com os seus “irmãos”. Perplexo pela identificação que sentira apesar de tanta diferença, Balbino ouviu, entre surpreso e confuso, a ordem de Verger: “Você não queria vir? Agora que você está aqui se comunique com o seu povo”.

Ele não sabia o que fazer. Não conhecia nada do idioma daquele povo de Saketê. O jeito foi, claro, recorrer a Xangô. Rezou, pediu, até que sua mente pareceu se iluminar. “Me veio a cantiga de Xangô e cantei em iorubá. Cantei uma, duas vezes, e nada. Eles só faziam me olhar”. Na terceira, todos eles pegaram o xerê e cantaram junto com Balbino. “Foi demais”, fala, com a voz embargada de quem não esquece aquele momento.

Voltou da África mudado e agora quem visita o terreiro onde o pai-de-santo mantém uma creche para 60 crianças da comunidade pobre de Lauro de Freitas, pode ver ali a síntese da identidade cultural do filho de Alapinin. O nome estranho da rua do Ilê Axé Opô Aganju, que reproduz o leiaute adotado por mãe Senhora no Afonjá, é, para os povos do Benin, muito familiar: Saketê, o lugar do seu reencontro ancestral.

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